A polarização discursiva
A polarização discursiva e a falta de um projeto de crescimento econômico e de inclusão social para o Brasil.
“Precisamos de uma alternativa diversa”. Algumas análises
A decisão do Supremo Tribunal Federal – STF pelo fim da prisão após a condenação em segunda instância na última quinta-feira, 07-11-2019, tem um significado jurídico e outro político, diz Roberto Dutra Torres Junior à IHU On-Line. Juridicamente, afirma, “foi cumprida a Constituição, garantindo-se o direito de não prisão até o trânsito em julgado”. Politicamente, a “interpretação está num cenário de disputa política entre Lula, o PT e o governo, pela liderança que o Lula significa e pelas possibilidades que a volta dele à liberdade trazem”, pontua. O ex-presidente Lula estava preso desde o dia sete de abril de 2018, após ter sido condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Operação Lava Jato.
Para analisar como a liberdade do ex-presidente pode reconfigurar o cenário político, a IHU On-Line conversou com os sociólogos Luiz Werneck Vianna e Roberto Dutra por telefone, e com Rudá Ricci pelo WhatsApp.
Para Werneck Vianna, a presença do ex-presidente Lula na cena política representa uma “oposição eloquente” ao “projeto Bolsonaro de mudança radical do país” e “certamente vai elevar a temperatura política”. Na avaliação dele, o embate entre petistas e bolsonaristas abre uma “oportunidade nova” para o centro político. “Não interessa ao país uma conflagração, especialmente uma conflagração que não tem maiores propósitos. A meu ver, nós temos que fugir da polarização, voltar às nossas tradições, defender a nossa Carta, defender os princípios fundantes do nosso país”, propõe. Crítico aos projetos petista e bolsonarista, Werneck frisa que “precisamos de uma alternativa diversa”. “Estamos diante de um quadro em que se torna necessário a intervenção de um personagem capaz de dialogar com as forças novas que surgiram no país e com a história do Brasil, que seja capaz de criar um projeto de crescimento econômico e de inclusão social”, argumenta.
Na opinião de Rudá Ricci, há apenas “dois cenários possíveis para o Brasil: o de retomada de um projeto de desenvolvimento social e econômico ou o de radicalização”. Segundo ele, ainda é difícil prever o que o PT fará daqui para frente, dado que “as últimas duas direções perderam completamente a capacidade de elaborar estratégias que alinhem o curto com o longo prazo”. O fato de o partido ter ficado dependente da figura do ex-presidente Lula, menciona, na prática, levou “à idolatria e à incapacidade de gerar novos quadros formuladores e com capacidade de direção política”. Apesar de o ex-presidente dar uma guinada à esquerda em seus primeiros discursos após deixar a prisão, Ricci aposta que “Lula procurará, pelas movimentações desses dias, retomar um campo de centro-esquerda, cujo limite, até agora, é Luciano Huck, com quem se encontrou há dois ou três dias. Na outra ponta, o PCO e PSOL”. Já à direita, pontua, as articulações são mais complicadas “porque o bolsonarismo é dado ao extremismo retórico, ao conflito permanente até mesmo com seus apoios táticos e à histeria. Portanto, dificilmente agregará o campo político comandado pelo Centrão”. Se esse cenário se consolidar, ressalta, “teremos um país dividido em três partes: esquerda/centro-esquerda, centro-direita e extrema-direita”.
A polarização que observamos nas manifestações do último final de semana em atos contra e pró o ex-presidente Lula e à decisão do STF não é negativa, segundo Roberto Dutra. “Na minha visão, o maior problema da democracia brasileira é a ausência de uma polarização real e efetiva entre programas, partidos, lideranças e organizações partidárias capazes de representar no debate político essas posições programáticas”. Defensor da polarização como um ingrediente saudável para as democracias, Dutra avalia que a liberdade do ex-presidente Lula poderá favorecer tanto a esquerda quanto a direita, que irão se unir em torno dos polos mais potentes. Entretanto, adverte, a “polarização que está agora na figura do Lula e do Bolsonaro pode virar uma polarização puramente discursiva entre dois líderes carismáticos destituídos de programas reais sobre como mudar o país”. E acrescenta: “Bolsonaro de fato não tem esse programa, não representa nada, e o Guedes é como um projeto paralelo, mas o Lula também não representa nada de concreto. Lula representa uma ideia vaga de inclusão social. Mas é uma ideia que nunca deixa de ser vaga, enquanto ela não tiver um programa real de como o Brasil vai ficar mais rico e inclusivo ao mesmo tempo”. Ele diz ainda que maior desafio dos líderes da esquerda e da direita é conquistar a classe média. “Bolsonaro consegui ganhar a classe média nas eleições, ainda tem o apoio significativo de parte dela, mas a classe média não é coesa politicamente”, conclui.
