A professora que não tive
Ser a professora que não tive: A importância do combate ao racismo para as educadoras
Resumo: Cinco professoras negras compartilham como são afetadas pela experiência de construir uma Educação que combata o racismo, bem diferente da escola que elas próprias vivenciaram quando crianças.
Quando o assunto é o combate ao racismo nas escolas, a importância para todos os estudantes é evidente, seja na alegria de se verem devidamente representados, de celebrar as diversidades humanas e poder dizer de si mesmos e ser quem são. Em outra perspectiva, a de quem conduz esse trabalho, a Educação antirracista também traz reverberações significativas.
É de 2003 a lei 10.639, que instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afrobrasileira nas escolas, quando muitas das atuais professoras negras já não eram mais estudantes. No Ensino Superior, a Educação para as relações étnico-raciais também patina para ganhar seu devido espaço.
São as professoras que estão em sala hoje que transformam essa realidade. Uma atuação que não deve ficar sob responsabilidade única de professoras negras, mas deve ser compartilhada por toda a comunidade escolar, independentemente da raça, e a Secretaria de Educação, com as devidas condições de trabalho, materiais e de formação para tanto.
Mas é ali, diante de seus estudantes, que veem materializar uma Educação que elas próprias, quando crianças, tanto sonharam – e tinham direito. A seguir, professoras compartilham depoimentos sobre como atuar a partir da Educação para as relações étnico-raciais as afeta:
Sobre ver as mudanças acontecendo diante de si
Por Geisa das Neves Giraldez, professora da Educação Infantil na rede municipal do Rio de Janeiro (RJ).
“Queria ter sido escutada, lido outros livros e visto outras referências, coisas que tive no Movimento Negro Educador, mas não na escola. Hoje, ver a diversidade de livros, desenhos, tons de pele, as crianças de cabelo black, usando trança, podendo sonhar mais, é muito bonito. Ainda está longe do que a gente precisa, mas a mudança está acontecendo diante de nossos olhos.
Embora tenha tido professoras bem bacanas, senão, não seria professora, eu tento ser a professora que gostaria de ter tido. Mas essa também não é a que as crianças querem hoje. Por isso, sempre ouço cada uma delas para chegarmos juntas em um lugar comum, e isso só com escuta e troca”.
Descobrir-se negra atuando em sala de aula
Por Gabriela Moura, professora do Ensino Fundamental, na rede municipal de Diadema (SP).
“Eu sempre tive a pele escura, mas eu nunca fui negra. Comecei a ser preta depois do Dandara e Piatã [programa de Educação das relações étnico-raciais da Secretaria de Educação de Diadema] e vejo meus alunos passando por isso também, valorizando os traços estéticos e culturais. Tudo que aprendi aqui, com as colegas, me ajudou a me tornar negra.
E nessa profissão isso é importante, porque é uma questão de luta social. Não é só ensinar o aluno a ler e escrever. Ele precisa disso também, mas tem que entender a nossa construção social. Então essa experiência de ser professora amplia muito o meu conhecimento e a minha vivência”.
Diante da violência, a certeza do cuidado e da ação
Por Juliana Cipriano, professora do Ensino Fundamental na rede municipal de São Paulo (SP).
“Eu sofri racismo a minha vida inteira e todas as vezes foram pesadas, mas tiveram dois episódios que aconteceram em outras escolas em que atuei antes e foram especialmente arrasadores, a ponto de eu não conseguir trabalhar e chegar a cortar meu cabelo. Até que eu vim para cá [a EMEF Espaço de Bitita], e encontrei uma trajetória de combate ao racismo.
Isso não significa que aqui é um oásis, um lugar apartado da sociedade estruturada no racismo. Aqui, os problemas da sociedade também se reproduzem. A diferença é como nós lidamos quando isso acontece. Todo mundo se junta e ninguém deixa passar”.
Para que mais nenhuma criança sofra racismo
Por Elly Bayó, professora da Educação Infantil na rede municipal de Santo André (SP).
“Minha pesquisa de mestrado nasce de entender quanto a escola tira das pessoas negras o que elas são. Fui silenciada, subjugada e vi oportunidades minhas sendo retiradas. É uma sensação de mágoa por muitos anos perdidos não me aceitando, não me amando. É cruel o que a sociedade fez comigo e daí também a importância de ações afirmativas.
Hoje a minha intenção é fazer com que as crianças não precisem passar pelo que eu passei. É forte ver uma criança negra que cresce usando as palavras ancestralidade e sankofa. É um trabalho muito poderoso porque eu sei que vai ser poderoso para elas. Mas também para as crianças não negras, que vão poder construir sua identidade e a relação com outras pessoas e culturas de outra forma”.
Resgatar histórias, semear outros futuros
Por Patrícia Maria, professora do Ensino Fundamental na rede municipal de Diadema (SP).
“A gente ensina e aprende ao mesmo tempo. Como mulher preta, me sinto feliz de levar as nossas histórias para as crianças, porque elas foram roubadas de nós. Nesse processo, descubro um encantamento com a nossa história, que depois compartilho com as crianças, as famílias e outras professoras, para a gente tomar posse do que é nosso e criar novas histórias.
Tenho esperança de que isso vai reverberar muito longe, porque uma criança que olha para Dandara e Zumbi dos Palmares, que olha para nós, professoras, e se identifica, se orgulha, vai ser um adulto muito mais empoderado”.
*Na foto de Matheus Araújo, uma exposição de trabalhos da EMEF Dorcelina Gomes da Costa, no Rio de Janeiro (RJ), durante uma oficina de tranças realizada pelas estudantes da escola.
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