A polarização discursiva

A polarização discursiva

A polarização discursiva e a falta de um projeto de crescimento econômico e de inclusão social para o Brasil.

“Precisamos de uma alternativa diversa”. Algumas análises

Por: Patricia Fachin | 14 Novembro 2019

A decisão do Supremo Tribunal Federal – STF pelo fim da prisão após a condenação em segunda instância na última quinta-feira, 07-11-2019, tem um significado jurídico e outro político, diz Roberto Dutra Torres Junior à IHU On-Line. Juridicamente, afirma, “foi cumprida a Constituição, garantindo-se o direito de não prisão até o trânsito em julgado”. Politicamente, a “interpretação está num cenário de disputa política entre Lula, o PT e o governo, pela liderança que o Lula significa e pelas possibilidades que a volta dele à liberdade trazem”, pontua. O ex-presidente Lula estava preso desde o dia sete de abril de 2018, após ter sido condenado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela Operação Lava Jato.

Para analisar como a liberdade do ex-presidente pode reconfigurar o cenário político, a IHU On-Line conversou com os sociólogos Luiz Werneck Vianna e Roberto Dutra por telefone, e com Rudá Ricci pelo WhatsApp.

Para Werneck Vianna, a presença do ex-presidente Lula na cena política representa uma “oposição eloquente” ao “projeto Bolsonaro de mudança radical do país” e “certamente vai elevar a temperatura política”. Na avaliação dele, o embate entre petistas e bolsonaristas abre uma “oportunidade nova” para o centro político. “Não interessa ao país uma conflagração, especialmente uma conflagração que não tem maiores propósitos. A meu ver, nós temos que fugir da polarização, voltar às nossas tradições, defender a nossa Carta, defender os princípios fundantes do nosso país”, propõe. Crítico aos projetos petista e bolsonarista, Werneck frisa que “precisamos de uma alternativa diversa”. “Estamos diante de um quadro em que se torna necessário a intervenção de um personagem capaz de dialogar com as forças novas que surgiram no país e com a história do Brasil, que seja capaz de criar um projeto de crescimento econômico e de inclusão social”, argumenta.

Na opinião de Rudá Ricci, há apenas “dois cenários possíveis para o Brasil: o de retomada de um projeto de desenvolvimento social e econômico ou o de radicalização”. Segundo ele, ainda é difícil prever o que o PT fará daqui para frente, dado que “as últimas duas direções perderam completamente a capacidade de elaborar estratégias que alinhem o curto com o longo prazo”. O fato de o partido ter ficado dependente da figura do ex-presidente Lula, menciona, na prática, levou “à idolatria e à incapacidade de gerar novos quadros formuladores e com capacidade de direção política”. Apesar de o ex-presidente dar uma guinada à esquerda em seus primeiros discursos após deixar a prisão, Ricci aposta que “Lula procurará, pelas movimentações desses dias, retomar um campo de centro-esquerda, cujo limite, até agora, é Luciano Huck, com quem se encontrou há dois ou três dias. Na outra ponta, o PCO e PSOL”. Já à direita, pontua, as articulações são mais complicadas “porque o bolsonarismo é dado ao extremismo retórico, ao conflito permanente até mesmo com seus apoios táticos e à histeria. Portanto, dificilmente agregará o campo político comandado pelo Centrão”. Se esse cenário se consolidar, ressalta, “teremos um país dividido em três partes: esquerda/centro-esquerdacentro-direita e extrema-direita”.

polarização que observamos nas manifestações do último final de semana em atos contra e pró o ex-presidente Lula e à decisão do STF não é negativa, segundo Roberto Dutra. “Na minha visão, o maior problema da democracia brasileira é a ausência de uma polarização real e efetiva entre programas, partidos, lideranças e organizações partidárias capazes de representar no debate político essas posições programáticas”. Defensor da polarização como um ingrediente saudável para as democracias, Dutra avalia que a liberdade do ex-presidente Lula poderá favorecer tanto a esquerda quanto a direita, que irão se unir em torno dos polos mais potentes. Entretanto, adverte, a “polarização que está agora na figura do Lula e do Bolsonaro pode virar uma polarização puramente discursiva entre dois líderes carismáticos destituídos de programas reais sobre como mudar o país”. E acrescenta: “Bolsonaro de fato não tem esse programa, não representa nada, e o Guedes é como um projeto paralelo, mas o Lula também não representa nada de concreto. Lula representa uma ideia vaga de inclusão social. Mas é uma ideia que nunca deixa de ser vaga, enquanto ela não tiver um programa real de como o Brasil vai ficar mais rico e inclusivo ao mesmo tempo”. Ele diz ainda que maior desafio dos líderes da esquerda e da direita é conquistar a classe média. “Bolsonaro consegui ganhar a classe média nas eleições, ainda tem o apoio significativo de parte dela, mas a classe média não é coesa politicamente”, conclui.