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Roberto Dutra Torres Junior é doutor em Sociologia pela Humboldt Universität zu Berlin e mestre em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF. É professor da UENF e ex-diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – Ipea. É autor de, entre outros, Funktionale Differenzierung, soziale Ungleichheit und Exklusion (Konstanz: UVK Verlag, 2013), Os Batalhadores Brasileiros: nova Classe Média ou nova Classe Trabalhadora (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010), A Ralé Brasileira: quem é e como vive (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009) e O diálogo dos clássicos: divisão do trabalho e modernidade na sociologia (Belo Horizonte: com arte, 2004).
Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É presidente do Instituto Cultiva, cujo programa Comunidades Educadoras que criou acaba de receber distinção da Unesco como programa educacional mais exitoso do Brasil, figurando entre 16 experiências exitosas do mundo. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp, 2004), e Conservadorismo político em Minas Gerais: os oito anos de governo Aécio Neves (Editora Letramento, 2017), entre outros.
Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignada. Diálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Destacamos também seu novo livro intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas concedidas que analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas e publicadas na página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como interpreta a nova decisão do STF de voltar atrás na decisão anterior sobre o fim de prisão após condenação em segunda instância? O que essa mudança significa?
Roberto Dutra Torres Junior – São duas coisas: uma interpretação jurídica e uma política. Na interpretação jurídica, qualquer pessoa intelectualmente decente sabe que foi cumprida a Constituição, garantindo-se o direito de não prisão até o trânsito em julgado. Só que essa interpretação está num cenário de disputa política entre Lula, o PT e o governo, pela liderança que o Lula significa e pelas possibilidades que a volta dele à liberdade trazem.
Roberto Dutra (Foto: João Vitor Santos | IHU)
A cláusula que foi decisiva para a decisão do STF é uma cláusula pétrea e não existe emenda constitucional para cláusula pétrea. Mais uma erosão derradeira da Constituição de 88 seria necessária para mudar o significado jurídico dessa decisão.
Rudá Ricci – Em primeiro lugar, que a vertente garantista (a que defende o amplo direito de defesa do acusado e a presunção de inocência antes de transitado em julgado) voltou a ser maioria no STF, isolando o que alguns denominam de ala “ativista” (aquela que sugere que o judiciário avance na normatização da ordem legal, superando supostas lacunas ou reinterpretando o corpo da lei, muitas vezes assumindo o papel que seria de outros poderes). Em segundo lugar, como o STF é muito sensível à estabilidade social e vota em virtude das ondas de tensão social, parece sinalizar que retornamos à certa normalidade nas regras de convívio, superando a histeria punitivista que assolou a sociedade brasileira a partir de 2015. Democracia tem regras, não é pautada pela irracionalidade ou pressão de grupos de interesse. E a regra maior é a Constituição Federal.
Rudá Ricci durante entrevista à IHU On-Line, em 2018, na Unisinos Porto Alegre
(Foto: Ricardo Machado - IHU)
Luiz Werneck Vianna – Cumpriu-se a Constituição; vale o que está escrito. As hermenêuticas não podem alterar um texto constitucional e foi assim que o Supremo decidiu.
IHU On-Line – A PEC da prisão em segunda instância é inviável na sua avaliação?
Roberto Dutra Torres Junior – Constituições são arranjos que dependem do Direito e da política e a política depende das Forças Armadas. Não é impossível que haja uma alteração na Constituição, mas isso, do ponto de vista constitucional e do ponto de vista de uma teoria jurídica e de uma visão de como distinguir entre o regime jurídico de um país e de outro, é claramente o fim de uma cláusula pétrea da Constituição de 88. No processo de erosão da Constituição que vivemos desde 2016, isso ainda não aconteceu. A mudança é possível politicamente, mas tem um custo alto, porque significa desafiar uma cláusula pétrea.
IHU On-Line – Alguns afirmam que Lula livre será diferente do Lula preso. Concorda? O que os discursos do ex-presidente na sexta-feira e no final de semana sinalizam nesse sentido?
