Abandono escolar maior jovens negros
Abandono escolar: jovens negros estudam 2 anos a menos do que brancos
Segundo números da PNAD da Educação, negros passam, em média, 8.6 anos na escola. Em contrapartida, os brancos passam 10.4 anos
Felipe França/ Prefeitura de Praia Grande
O abandono escolar é uma realidade no Brasil, sobretudo em ambientes socioeconômicos mais vulneráveis, como as periferias ou regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos. Segundo números da PNAD da Educação 2019, divulgado pelo IBGE em julho deste ano, negros passam, em média, 8.6 anos na escola. Em contrapartida, os brancos passam 10.4 anos.
Das 50 milhões de pessoas, de 14 a 29 anos do país, 20,2% não completaram alguma das etapas da educação básica, seja por terem abandonado a escola ou por nunca a terem frequentado. Desse total, 71,7% eram pretos ou pardos.
Essa imensa maioria de pessoas negras que precisam abandonar o sistema escolar precocemente reflete a situação precária que muitas famílias enfrentam. A necessidade de trabalhar desde cedo para complementar a renda é apontado como o principal motivo para a evasão escolar. Além disso, a falta de políticas públicas que incentivem o jovem carente a permanecer na escola também contribuem para aumentar ainda mais esse abismo social.
Em 2019, 3,6% das pessoas de 15 anos ou mais de cor branca eram analfabetas, percentual que sobe para 8,9% entre pretos ou pardos. No grupo etário de 60 anos ou mais, a taxa de analfabetismo dos brancos alcançou 9,5% e, entre as pessoas pretas ou pardas, chegou a 27,1%.
E não é apenas os grandes centros urbanos que sofrem com a precarização do ensino, o Nordeste do país apresentou números de evasão escolar e taxa de analfabetismo acima da média, que corroboraram ainda mais para demonstrar um racismo estrutural presente na sociedade.
No Nordeste, três em cada cinco adultos (60,1%) não completaram o ensino médio. Entre as pessoas de cor branca, 57,0% tinham concluído esse nível, enquanto essa proporção foi de 41,8% entre pretos ou pardos. A pesquisa mostrou ainda que a taxa de analfabetismo no Brasil está em 6,6%, o que corresponde a 11 milhões de pessoas, sendo que mais da metade (56,2%) vive na região Nordeste.
“A gente pode pensar a partir da sociedade que vive um racismo estrutural. O Brasil não garante a população negra que ela esteja inserida em espaços de qualidade, como é o caso da escola”, afirma Sheyla Alves, que é especialista em educação e trabalha na prefeitura de Recife com desenvolvimento infantil.
Ela ainda cita que dois pilares são fundamentais para a evasão escolar tão prematura de parte dos jovens negros: A falta de uma melhor distribuição de renda e o contexto da violência.
“As pessoas negras não conseguem permanecer na escola e isso está muito ligado a má distribuição de renda. A família, muitas vezes, não consegue custar aquele filho dentro da escola e aí precisa que ele também passe a contribuir com a renda familiar (...) O jovem também que está inserido em um contexto de violência é mais suscetível a se afastar do ambiente escolar e não consegue prosseguir”, completa a especialista.
Quase 10 a cada 100 negros com mais de 15 anos não sabem ler ou escrever
“O Brasil sempre foi um país de extremos, infelizmente no formato de uma grande pirâmide, onde negros e pardos são a base, mão de obra de pouco valor agregado ou trabalhadores informais”, afirma Samanta Lopes, especialista em educação e diversidade, que trabalha na agência 'um.a'.
O neurocientista da educação Sandro Caldeira concorda que, historicamente, o país sempre reforçou as diferenças entre brancos e negros e que isso ajudou a consolidar uma posição racista na sociedade atual.
