Alerta ao Decreto Alfabetização
Lacunas da Política Nacional de Alfabetização fazem especialistas acenderem 'luz amarela' de alerta
Decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro nesta quinta (11) dá prioridade ao método fônico, mas especialistas avaliam que realidades diferentes exigem abordagens diversas.
Por Elida Oliveira e Gessyca Rocha, G1
MEC prioriza método fônico e alfabetização aos 6 anos — Foto: Reprodução/Bom Dia Brasil
A Política Nacional de Alfabetização, assinada na quinta-feira (11) pelo presidente Jair Bolsonaro, defende a "priorização" da alfabetização das crianças já no primeiro ano do ensino fundamental e a utilização de conceitos do método fônico.
Esses dois pontos são novidades recebidas com cautela por especialistas ouvidos pelo G1. Os principais pontos da análise incluem:
- Ter uma política nacional de alfabetização é positivo, pois define um norte para a educação;
- Porém, o decreto não define como a política será implementada;
- Defender conceitos que remetem ao método fônico pode trazer uma padronização do ensino;
- Padronizar o método limita as possibilidades de ensinar e de aprender
- O decreto não considera que diferentes realidades exigem abordagens diversas
Confira, abaixo, o que cada um dos especialistas ouvidos pelo G1destacou:
Proposta x conteúdo
A gerente-executiva de Educação do Instituto Ayrton Senna Inês Kisil Miskalo considera importante ter uma política nacional de alfabetização, mas a implementação vai exigir atenção de todos os envolvidos.
"A proposta é ótima, mas quando a gente começa a entrar no que está colocado lá, a gente começa a ver a luz amarela acendendo" - Inês Kisil Miskalo, gerente-executiva de Educação do Instituto Ayrton Senna
"O fato de termos um decreto que prioriza a alfabetização é importante, é um norte que o país precisa. Mas como ele vai ser implementado é onde vamos prestar atenção", diz.
Inês destaca a diversidade do país e a diferença cultural de cada região.
Para ela, colocar a alfabetização como prioridade no 1º ano do fundamental pode antecipar um desenvolvimento que poderia ocorrer até 3º ano, de acordo com a meta 5 do Plano Nacional de Educação (PNE). "O problema é ter um conceito de alfabetização vindo por decreto", diz.
"A gente precisa pensar que alfabetizar no primeiro ano não significa ter uma alfabetização plena. Você precisa continuar no segundo e terceiro ano", analisa.
"Seria mais efetivo falar da formação do professor: como se processa a aprendizagem, como ocorre a leitura. Isso está dentro da neurociência. É importante o professor entender este processo", diz.
Para ela, o importante seria focar na abertura do conhecimento e na descrição das vantagens de um e outro método, para usá-los combinados.
"Pensar política pública é pensar macro. Ele [o MEC] vai ter que explicar o decreto. Temos outras políticas mais profundas e amplas, como o Fundeb, a execução da Base [Nacional Comum Curricular]. Será que vamos remodelar tudo e começar do zero?", questiona.
MEC pode repetir erros
Assim como Inês, o diretor de políticas educacionais do Todos, Olavo Nogueira Filho, concorda que a prioridade de alfabetização até os 6 anos é positiva, mas segundo ele, há lacunas no decreto que precisam ser preenchidas.
“O documento não aponta suficiente qual o caminho que as instituições devem seguir. Não diz se a implementação do método de ensino será centralizada ou descentralizada” - Olavo Nogueira Filho, Todos Pela Educação
Segundo ele, este elemento é importante para direcionar o caminho que as instituições devem seguir. “A implementação desse método que vai dizer qual será o papel do MEC na execução de ações. Se for centralizador, o MEC vai repetir os erros de gestões anteriores”.
Em relação ao método fônico, Olavo destaca que priorizar este elemento na aprendizagem pode não trazer resultados satisfatórios em alfabetização.
"Há pesquisas que mostram que o método fônico não é a variável chave [para alfabetizar] e ao considerar isso, não é o papel do MEC induzir um tipo de método especifico, independentemente do método'", finaliza Olavo.
Professores no foco
Em nota, o Consed reforça que defende a liberdade do professor na escolha da metodologia mais adequada à alfabetização de seus alunos, mas é necessário que o decreto tenha um detalhamento aos secretários estaduais.
"Para que as redes possam começar a pensar nessa implementação, minimamente o ministério precisar informar que programas farão parte dessa política, que recursos estarão disponíveis, entre outros pontos não explicados pelo decreto".
Surpresa e falta de diálogo
A União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) disse ter sido surpreendida pelo teor do documento.
"A Undime foi surpreendida com o texto do Decreto que institui a Política Nacional de Alfabetização, pois foi convidada a apresentar contribuições a outro documento, em reunião realizada na última segunda-feira (8). O texto publicado, além de ser diferente em vários pontos, não traz as sugestões apresentadas tanto pela Undime quanto por outras instituições que estavam presentes. "
O órgão espera os desdobramentos da decisão. "Não há como ter uma opinião formada sobre a implementação da Política Nacional de Alfabetização, pois a Undime não conhece o conjunto de ações e estratégias que serão desenvolvidas. Precisamos primeiro conhecer o teor para então pensar em como colocar em prática."