Rudá Ricci – Não sei se dizem algo muito significativo. Lula tem que polarizar com Bolsonaro. Aliás, o mesmo fará Bolsonaro. Explico. Para Lula retornar a ser o líder supremo do centro-esquerda, dando-lhe cacife para negociar com a esquerda e o centro (maioria para ganhar eleições nacionais), precisa se apostar como articular da ofensiva contra o governo de extrema-direita de Bolsonaro. Já para Bolsonaro, como é nítido a perda de apoios políticos e apoio popular, a polarização com Lula agregaria os setores anti-petistas da sociedade. Ocorre que Bolsonaro se indispôs com muitas forças sociais e políticas que naturalmente o apoiariam. A situação de Bolsonaro é, portanto, mais delicada que a de Lula. Restará ao governo federal modular a ação de Lula, fazendo ameaças e, no limite, procurando enquadrá-lo em algum cenário de tentativa de ruptura da ordem política. É a partir deste cenário de tentativa de controle pelo governo Bolsonaro que emerge o golpe de Estado na Bolívia: ele acena para uma ofensiva antidemocrática para impor a lógica extremista de direita. Em suma: este bloco percebe o recuo de sua liderança no continente e aposta em ações mais violentas, caso a via democrática não lhes garanta mais legitimidade. A liberdade de Lula se insere neste quadro.
Luiz Werneck Vianna – Igual, ele não poderá ser, porque passou por uma experiência traumática com a solidão da prisão. Embora tenha sido muito visitado, era uma situação de limitação de liberdade severa. Isso deve ter feito ele refletir.
Werneck Vianna (Foto: Acervo IHU)
Primeiro de tudo, ele sai em busca do ativo dele: as primeiras manifestações dele foram todas no sentido de recuperar a militância para uma ação política. A militância está muito dispersa, mas parece que nisso ele teve algum êxito. O que não creio é que, embora ele tenha feito uma deriva à esquerda forte nos pronunciamentos, especialmente no segundo em São Bernardo, ele vá por essa linha. Penso que no momento ele está à procura de preservar o seu ativo que está no PT e nos aliados à esquerda que o PT fez ao longo dos anos: PCdoB, PSOL, e a novidade do Partido Comunista Operário – PCO, que é uma novidade mais anedótica do que qualquer outra coisa, porque o partido não representa nem os operários nem os comunistas. Mas não creio que ele vá persistir nesta linha de radicalização à esquerda.
Agora, a polarização do país não vem dele. Ela nasce com o governo Bolsonaro, que é um governo que nasce com a intensão de mudar o país de “cabo a rabo”, as suas histórias e suas tradições. Neste sentido, ele polarizou com o país tal como o conhecemos e com a pretensão de erradicar pela raiz os fundamentos que até então inspiraram a nossa formação.
IHU On-Line - No último final de semana, ocorreram manifestações nas ruas contra e pró Lula. A polarização e a radicalização do último pleito eleitoral tendem a aumentar a partir de agora ou o cenário tende a ser diferente?
Roberto Dutra Torres Junior – Eu dou um sentido diferente ao que tem sido atribuído aos conceitos de polarização e fragmentação. Na minha visão, o maior problema da democracia brasileira é a ausência de uma polarização real e efetiva entre programas, partidos, lideranças e organizações partidárias capazes de representar no debate político essas posições programáticas, essa polarização. Para mim, a polarização é uma coisa necessária e boa para a democracia, dentro de certos limites, obviamente, quando ela não impede a conciliação de atores e partidos. Mas o maior problema da nossa democracia é a ausência de polarização.
O que temos é um cenário maior de fragmentação. Até agora a oposição ao Bolsonaro não tinha uma liderança forte, não tinha uma voz potente e, inegavelmente, o Lula - independentemente de eu concordar ou não com o que ele diz – tem uma voz potente como nenhuma outra da oposição. Então, de fato, o Lula cria um cenário de maior polarização com o Bolsonaro. Isso fortalece o Bolsonaro, porque a polarização fortalece os dois polos. Bolsonaro estava até agora sofrendo num ambiente de fragmentação e não de polarização.
O que é típico de um ambiente de fragmentação é a direita e a esquerda fragmentadas. Bolsonaro conseguiu polarizar com o PT nas eleições, mas acabada a eleição, nesse quase um ano de governo, a coalizão política dele criou problemas externos justamente por conta da ausência de um polo forte do outro lado. Então, do outro lado havia uma oposição fragmentada, que ainda está fragmentada, porque o Lula não resolveu nada e nem acho que pode resolver tudo, mas a presença dele cria uma perspectiva de desfragmentação da oposição e isso obriga, automaticamente, a direita a se unir em torno do polo mais potente, que ainda é o Bolsonaro. Então, de fato, o Lula cria um ambiente de polarização, com uma radicalização discursiva, programática, ideológica de ruptura com a democracia. Mas é bom deixar claro que o Lula é alguém com muitos limites, mas nunca desafiou o estado democrático no poder; quem faz isso é o Bolsonaro. Portanto, essa estratégia de dizer que o Lula é o radical de esquerda e o outro de direita, é uma falácia.
