A luta pela educação
A luta pela educação sempre foi uma luta política
Já que as mobilizações de rua não foram suficientes para sensibilizar os gestores públicos, o terreno da luta política transformou-se em greve muito forte e com apoio de importantes segmentos da sociedade
Por Gabriel Grabowski / Publicado em 2 de dezembro de 2019
“Um conjunto orquestrado de estratégias de difamação e desconstituição social da docência e descrédito junto à sociedade visa a destruir a escola pública e privatizá-la em prol dos interesses empresariais”
Foto: Leonardo Savaris
“Resistimos para não deixar de existir” (Helenir Aguiar Schürer)
Contra a decisão de privatizar e liberalizar tudo no Brasil e no estado do RS, inclusive as escolas públicas através das parcerias público-privadas com as Organizações Sociais (OS), os professores travam uma vigorosa e inédita resistência e luta política na defesa da escola e da educação pública. Os ataques e agressões à educação, aos professores e estudantes foram sistemáticos e orquestrados durante todo ano de 2019. Já que as mobilizações de rua não foram suficientes para sensibilizar os gestores públicos, o terreno da luta política transformou-se numa greve muito forte e com apoio de importantes segmentos da sociedade.
O que está em jogo nesta luta política, conforme demonstra Erika M. Martins, em recente tese defendida na Unicamp, é uma reorganização empresarial no espaço de incidência na política educativa e que deve ser entendida como parte de um projeto hegemônico que afirma seu interesse geral na acumulação. O fortalecimento e aprofundamento dos vínculos entre empresariado e educação tem alcançado um nível inédito na história latino-americana e brasileira: situação que impôs aos empresários o refinamento da matriz discursiva sobre a participação da ‘sociedade civil’ e ‘direito à educação de qualidade’. Para as frações burguesas latinoamericanas esta seria uma tentativa de realinhar forças sociais em torno de estratégias de acumulação e projetos estatais, dinamizando a acumulação do capital em escala nacional ou internacional.
Somente nesta perspectiva é que ganha sentido a afinidade de modelos de gestão pública entre um governo de ultradireita, de corte autoritário e privatizador de tudo, como são o governo de Bolsonaro e governos estaduais, como o de Eduardo Leite, do PSDB, no RS. Ambos seguem e implementam as orientações das Organizações Internacionais, através das Fundações Empresariais, como é o caso da Fundação Lemann, que já financiou quatro viagens internacionais de estudo do governador que realiza o maior ataque à carreira e à dignidade docente na história da educação gaúcha.
A luta dos professores não é só contra o “pacote da morte”, mas resistência heroica e um alerta para que todos nós nos desacomodemos e lutemos pelo direito constitucional à educação
É necessário compreender a resistência e a luta dos professores do estado não apenas contra o “pacote da morte”, que acaba com a carreira dos professores estaduais, desconstrói o futuro da docência, desprestigia a qualificação e a formação docente. É necessário compreendê-la e solidarizar-se com ela enquanto ato político, de resistência heroica e um alerta para que todos nós nos desacomodemos e lutemos pelo direito constitucional à educação (artigos 205 e 206 da CF) e ao ensino com padrão de qualidade, gratuito, com igualdade de condições, liberdade de ensinar e aprender, com gestão democrática, pluralismo de ideias e concepções, que somente será possível com a valorização dos professores na carreira, com seus títulos de formação acadêmica e com remuneração salarial justa.
As estratégias de parcelamento de salários, responsabilização dos servidores públicos pela crise fiscal e econômica, o excessivo gasto com inativos, o plano de carreira do magistério, o “canal de denúncias de professores”, a culpabilização dos professores pelo desempenho educacional, entre ouras arbitrariedades e inverdades proferidas, constituem-se em um conjunto orquestrado de estratégias de difamação e desconstituição social da docência e descrédito junto à sociedade, possibilitando assim destruir a escola pública e privatizá-la em prol dos interesses empresariais e da acumulação do capital de grandes grupos econômicos.
