A mentira como método
Nesta semana, Jair Bolsonaro anunciou que está com coronavírus. Como o presidente não tem credibilidade, e sua atitude em relação à pandemia pode ser qualificada, sem exageros, de genocida, houve mais piadas do que compaixão nas redes sociais. Como acreditar em um presidente que já apresentou dois exames negativos, sob ordem judicial, feitos com nomes fictícios, cercados de confirmações e desmentidos, e que aproveitou a comunicação da doença para fazer propaganda da hidroxicloroquina, medicamento reprovado por pesquisadores e especialistas da OMS para o tratamento de coronavírus?
Na imprensa, o ceticismo imperou, com destaque para a coluna de Hélio Schwartsman, que defendeu com (bons) argumentos o direito de torcer pela morte de Bolsonaro. “No plano mais imediato, a ausência de Bolsonaro significaria que já não teríamos um governante minimizando a epidemia nem sabotando medidas para mitigá-la. Isso salvaria vidas? A crer num estudo de pesquisadores da Ufabc, da FGV e da USP, cada fala negacionista do presidente se faz seguir de quedas nas taxas de isolamento e de aumentos nos óbitos. Detalhe irônico: são justamente os eleitores do presidente a população mais afetada.”
Os mais sensíveis que me perdoem, mas até no momento em que foi falar de suas condições de saúde, o presidente fez por merecer o augúrio do jornalista. Além da propaganda da droga, da qual se comprovou apenas os efeitos colaterais negativos, ele disseminou mais uma vez a desinformação - dizendo que os jovens não devem se preocupar com a doença, apesar de diversos óbitos entre os abaixo de 40 anos - e colocou a vida de outras pessoas em risco, retirando a máscara e não respeitando a distância mínima entre ele e os jornalistas.
Nessa mesma semana, o presidente também sancionou, com muitos vetos, a lei que define as medidas para conter o avanço da pandemia entre quilombolas e indígenas, que estão em situação de alto risco. Já são 127 mortos e 2.590 casos confirmados nas comunidades quilombolas e 461 mortos e 13.241 casos que afetam 127 etnias indígenas, o que vem despertando grande preocupação e indignação internacionais.
Pois bem: Bolsonaro vetou os artigos que obrigavam o Poder Público a garantir o acesso universal à água potável, a distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção das aldeias e a disponibilidade de leitos hospitalares e de UTI. Como falar em “empatia”, como pedem seus seguidores, com um presidente que condena povos inteiros à morte?
Nesse cenário, torna-se ainda mais patético o comportamento de outro membro do governo, o vice-presidente general Mourão e sua improvisada - e fechada - reunião virtual com os investidores internacionais, buscando convencê-los de que o governo está sim cuidando dos povos indígenas e combatendo o desmatamento. Além da humilhação de ter de se explicar aos “estrangeiros” (não é assim que Mourão se refere às ONGs de proteção aos indígenas e ao meio-ambiente?), ele apelou mais uma vez à estratégia carimbada de Bolsonaro: a mentira. Só que convencer a cúpula do capitalismo internacional é um pouquinho mais complicado do que enganar seguidores e agredir jornalistas que insistem em apresentar a realidade à população. Não é com mentiras que o governo vai recuperar os milhões de dólares do Fundo Amazônia, perdidos por sua própria culpa.
Ainda bem que não estamos sozinhos no mundo. Bolsonaro é que está.
Marina Amaral, codiretora da Agência Pública
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