Rudá Ricci – Dependerá mais da habilidade de Lula e das lideranças das grandes organizações populares e movimentos sociais. Bolsonaro apostará na polarização para sua própria sobrevivência. Lula, momentaneamente, também ganha com a polarização porque aglutinará toda oposição a Bolsonaro, oposição que ganha adeptos desde o início do ano. Contudo, em determinado momento, se o bloco oposicionista ganhar musculatura, talvez a tática seja outra, não a da polarização, mas a de desconstrução do bolsonarismo.
Luiz Werneck Vianna – O que já ocorreu é que o projeto Bolsonaro de mudança radical do país encontrou uma oposição eloquente, a do Lula. Isso certamente vai elevar a temperatura política do país; já está elevando.
IHU On-Line – De outro lado, diante da falta de programas, a polarização pode impactar na análise política da realidade brasileira e na busca de prioridades para o país neste momento, como o crescimento econômico e inclusão social?
Roberto Dutra Torres Junior – O problema não é a polarização, mas a ausência de diferença programática e de clareza programática. Esta é a principal questão do que vai ser o Lula livre. Infelizmente, o Lula e os governos do PT não tiveram nenhuma ousadia programática, nem um programa de transformação econômica e social do Brasil e agora ficamos pensando se o Lula vai falar para o passado ou para o futuro. Se falar para o passado, é para idealizar um período que teve muitos méritos, mas não foi capaz de promover um salto estrutural na economia e na sociedade brasileira como um todo. Essa polarização que está agora na figura do Lula e do Bolsonaro pode virar uma polarização puramente discursiva entre dois líderes carismáticos destituídos de programas reais sobre como mudar o país. O Bolsonaro de fato não tem esse programa, não representa nada, e o Guedes é como um projeto paralelo, mas o Lula também não representa nada de concreto. Lula representa uma ideia vaga de inclusão social. Mas é uma ideia que nunca deixa de ser vaga, enquanto ela não tiver um programa real de como o Brasil vai ficar mais rico e inclusivo ao mesmo tempo. Os governos do PT não foram capazes de superar o subdesenvolvimento econômico e essa é uma questão programática. O Lula diz que tem uma reação nacionalista ao projeto entreguista de Bolsonaro, mas essa reação nunca deixou de ser uma retórica durante os governos dele.
A minha expectativa é que isso, de repente, possa deixar de ser apenas uma retórica. A questão é que o Lula e o PT não dispõem de programas e de uma visão de Brasil suficientes para isso e aí precisariam ampliar não só para fora do PT, mas da esquerda, quais são os caminhos econômicos, porque a principal questão no Brasil hoje é como superar a estagnação econômica. O PT pode muito bem criticar o governo Bolsonaro e dizer que é um desastre, mas o PT não tem um programa econômico alternativo viável. Ele teve a chance de implementar esse programa, não o fez e até agora não demonstrou nenhuma reação intelectual no sentido de criar algo novo.
Rudá Ricci - Há dois cenários possíveis para o Brasil: o de retomada de um projeto de desenvolvimento social e econômico ou o de radicalização. A radicalização é a aposta dos governos brasileiro e norte-americano. Para tanto, para ações exageradas e de ruptura com a ordem política terem algum apoio social, precisam insuflar os ânimos. Já a construção de um projeto de desenvolvimento inclusivo caminha em outra direção, na da construção de consensos. A questão é que ambos se encontram em algum lugar da política. A pergunta incômoda é: seria possível construir um projeto de desenvolvimento inclusivo e autônomo sem confrontar o projeto belicista da extrema-direita? É possível desfazer o pacto entre forças policiais e de repressão com lideranças pouco preparadas e histéricas da política nacional?
IHU On-Line - Após a soltura do ex-presidente Lula, o presidente Bolsonaro determinou que seus ministros não se pronunciassem sobre a decisão do STF e ele próprio declarou que não vai rebater as declarações do ex-presidente Lula, mas já fez vários comentários em resposta às declarações do ex-presidente. Como o presidente e a ala bolsonarista tendem a lidar com a presença de Lula no cenário político?
