Agenda educacional engavetada
MEC, agenda educacional do país é engavetada
Denúncias de corrupção no MEC envolvendo o titular da pasta, Milton Ribeiro, podem comprometer andamento de projetos e o futuro de avaliações nacionais
O novo Enem, que entrará em vigor em 2024 com as mudanças promovidas no ensino médio, é uma das questões a serem resolvidas(foto: Nicácio Fotos/Divulgação)
Políticas públicas e o futuro de avaliações nacionais vão para a gaveta, com prazo indeterminado para a tomada de decisões mais que urgentes no país. Isso em função do mais recente escândalo no Ministério da Educação (MEC), desta vez com denúncias de corrupção envolvendo o ministro Milton Ribeiro.
As investigações para apurar se houve liberação irregular de verbas, favorecimento a pastores e o cai não cai do número um da hierarquia deixam a agenda educacional brasileira em segundo plano com graves consequências para estudantes, professores e para o desenvolvimento do país.
Para especialistas da área ouvidos pelo Estado de Minas, a toada da educação no país em 2022 está dada: interrupção de assuntos e medidas para educação básica e superior. Um dos temas que deve ficar para o ano que vem, mesmo se aprovado pelo Congresso, é a implementação do Sistema Nacional de Educação, cujo objetivo é fazer valer a Constituição ao determinar a cooperação e a colaboração em matéria educacional entre a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios. A questão deveria estar sob as rédeas do Executivo, mas tem sido guiada por iniciativa do Legislativo.
Aprovado no Senado no início de março, o Projeto de Lei Complementar 235/2019 foi para análise da Câmara dos Deputados.
“O debate da regulamentação do Sistema Nacional de Educação, pelo Congresso, já sofre com agendas de redução de recursos, como a falta de aprofundamento na regulamentação do custo aluno-qualidade, sobre o qual o MEC tem atuado para desconstrução”, afirma a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda.
Ela vai além: “Em 2022, poderá haver ainda aumento de processos de militarização de escolas, um dos carros-chefe deste governo, e novas tentativas de fazer passar o projeto de lei que autoriza a educação domiciliar, um tremendo retrocesso para a educação”.
Outro assunto urgente é o novo Enem, que entrará em vigor em 2024 para responder às exigências do novo ensino médio. Nos próximos dois anos, as mudanças na última etapa da educação básica farão parte do cotidiano de todas as escolas públicas e privadas do país. Apesar do parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE), nada ainda está definido.
Pedagogo e mestre em educação, Geraldo Junio dos Santos lembra que é longa a caminhada para construção de banco de questões, testagem e a matriz do novo Enem. “Daqui a dois anos e meio os estudantes serão cobrados em cima de uma matriz que ninguém conhece. Paralisar essas discussões é interromper o sistema educacional do ensino médio e também de outros segmentos e programas”, diz.
Para o diretor do Cenpec, Romualdo Portela de Oliveira, a incapacidade de gerenciar o pacto federativo ficou evidente durante a pandemia. “A toada até o fim do ano está dada, o problema é saber como será depois”, afirma.
“O governo tem mais desfeito que feito. Temos assistido ao desmonte de uma série de iniciativas em curso, em nada para substituir”, diz o representante do Cenpec, uma organização da sociedade civil que trabalha pela equidade e qualidade na educação básica pública do país. “Uma série de políticas foi descontinuada, o Plano Nacional de Educação (PNE) não está sendo cumprido e vários problemas tocam as universidades federais. Não se percebe uma política para o ensino superior, a não ser a guerra no processo de escolha dos reitores. A proposta educacional do governo é um livro em branco.”
Desconstrução
Andressa Pellanda faz coro às críticas: “No que diz respeito à transparência, o Inep deste governo é o que tem passado por casos consecutivos de instabilidade e desconstrução de políticas e de procedimentos que afrontam este princípio.
Sobre eficiência, há uma série de exemplos, mas talvez o mais absurdo e nítido deles foi a inação e a falta total de coordenação federativa no enfrentamento à crise de COVID-19 na educação”. Ela ressalta a explosão da exclusão durante a pandemia – a projeção é de mais de 5 milhões de crianças e adolescentes fora da escola.
“Boa parte desse problema foi por conta de políticas emergenciais inadequadas, falta de coordenação e inação do governo federal e, especialmente, falta de financiamento. A promulgação, pelo Congresso, da Emenda Constitucional 108, do novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), foi um grande avanço. Ainda assim, a Lei Orçamentária de 2022 foi aprovada com R$ 63 bilhões a menos do que seria necessário na área da educação”, diz a coordenadora-geral da campanha.