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Roberto Dutra Torres Junior é doutor em Sociologia pela Humboldt Universität zu Berlin e mestre em Políticas Sociais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF. É professor da UENF e ex-diretor do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas – Ipea. É autor de, entre outros, Funktionale Differenzierung, soziale Ungleichheit und Exklusion (Konstanz: UVK Verlag, 2013), Os Batalhadores Brasileiros: nova Classe Média ou nova Classe Trabalhadora (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010), A Ralé Brasileira: quem é e como vive (Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009) e O diálogo dos clássicos: divisão do trabalho e modernidade na sociologia (Belo Horizonte: com arte, 2004).

Rudá Ricci é graduado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp e doutor em Ciências Sociais pela mesma instituição. É presidente do Instituto Cultiva, cujo programa Comunidades Educadoras que criou acaba de receber distinção da Unesco como programa educacional mais exitoso do Brasil, figurando entre 16 experiências exitosas do mundo. É autor de Terra de Ninguém (Ed. Unicamp, 1999), Dicionário da Gestão Democrática (Ed. Autêntica, 2007), Lulismo (Fundação Astrojildo Pereira/Contraponto, 2010), coautor de A Participação em São Paulo (Ed. Unesp, 2004), e Conservadorismo político em Minas Gerais: os oito anos de governo Aécio Neves (Editora Letramento, 2017), entre outros.

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador na Pontifícia Universidade Católica - PUC-Rio. Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo - USP, é autor de, entre outras obras, A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1997); A judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Rio de Janeiro: Revan, 1999); e Democracia e os três poderes no Brasil (Belo Horizonte: UFMG, 2002). Sobre seu pensamento, leia a obra Uma sociologia indignadaDiálogos com Luiz Werneck Vianna, organizada por Rubem Barboza Filho e Fernando Perlatto (Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2012). Destacamos também seu novo livro intitulado Diálogos gramscianos sobre o Brasil atual (FAP e Verbena Editora, 2018), que é composto de uma coletânea de entrevistas concedidas que analisam a conjuntura brasileira nos últimos anos, entre elas, algumas concedidas e publicadas na página do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como interpreta a nova decisão do STF de voltar atrás na decisão anterior sobre o fim de prisão após condenação em segunda instância? O que essa mudança significa?

Roberto Dutra Torres Junior – São duas coisas: uma interpretação jurídica e uma política. Na interpretação jurídica, qualquer pessoa intelectualmente decente sabe que foi cumprida a Constituição, garantindo-se o direito de não prisão até o trânsito em julgado. Só que essa interpretação está num cenário de disputa política entre Lula, o PT e o governo, pela liderança que o Lula significa e pelas possibilidades que a volta dele à liberdade trazem.

Roberto Dutra (Foto: João Vitor Santos | IHU)

A cláusula que foi decisiva para a decisão do STF é uma cláusula pétrea e não existe emenda constitucional para cláusula pétrea. Mais uma erosão derradeira da Constituição de 88 seria necessária para mudar o significado jurídico dessa decisão.

Rudá Ricci – Em primeiro lugar, que a vertente garantista (a que defende o amplo direito de defesa do acusado e a presunção de inocência antes de transitado em julgado) voltou a ser maioria no STF, isolando o que alguns denominam de ala “ativista” (aquela que sugere que o judiciário avance na normatização da ordem legal, superando supostas lacunas ou reinterpretando o corpo da lei, muitas vezes assumindo o papel que seria de outros poderes). Em segundo lugar, como o STF é muito sensível à estabilidade social e vota em virtude das ondas de tensão social, parece sinalizar que retornamos à certa normalidade nas regras de convívio, superando a histeria punitivista que assolou a sociedade brasileira a partir de 2015. Democracia tem regras, não é pautada pela irracionalidade ou pressão de grupos de interesse. E a regra maior é a Constituição Federal.

Rudá Ricci durante entrevista à IHU On-Line, em 2018, na Unisinos Porto Alegre 
(Foto: Ricardo Machado - IHU)

Luiz Werneck Vianna – Cumpriu-se a Constituição; vale o que está escrito. As hermenêuticas não podem alterar um texto constitucional e foi assim que o Supremo decidiu.




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