Roberto Dutra Torres Junior – Ele tem vários problemas. A única vantagem é que a presença do Lula no cenário político facilita uma reaglutinação da direita em torno do Bolsonaro. Esse é o único ponto positivo. O primeiro ponto negativo é que a popularidade pessoal de Lula é muito alta e isso pode ser um recurso político para desafiar o Bolsonaro no embate direto. Além disso, Lula tem a vantagem de saber fazer o embate na rua. Obviamente, Lula tem capacidades políticas muito mais elevadas do que Bolsonaro, mas Bolsonaro não é idiotia na política, ao contrário do que muitos dizem. Ele é intelectualmente míope, mas sabe fazer política. Mas o Lula sabe muito mais, inclusive, na arena das ruas e na política afetiva com a maioria. Lula sabe agregar e o grande desafio nesta luta entre Lula e Bolsonaro é quem vai conseguir ganhar a classe média. Bolsonaro consegui ganhar a classe média nas eleições, ainda tem o apoio significativo de parte dela, mas a classe média não é coesa politicamente. As questões materiais contam muito.
Paulo Guedes não tem uma política econômica que privilegia a classe média, então, Lula tem uma possibilidade grande de avançar nesse terreno. A polarização pode favorecer Lula. Bolsonaro tentar ignorar Lula, como pareceu ser no primeiro momento, não funcionou. Logo em seguida, dois dias depois da libertação do Lula, ele começou a atacar, e Moro também, demonstrando que a liberdade do Lula incomoda muito, porque Lula sabe ampliar, articular. Bolsonaro é um político para um gueto e Lula sabe sair do gueto. Lula não tem um programa, não tem um discurso capaz de visualizar o que deve ser feito em termos de políticas públicas, mas sabe o que deve ser feito em termos de convencer pessoas e agregar politicamente.
Rudá Ricci - Polarizando. É sua única saída. Bolsonaro não tem a experiência, a competência política, a capacidade de negociação que Lula tem. É um aprendiz de feiticeiro não muito atento. Gosta de escatologia, o que ofende o imaginário místico nacional. Por este motivo, vem se fechando em sua bolha de extrema-direita. O núcleo duro desta bolha gira ao redor de 12% do eleitorado, o que não elege presidente. Mas ele tem a caneta e pode oferecer vantagens a alguns apoiadores. O que nos leva a pensar que pode variar entre 12% e 20% do eleitorado. Talvez, um pouco mais. A polarização o colocaria o tempo todo na pauta do dia. Reduziria a projeção de forças de centro-direito ou da direita civilizada, que aceita a democracia e a disputa ideológica. Estamos falando da extrema-direita bolsonarista, aquela que se alimenta da mobilização frenética da sociedade permanentemente. Este é o sonho de Bolsonaro.
Luiz Werneck Vianna – Tem coisas que são enigmáticas. Qual é o comportamento das Forças Armadas em relação a tudo isso? Como eles estão observando esse quadro? Porque no limite está posta a volta de um regime militar do tipo AI-5, como já foi preconizado por fontes palacianas e pelo filho do presidente da República. Se isso tem passagem ou não, seria uma aventura dos infernos, porque o Brasil não é mais o país de 64. O país mudou muito para o bem e para o mal. Esse enigma vamos ter que resolver nos processos. Agora, não convém provocar a resolução de uma maneira que seja desastrosa para o país. O que penso é que apareceu uma oportunidade nova para o centro político.
IHU On-Line – Em que sentido?
Luiz Werneck Vianna – Um centro liberal e progressista, conforme está se dizendo aí. Apareceu uma oportunidade para este lugar que estava vazio e passa por políticos, personalidades e movimentos sociais que o suportem, que o levem à frente.
IHU On-Line – Quem pode assumir este lugar?
Luiz Werneck Vianna – A personificação disso está complicada, mas o lugar apareceu; alguém vai ocupá-lo. As oportunidades estão aí e é evidente que não sou eu quem está dizendo isso de um lugar obscuro da academia brasileira; isso está presente inclusive nos editoriais dos grandes jornais do dia de hoje [12-11-2019]. Não interessa ao país uma conflagração, especialmente uma conflagração que não tem maiores propósitos. Vamos alinhar o país à política externa americana do Donald Trump? Será que ele ganha as eleições? Será que ele não será objeto de um impeachment?
E mais: o caso do Chile deveria ser exemplar de como a política do ministro Guedes levou a um levante popular no Chile pelo aumento da passagem do metrô, de tal forma que a as tensões e os conflitos se tornaram insuportáveis. O presidente [Sebastián] Piñera, apesar de todos os recursos que tem promovido, inclusive a admissão de uma nova Constituição, vai conseguir estar à frente do governo até o final do seu mandato? Esse caminho ensina que a política à la Chicago Boys, que foi levada a cabo no Chile, apresenta frutos muito venenosos a médio e longo prazo. Essa leitura está sendo feita.