Quarto homem a chefiar o MEC desde 2019, o ministro Milton Ribeiro está sendo investigado por favorecimento a pastores(foto: Amanda Quintiliano/Esp. EM)
Aprofundamento da exclusão escolar
As marcas deixadas pela pandemia na educação brasileira se anunciam difíceis de serem apagadas no cenário traçado para este ano. A falta de recursos para garantir acesso, permanência, qualidade na educação, compondo um piso mínimo emergencial para enfrentamento de crise é considerado gravíssimo.
“De 2015 a 2022, segundo estudo da coalizão Direitos Valem Mais e da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação), houve 45% de redução no orçamento da educação. A ausência de investimento adequado antes e durante a pandemia levou a um cenário de aprofundamento da exclusão escolar, vivemos uma crise em uma crise”, relata.
Para a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, a matemática é simples: o primeiro passo para superarmos os desafios educacionais é aumentar o investimento em educação. “É o que mais é falado e é o que menos se faz, infelizmente. Sem ele, pode-se pensar em uma série de estratégias, mas não conseguiremos avançar o necessário para cumprirmos com elas”, ressalta.
“Política pública não pode usar recurso para partido ou ideologia A ou B. Verbas são destinadas a programas de fato reconhecidos por órgãos reguladores para que políticas sejam implementadas”, destaca o mestre em educação, Geraldo Junio. Segundo ele, o cenário ultrapassa discussões sobre o quê implementar. Toca direto no repasse de verbas.
“Demonstra a falta de transparência de nossas políticas públicas. Para onde estão indo os recursos? Continuaremos com o Brasil das desigualdades, com regiões com prestígio recebendo mais e outras sendo sacrificadas com desfalque de estrutura, de docentes e de investimentos? Política pública serve para não deixar o abismo mais profundo. Não o contrário.”
ESCÂNDALO
Milton Ribeiro é o quarto homem a chefiar o MEC desde 2019. A atual gestão é marcada ainda por um entra e sai de presidentes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Ano passado, a autarquia viu uma debandada de servidores que puseram à disposição seus cargos de confiança. Sem contar as contestações judiciais que puseram em xeque o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Em áudio divulgado por reportagem do jornal Folha de S. Paulo, Ribeiro afirma que acatava suposto pedido do presidente Jair Bolsonaro para beneficiar com verbas da educação municípios onde atuam pastores de igreja evangélica comandadas por aliados de Bolsonaro. Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, da Igreja Assembleia de Deus, são suspeitos de tráfego de influência para liberar dinheiro público mediante pagamento de propina e de serem lideranças de um “gabinete paralelo” existente no MEC.
“É esperado de um cargo como o de ministro da Educação o cumprimento de uma série de princípios, entre eles aqueles da gestão pública, conforme expresso no artigo 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, dispara a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda.
“É possível analisar a gestão dos diversos ministros da educação deste governo sob essas óticas. Houve falas de todos os ministros em tons preconceituosos, que se mostraram homofóbicas e preconceituosas contra pessoas com deficiência, por exemplo, que podem ser consideradas violações aos artigos 3º e 5º da Constituição.”
Polêmicas que marcaram o MEC
- Março de 2022 – Em áudio, o ministro Milton Ribeiro afirma acatar suposto pedido do presidente Jair Bolsonaro para beneficiar com verbas da educação municípios onde atuam pastores de igrejas evangélicas comandadas por aliados de Bolsonaro.
- Fevereiro de 2022 – Inep retém os microdados do Censo Escolar 2021, sob justificativa da Lei Geral de Proteção de Dados, e apagou informações dos Censos anteriores.
- 2021 – Arthur Weintraub, irmão do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, é investigado por supostamente integrar o “gabinete paralelo” do governo.
- Janeiro de 2020 – a Comissão de Ética da Presidência da República conclui que o então ministro, Weintraub, desrespeitou o decoro do cargo, tendo infringido o artigo terceiro do Código de Conduta da Alta Administração Federal, segundo o qual autoridades públicas devem se pautar por padrões da ética, e lhe aplicou uma sanção de advertência.
- Junho de 2019 – o então ministro Abraham Weintraub compara nas redes sociais os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff com substâncias entorpecentes.
FONTE: Campanha Nacional pelo Direito à Educação
Escândalo do MEC: Gestão Bolsonaro ignora princípios da gestão pública