“O Brasil, historicamente, consolida essa posição de superioridade branca através de uma violência estrutural originária do modo antigo de produção escravista que continua intensa até hoje, sob uma forma de violência cultural, que acaba legitimando e naturalizando a reprodução de uma sociedade racista e desigual”, acredita.
Políticas públicas efetivas
Os especialistas acreditam que uma maneira de diminuir essa evasão escolar prematura é dar condições para que os jovens e as famílias possam ser estruturalmente mais estáveis, por meio de mais acesso à renda e outros mecanismos de políticas públicas adequadas para o enfrentamento do problema.
“As políticas públicas devem ser focadas na distribuição de renda, que alcance a população negra, mas, sobretudo, ações que evidenciem a qualidade da educação pública. A gente ainda percebe muita vulnerabilidade na infraestrutura das escolas públicas”, afirma Sheyla Alves.
“Não há vida se não há renda. São regiões em que a renda e a educação precisam vir atreladas às necessidades locais, tem de ser pensadas leis de impacto global com ação local. É fundamental que nas escolas haja construção de conhecimentos financeiros, entendimento de cidadania porque ao entender seus direitos e deveres, a pessoa muda sua visão de presença individual na sociedade”, diz Samanta Lopes.
Ela também comenta que o acesso à tecnologia é um importante instrumento de combate à evasão escolar e que deve ser levado a sério. “É prioritário o acesso à inclusão pela tecnologia, a pandemia deixou isso à mostra. Quantos estudantes foram afastados da escola porque não temos acesso democrático a tecnologia? “, complementa.
Para Sandro Caldeira, uma forma de promover uma maior inclusão negra no ensino, e assim incentivar o jovem a continuar estudando, é alterar a estrutura curricular nas escolas.
“É importante que seja trabalhado, pedagogicamente, dados com relação a identidade negra para fomentar e fortalecer a autoestima desse aluno, que precisa ter essa identificação e, quando isso não acontece, a gente acaba tendo um aluno preto com baixa autoestima e ele pode acabar se sentindo não capaz de permanecer no estudo quanto o aluno branco, o que acaba fortalecendo essa evasão escolar”, comenta.
Ações populares
Alguns grupos sociais e ONG’s exercem um importante papel na tentativa de fornecer educação a jovens de baixa renda e que moram em regiões periféricas pelo Brasil.
Uma dessas iniciativas é a ‘Rede Emancipa’, um movimento social de educação popular que, desde 2007, constrói um trabalho voltado à educação de jovens de escolas públicas. Eles fornecem cursinhos gratuitos para os jovens ingressarem em uma universidade.
Luana dos Santos Alves faz parte da coordenação do Emancipa em SP e acredita que o racismo estrutural é um dos pontos chave para entender a desigualdade educacional no país.
“A gente sabe que as pessoas pretas estão na base da pirâmide da exploração capitalista, então o futuro é menos um lugar na vida e a escola representando o futuro tem menor papel (...) As pessoas de pele mais escura são mais desumanizadas, são mais vistas como bandidas, como burras, porque o nosso imaginário é racista”, avalia a coordenadora.
Apesar de reconhecer a importância das políticas públicas voltadas à educação, ela acredita que devem ser feita ações muito mais amplas, que contemplem todo um espectro dentro da sociedade.
“Para nós, políticas públicas de educação só funcionam se, de fato, tem um interesse em lutar pela juventude periférica, então tem que ter políticas de saúde, de lazer, trabalho, renda e cultura. Deve haver políticas públicas em geral, não só pela educação, e junto com a juventude, é fundamental”, afirma.
Sobre as altas taxas de analfabetismo entre a população negra, Luana comenta que é desumano.
“Esse dado não me surpreende, porque nós somos desumanizados e, obviamente, isso fortalece muito mais a desigualdade porque o fato de você não saber ler e escrever é desumanizante”, diz.
Fonte: undefined - iG @ https://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2020-08-29/abandono-escolar-jovens-negros-estudam-2-anos-a-menos-do-que-brancos.html