Há outras possibilidades de cuidar do desenvolvimento capitalista do país com as instituições políticas funcionando, com a valorização da democracia política, e com políticas sociais inclusivas. Não há incompatibilidade entre políticas sociais inclusivas e o regime capitalista. Depende de que regime capitalista estamos falando. Se for dominação autocrática, é uma coisa, tal como ocorreu no Chile de [Augusto] Pinochet. A partir de uma convivência democrática, é outra coisa, são outras possibilidades de convivência, de educação dos conflitos e de solução e de admissão dos conflitos, da legitimidade deles.
IHU On-Line – Como o senhor está analisando a crise na Bolívia, as denúncias de fraude no processo eleitoral pela Organização dos Estados Americanos - OEA e a própria renúncia do ex-presidente Evo Morales e várias autoridades do país?
Roberto Dutra Torres Junior – O Chile é claramente um exemplo de falência de uma democracia sem constitucionalismo. O processo de democratização do Chile referendou a Constituição de Pinochet, neoliberal, que bloqueia a garantia de direitos sociais pelo Estado. O que o povo chileno conseguiu foi aglutinar as diversas demandas num processo que é o mais promissor de todos, que é o constituinte. É claro que é um processo indefinido, mas o processo constituinte é sempre um processo revolucionário do ponto de vista político, porque ele propõe refundar a República, o Estado, direitos e deveres, e a expectativa do Chile é uma oportunidade única de romper com o Estado constituído na ditadura e que não foi desconstruído pelas democracias. Tenho um leve otimismo em relação ao Chile e isso vai depender das forças políticas organizadas porque quem faz a Constituição não é o povo na rua, mas seus representantes.
No caso da Bolívia, tudo ainda é muito confuso e não tenho condição de analisar. Aparentemente, parece que há uma tentativa de golpe militar e houve um processo de mudança da Constituição que é difícil de avaliar se é ou não uma tentativa de golpe, a questão da fraude e quais são os procedimentos jurídicos que deveriam ser adotados. Aparentemente, é um golpe porque haveria mecanismos jurídicos para realizar uma nova eleição sem a precipitação militar que acabou acontecendo. Mas a história ainda não teve um desfecho e os movimentos sociais continuam organizados.
Luiz Werneck Vianna – Isso incendeia a América Latina; não de maneira catastrófica, mas são focos de incêndios que mostram caminhos a não seguir, caminhos perigosos. Evo Morales, apesar de ter feito um governo interessante sobre vários aspectos, econômico e social, se perdeu na política. É um erro a insistência de permanecer no poder. Ele não pensou e não trabalhou uma possibilidade de transferir seu legado para um sucessor. O sucessor dele era ele mesmo. Até quando? Isso enfureceu a oposição e deu recursos políticos à oposição. E como a insatisfação sempre está presente em qualquer sociedade, deu esse resultado negativo na Bolívia, o qual não sabemos onde vai parar. Imagino que os conflitos na Bolívia vão se intensificar e teremos lá um governo militar, como manda a tradição boliviana.
É este o caminho? O da intervenção militar por toda parte? Aqui temos uma semente disso, com esses acenos à volta do regime do AI-5. A sociedade não quer, mas o filho do presidente acenou com essa possibilidade de maneira clara. Este governo que aí está nasce vocacionado para a polarização com a história do país; ele recusa a história do país, a tradição da política externa do país, recusa as formas de negociação que fizeram este país ser o que é. É um governo que só admite a sua vontade como legitima. Não tem um ano de governo e é evidente que a reação a isso é forte. Nem mesmo um Congresso como este, eleito da maneira como foi, resiste. Rodrigo Maia não tem nada que diga que é um parlamentar da cepa de um Ulysses Guimarães, mas está sendo obrigado a, pelas circunstâncias, robustecer as suas convicções democráticas. Não conheço as convicções mais profundas do presidente da Câmara dos Deputados, mas o fato é que ele vem respondendo de maneira democrática, assim como o presidente do Senado, a essas insinuações malévolas de uma volta ao regime autocrático. Eles estão defendendo a política. Aliás, o que nos cabe defender nesta hora é a política, o processo eleitoral, os partidos, mesmos os “partidecos” que estão aí, porque eles têm uma função, um papel; pode ser que alguns deles se convertam em partidos verdadeiros.