Desde o Chile, passando pelo México, como no Brasil atual, no centro da propalada ‘crise educativa’, encontra-se o ‘docente’: “na região, a baixa qualidade do corpo docente é um dos principais desafios para melhorar a qualidade da educação”. Os professores “não têm conhecimento adequado sobre a disciplina que ensinam, não fazem uso adequado dos materiais escolares, não dominam práticas pedagógicas eficazes ou técnicas de gestão de sala de aula” (Reduca, 2016). Os ‘docentes’ vêm sendo instrumentalizados pelas políticas advindas dos ‘reformadores empresariais’; eles são seu alvo, “embora seja(m) apresentado(s) como protagonista(s)”, os governos atuais, em conjunto com as fundações empresariais, acusam o magistério de resistir às mudanças, de passividade, da baixa qualidade na sua formação, sugerindo ser responsabilidade dos docentes as dificuldades para estabelecer um sistema de avaliação para sua carreira. A solução apresentada pelos ‘reformadores empresariais’ seria o pagamento por desempenho, que ‘equipararia as diferenças salariais em relação a outros profissionais com formação universitária’. Puro engodo. Pura falácia.
“… a greve é o último recurso de qualquer categoria, única alternativa ao esgotamento da negociação. É um grito de socorro para salvar a escola pública e os sonhos de milhões de gaúchos que dependem de uma educação gratuita e de qualidade”
Para a professora da rede estadual Helenir Aguiar Schürer, que está na presidência do CPERS/Sindicato, “a greve é o último recurso de qualquer categoria, única alternativa ao esgotamento da negociação. É um grito de socorro para salvar a escola pública e os sonhos de milhões de gaúchos que dependem de uma educação gratuita e de qualidade. Resistimos para não deixar de existir”. Denuncia que mais de 10 mil educadores abandonaram a rede estadual desde 2014. São profissionais que não se aposentaram. Saíram do chão da escola por óbito, dispensa ou opção. Os dados são da Secretaria da Fazenda, compilados pelo Dieese.
Nestes primeiros 11 meses, o governador do RS esteve em cinco países: Estados Unidos, Inglaterra, Chile, Uruguai e Singapura. Aos Estados Unidos foram quatro viagens: uma no primeiro semestre e três no segundo. Deveria conhecer melhor o sistema educacional finlandês ou coreano, ao invés do americano. “Enquanto os professores americanos de ensino médio possuem baixo status social e são recrutados predominantemente entre alunos universitários de baixo desempenho, os professores finlandeses passam por um processo seletivo muito competente, são recrutados entre os melhores alunos dos ensinos médio e superior, gozam de alto status (ainda mais que os professores universitários!), são bem pagos, possuem diplomas de pós-graduação e recebem muita autonomia quanto ao modo de ensinar” (Jared Diamond).
A Finlândia possui escolas públicas igualitárias de alta qualidade e poucas escolas particulares. De modo assombroso para os americanos ricos, mesmo as poucas escolas particulares recebem o mesmo nível de financiamento governamental que as públicas e não têm permissão para aumentar seus fundos cobrando pela educação, coletando taxas de matrícula ou recebendo doações. Hoje, 98% das escolas são públicas neste país nórdico. A educação lá não é mercadoria nem pode gerar lucro e os professores recebem bons salários. É necessário reafirmar que a escola pública de qualidade é boa para todo mundo, inclusive para os alunos da escola privada. “A escola pública é o parâmetro ao qual se comparam as particulares e, quanto melhor forem as públicas, mais as particulares precisam se esforçar para serem atraentes. Mas estamos longe, muito longe da Finlândia. Enquanto os professores de lá têm autonomia e dignidade, os nossos professores estão pedindo empréstimo no Banrisul e sendo expulsos do Palácio Piratini a pauladas” (Julia Dantas).
Precisamos reconstruir na escola um ambiente de liberdade por parte dos educadores e educandos. Um espaço que garanta respeito, admiração, reciprocidade e trocas permanentes entre professores e estudantes. A escola não pode ser espaço de denúncia vazia de uns contra os outros, mas de diálogo e de confiança. Pois, a “Escola é… o lugar onde se faz amigos. Não se trata só de prédios, salas, quadras, programas, horários, conceitos…Escola é, sobretudo, gente! Gente que trabalha, que estuda! Que alegra, se conhece, se estima” (Paulo Freire).