Agricultura familiar na escola
Agricultura familiar corre risco de sumir do cardápio das escolas. Participe da consulta pública!
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que prevê obrigatoriedade de compra de 30% de itens da agricultura familiar, corre risco de perder a cota obrigatória deste tipo de alimento na alimentação escolar. O Projeto de Lei (PL) 5695/2019, de autoria do senador Izalci Lucas (PSDB/DF), segue tramitando no Senado, e propõe a substituição da redação do artigo 14 da Lei 11.497/2014 (PNAE), que estabelece este percentual.
Originalmente, a lei de 2009 diz neste artigo: “Do total dos recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no âmbito do PNAE, no mínimo 30% deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se assentamentos da reforma agrária, as comunidades indígenas e comunidades quilombolas“.
Na nova redação proposta, o percentual mínimo obrigatório (veja texto a seguir) é suprimido: “Cada ente subnacional (estado ou município) poderá estabelecer, por meio de lei, percentual mínimo de recursos a serem utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”.
Ao estabelecer um mínimo obrigatório de compra de itens da agricultura familiar para a alimentação escolar, em 2009 o governo federal estabeleceu uma política de incentivo a esta produção, ao mesmo tempo em que contribui para promover alimentação mais saudável para os estudantes. Muitos dos grupos produtivos citados na legislação praticam a economia solidária em suas relações.
Segundo o Censo Agropecuário 2017, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em onze anos a agricultura familiar perdeu 2,2 milhões de postos de trabalho, mas ainda assim tem participação importante na produção de alimentos e representa 67% da mão de obra dos estabelecimentos agropecuários. Em relação aos alimentos que chegam à nossa mesa, a agricultura familiar tem participação significativa: 48% do valor da produção de café e banana, 69% do abacaxi e 42% da produção de feijão, por exemplo.
Vanderley Ziger, presidente da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária, aponta que “A agricultura familiar do Brasil é a oitava maior produtora de alimentos do mundo e é a grande responsável por colocar comida na mesa das famílias brasileiras. Além disso, movimenta a economia de 90% dos municípios com até 20 mil habitantes. Isso sem falar na produção de comida sem veneno. Se não tivermos políticas eficazes, que garantam o crescimento da agricultura familiar no Brasil em médio e longo prazo, o país e a população brasileira podem sofrer consequências graves, como a queda na qualidade da alimentação, ou mesmo ter de importar alimentos do dia a dia com um custo maior do que os produzidos internamente pela agricultura familiar”.
A importância de incentivar a produção familiar
Que a produção agrícola familiar é importante e representa boa parte do que chega às mesas dos brasileiros, já sabemos. Acompanhando, por exemplo, o dia a dia de uma cooperativa, ou mesmo de assentamentos da reforma agrária, é possível perceber a diversidade de itens produzidos, que muitas vezes precisam de incentivos e políticas públicas para serem comercializados. A importância desses 30% do PNAE está aí, na garantia de venda dos itens cultivados por essas comunidades.
Desse modo, o Programa pode ser visto como uma espécie de mecanismo que proporciona o desenvolvimento da agricultura familiar e aquece a economia local, com capacidade para agir contra a baixa qualidade nutricional da alimentação escolar ao garantir uma alimentação saudável e equilibrada para crianças e adolescentes em todo o Brasil.
O PNAE não é o único instrumento possível e desejável para incentivar a agricultura familiar, mas é bastante importante nesse aspecto. A redução do percentual de 30% representa um retrocesso e um desincentivo. Claro que o fornecimento para a rede escolar precisa ser cada vez mais aprimorado em seus aspectos de oferta e demanda e também em burocracias. Mas isso deve ser um processo evolutivo e contínuo. Na prática, ao propor suprimir o percentual mínimo na legislação federal e transferir a responsabilidade de estabelece-lo aos municípios e estados, abre-se a possibilidade para que o cardápio alimentar escolar tenha um percentual muito menor de itens saudáveis e de reduzir mercado para esses agricultores.
Deixo aqui o convite para pressionarmos os parlamentares contra mais esse retrocesso. O site do Senado permite que as pessoas opinem sobre esta matéria. Importante mostrarmos apoio aos agricultores familiares e seguirmos atentos às movimentações no Congresso.
Para saber mais, consulte o site do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Fonte: Unicopas
Foto: Wokanpix/Pixabay
Jornalista e mestre em Antropologia. Coordenou a Comunicação da Secretaria do Verde da Prefeitura de São Paulo – quando criou as campanhas ‘Eu Não Sou de Plástico’ e, em parceria com a SVB, a ‘Segunda Sem Carne’. Colabora com a revista Página 22, da FGV-SP e com a Plataforma Parceiros Pela Amazônia, e atua nas áreas de meio ambiente, investimento social privado, economia solidária e negócios de impacto, linkando projetos e pessoas na comunicação para um mundo melhor