É preciso provocar a ressurreição da política entre nós; o governo Bolsonaro tem se aplicado em eliminar a política e criar um governo autocrático e tecnocrático, com soluções tecnocráticas para todos os problemas. O projeto dele implica em que? Remoção das populações indígenas, erradicação da questão indígena do Brasil, mineração da Amazônia, destruição do meio ambiente em nome de avanços capitalistas irrisórios, de outro tempo, de outra fase do processo capitalista, de uma fase já superada. Estamos aplicados no petróleo na era da energia solar, de aproveitamento das marés, dos ventos, aplicados na mineração, na atividade extrativa que não vai gerar riqueza para a sociedade, mas apenas para grupos.
Polarizar, de verdade, é o governo Bolsonaro quem faz, primeiro com a Constituição, que ele não aceita; aceita contingencialmente, obrigado pelas contingências. Ele jurou a Constituição sem acreditar nela. O mesmo acontece com o ministro Guedes: o que ele tem na cabeça é converter o Brasil, em grande parte, livre para a predação capitalista do país. A sociedade não vai suportar isso. Ela não está suportando.
A meu ver, nós temos que fugir da polarização, voltar às nossas tradições, defender a nossa Carta, defender os princípios fundantes do nosso país, e não entrar na aventura da estigmatização da história do país. Converter o país numa América, agora, depois de 500 anos de outra história, numa América fordista, é um projeto que não tem como dar certo. De outro lado, a polarização política e eleitoral deve ser incrementada com a volta do Lula à cena política, que também tem um projeto que não passou, que foi derrotado com Dilma. Precisamos de uma alternativa diversa. Onde ela se encontra? Por ora, ela só existe no mundo quântico, mas é pegar ou largar, porque se os setores responsáveis não pegarem isso, vamos ladeira abaixo.
IHU On-Line – Então, nem Lula nem Bolsonaro. Temos que buscar uma alternativa?
Luiz Werneck Vianna – Isso. Mas vai levar tempo. Estamos diante de um quadro em que se torna necessário a intervenção de um personagem capaz de dialogar com as forças novas que surgiram no país e com a história do Brasil, que seja capaz de criar um projeto de crescimento econômico e de inclusão social. A inclusão social é o tema dominante no mundo hoje e será cada vez mais.
IHU On-Line – O senhor disse recentemente em um post que o PT precisa se libertar do século XX e da proposta de ampla conciliação de classes que desarmou a militância social do país. Com Lula livre, quais as principais estratégias do partido daqui para frente?
Rudá Ricci – É difícil sugerir o que o PT fará. As últimas duas direções perderam completamente a capacidade de elaborar estratégias que alinhem o curto com o longo prazo. Pensam olhando para o chão e ficaram absolutamente dependentes de Lula. Ora, na prática, esta situação leva à idolatria e à incapacidade de gerar novos quadros formuladores e com capacidade de direção política.
Há um dilema fundamental para o PT de hoje: o lulismo não tem, nos moldes em que foi implantado nos governos Lula e Dilma, qualquer possibilidade de ser reeditado. Isto porque tratou-se de uma atualização do modelo rooseveltiano, onde o empresariado fazia parte do tripé de sustentação do pacto desenvolvimentista (os outros vértices eram a ampliação do mercado consumidor e a concentração de recursos públicos na União). Ora, o empresariado se aliou à extrema-direita para impor uma agenda ultraliberal, que vem gerando protestos e convulsões sociais em quase todo planeta. A Fundação Perseu Abramo, sob liderança de Márcio Pochmann, vem procurando repensar as possibilidades de desenvolvimento autônomo brasileiro (sem tutela das grandes hegemonias mundiais). O lulismo tem que ser reinventado. Lula diz que sai da cadeia mais à esquerda. Se for real, deverá ser objeto de estudo da psicologia. Lula foi sempre um conciliador. É marca de sua personalidade.
IHU On-Line – O que muda no cenário político com a soltura do ex-presidente Lula? Que articulações políticas devem ocorrer agora, tanto à esquerda, à direita, quanto no centro?
Roberto Dutra Torres Junior – O Lula tem a característica dele de, na defensiva, adotar um discurso mais radical, como ele adotou logo que saiu da prisão e também no sábado em São Bernardo. Mas todos que conhecem um pouco de política e o padrão do Lula, sabem que quando ele assume essa posição, ele também ativa suas habilidades de conciliador. Ele tem uma capacidade que ninguém mais tem, que é a de manter a militância mais à esquerda do PT e fora do PT mobilizada em torno de um projeto radical e, na prática real, conciliar com o centro e até mesmo com setores da centro-direita. Como o Lula tem essa amplitude de ação, o cenário é muito aberto e ele pode adotar uma postura mais radical se o centro se fechar em relação a ele e ao PT ou pode adotar uma postura mais conciliadora se existirem essas possibilidades.
Rudá Ricci – O Brasil vive uma situação paradoxal. Quem tem capacidade de colocar gente nas ruas – o lulismo ou a extrema-direita – não controla as instituições públicas. Mesmo o Executivo Federal parece sofrer grandes recuos, não consegue se articular no Congresso Nacional, perde popularidade (ao redor de 1% a 2% ao mês) e sofre defecções. Quem controla o Congresso Nacional é o Centrão, cujo nome é um subterfúgio para não nomear o centro-direita brasileiro, liderado por Rodrigo Maia. Ocorre que este segmento, o Centrão, não mobiliza as ruas e tem pouca liderança nacional. Assim, o campo institucional parece fortemente divorciado das ruas, do cotidiano brasileiro.
Lula procurará, pelas movimentações desses dias, retomar um campo de centro-esquerda, cujo limite, até agora, é Luciano Huck, com quem se encontrou há dois ou três dias. Na outra ponta, o PCO e PSOL. Havia lançado uma ponte para Ciro Gomes, mas este recusou com mais uma grosseria que lhe é comum. À direita está mais complicado porque o bolsonarismo é dado ao extremismo retórico, ao conflito permanente até mesmo com seus apoios táticos e à histeria. Portanto, dificilmente agregará o campo político comandado pelo Centrão. Se isso ocorrer, teremos um país dividido em três partes: esquerda/centro-esquerda, centro-direita e extrema-direita. Como se vê, o centro e centro-direita tende a ser esmagados pela polarização. Neste cenário, partidos como PPS ou PSDB parecem sofrer mais intensamente, dado que se movimentaram nos últimos anos para a direita e acabaram cedendo seu capital político para o bolsonarismo.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum ponto?
Luiz Werneck Vianna – Diria que precisamos olhar para o mundo, para o exterior, para o que acontece na Europa, na Ásia, na África e ver para onde a balança está pendendo, quais são os lados que estão se impondo na circunstância atual; são lados democratizantes e democratizadores.
O tema da inclusão social é incontornável no mundo de hoje. O capitalismo, da maneira como é pensado, por essa modelagem dos Chicago Boys, não dá conta disso. Dá conta da acumulação de riqueza capitalista. O capitalismo precisa de uma sociedade para existir e na sua concepção vitoriana, a sociedade é destruída e com isso o capitalismo vai junto. O que vai surgir no Chile agora é a grande questão para a qual temos que atentar. Que Constituição vai ser aquela que surgirá daqueles conflitos que agora se manifestam? Eu imagino que uma Constituição diversa. Vai surgir uma Constituição inclusiva, que privilegie a saúde, a educação, a participação, vai surgir uma institucionalidade abrangente. Nós temos uma institucionalidade abrangente, que é a da Carta de 88. Ela é perfeita? Não, não é, mas vem sendo aperfeiçoada e garimpada no bom sentido, eliminando estorvos, penduricalhos corporativos e isso deve continuar a ser feito, mas a estrutura dela responde à natureza do nosso tempo, num mundo e numa sociedade.
Eu diria que nós temos que favorecer a aparição desse centro político capaz de conversar com o país, de traduzir as aspirações, preservando as suas tradições e feitos. O Brasil fez grandes feitos em sua história. Nós não somos um país de qualquer. Nós somos um país desigual, profundamente desigual, com uma indústria que não defendemos agora, temos um sistema educacional compreensivo, um sistema de saúde compreensivo, todos com defeitos, mas eles não são restritivos. Tem que defender isso. Se isso não se der, se o caminho for o da polarização política cega, podemos marchar para uma grande confrontação social. Isso interessa a quem? Temos corporação militar capaz de bancar um novo AI-5, com todas as questões aí envolvidas: direção da economia, intervenção na questão social? Não há como. A mortalidade e a violência podem servir como um momento particular, agônico, mas cessam logo e depois tem que governar, mas governar com quem e para quem? O caminho desse centro não é fácil, nem a sua construção, nem de um eventual governo de centro, caso isso se torne uma possibilidade. Inclusive, porque há uma central no mundo hoje que conspira contra o avanço democrático das sociedades contemporâneas. Essa central tem sede, lugar e nome: é o governo Donald Trump. Enquanto ele estiver lá, eles vão continuar com essa ação interventora sobre o mundo, mas isso tem limites. Está aí a China, a Rússia, a Europa.
Como se tira a China do caminho? Não tira. O que vai ser a China daqui a 30 ou 40 anos, se já é o que é agora? Temos que olhar para o mundo a partir deste ângulo, porque as coisas estão mudando na direção do favorecimento da democracia, da emergência das grandes multidões.