Aluno da rede pública têm déficits de aprendizado
Por que alunos da rede pública têm déficits de aprendizado
Vinícius De Andrade ColunaVozes da Educação 19 de agosto de 2021
De forma geral, estudantes perdem o ânimo ao longo da vida escolar. Sem incentivo ou suporte, tornam-se passivos no processo de aprendizagem, só copiando e colando e sem entender os conteúdos.
Foto: DW/N. Pontes "Muitos alunos têm vergonha ou não se sentem encorajados a tirar dúvidas com o professor"
Muitos estudantes da rede pública terminam o ensino médio sem alguns conhecimentos necessários. O déficit vai da matemática básica, de não dominar o simples multiplicar e dividir, à dificuldade com interpretação textual. Por que isso acontece? Em qual fase da vida escolar aquele jovem que, em seus anos iniciais, ia com prazer à escola e chegava animado em casa para compartilhar com os pais que tinha aprendido a ler simplesmente perde o prazer de aprender ou não consegue mais acompanhar o aprendizado?
De forma geral, não é possível apontar um ano específico em que as dificuldades começam, mas sim uma fase escolar: o ensino fundamental 2 (correspondente ao período do 6° ao 9° ano). Nesse período, pela primeira vez, passam a ter contato com mais de um professor, o que muda a relação que tinham anteriormente com a aprendizagem. Além disso, há uma maior quantidade de textos, leituras, números, teorias, e tudo isso em um ritmo não conhecido por eles até então. Ao mesmo tempo, muitos desses jovens ainda possuem certa infantilidade, que limita a concentração necessária para acompanhar o novo modelo. Antes, chamavam a professora de "tia" e, agora, têm mais de um professor e não podem chamar nenhum deles assim.
Vergonha e falta de incentivo
Mesmo nesse cenário, muitos ainda chegam a essa fase com a mesma vontade de aprender, ou pelo menos uma parte dela, das fases anteriores. Para isso, necessitam do suporte e didática dos professores, mas, assim como Marina, estudante de Goiás, nem sempre encontram esse apoio.
"No 6° ano do fundamental, sempre tive dificuldade em matemática, mas depois desse ano piorou significadamente minha dificuldade. Quando o professor de matemática mandava resolver contas no quadro, eu sempre errava e ficava com muita vergonha por errar porque ficavam rindo. E o professor me dizia que eu tinha que melhorar, mas eu nunca sabia como, e ele não ajudava. Acabei que não fiquei muito nessa escola", conta.
Muitos têm vergonha ou não se sentem encorajados a tirar dúvidas com o professor. O efeito é que aquele estudante que um dia já foi curioso e animado para aprender vai, pouco a pouco, se tornando passivo no processo de aprendizagem. Só copia e cola, estuda para a prova e poucos dias depois nem sabe mais o conteúdo.
Simbólica transição para o médio
A transição para o ensino médio é muito simbólica. É uma nova fase e a última antes do fim de toda a jornada escolar. Esse ar de nova fase tem um efeito positivo no ânimo de alguns alunos em relação ao aprendizado. Em contrapartida, há uma certa cultura de subestimar o ensino fundamental e acreditar que ele não teria efeitos no médio, mas, na prática, a história é outra.
Logo nas primeiras aulas do ensino médio, percebem que é esperado deles conhecimentos dos anos anteriores. No entanto, a grande maioria tem déficits desses anos. Assim, torna-se quase impossível acompanharem algumas disciplinas, em alguns casos todas, e , novamente, necessitam do apoio dos professores.
Foi no ensino médio que Marina começou a realmente aprender matemática e foi graças a ajuda de um professor. Gabrielly, estudante de São Paulo, tinha muita dificuldade em história e, no médio, também por intermédio de uma professora, passou a amar a disciplina. Outros alunos não são tão sortudos e quando vão tirar dúvidas, algumas vezes, escutam o bom e velho "você já deveria saber isso". Não se sentem acolhidos pelo professor e, assim, param de acompanhar aquela disciplina e simplesmente desistem dela.
Falta de esperança
Esse, de uma forma quase padronizada, salvo exceções, é o processo de jornada de um estudante pela rede pública brasileira. Chega animado aos anos iniciais, mas, com o passar do tempo, não encontra incentivos ou suporte para continuar assim. Logo se torna passivo no processo de aprendizagem, só copia e cola. Já não entende mais os conteúdos
. Até pode tentar "começar de novo", mas possivelmente não encontrará ajuda dos professores para isso, ou porque não querem ou, pior ainda, não podem, pois têm mais de 30 alunos em cada sala de aula e fazer atendimentos personalizados beira o impossível. Assim, o aluno desiste, pois a dificuldade e a falta de esperança superam qualquer faísca de ânimo que ainda exista.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
Vinícius De Andrade Fundador do programa Salvaguarda
Abismo entre ensino público e privado ofusca talentos
Beatriz Gabrielly Sá Brasil ColunaVozes da Educação
Se todas as escolas oferecessem a mesma capacitação para seus alunos se destacarem em olimpíadas de conhecimento, então nós, estudantes da rede pública, dividiríamos o pódio com os de escolas particulares.
Beatriz Gabrielly Sá Brasil tem 17 anos e vive em Tufilândia, no Maranhão Foto: privat
Ter participado da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) foi, sem sombra de dúvida, a melhor escolha que fiz em toda minha vida acadêmica. Com ela, aprendi a desenvolver mais rápido o raciocínio, já que a lógica é constantemente trabalhada nas questões e o ritmo de estudo é mais intenso, e comecei a não ter tanta dificuldade no aprendizado de outras disciplinas que também precisam de cálculo.
Embora a OBMEP seja destinada a estudantes de escola pública, só fiquei sabendo de sua existência por meio de um canal no YouTube na época em que precisei fazer reforço de matemática: três irmãos colecionavam diversas medalhas, sendo todos de escola pública. Foi por causa deles que comecei a me empenhar na matéria, pensando nas conquistas que eu também poderia ter, pois lembro de ter ficado maravilhada com a quantidade de premiações e benefícios que os três ganharam.
Por entender o que a OBMEP poderia me proporcionar, não hesitei em participar. No entanto, quando fiz a prova pela primeira vez em 2019, não saí da primeira questão. Isso serviu de combustível para que eu me dedicasse ainda mais em casa. Todo meu esforço resultou em uma feliz vitória no ano passado: fui a única premiada no meu colégio, com menção honrosa.
Conto isso porque foi por conta própria e mérito meu que consegui essa conquista. Eu, aluna do último ano em uma escola pública na zona rural do Maranhão, não recebi apoio nem informação por parte da instituição em que estudo a respeito da OBMEP – que, aliás, é a única olimpíada oferecida na minha escola.
Se não fosse a internet eu nunca teria tido uma experiência como aquela, porque o ensino público não motiva e não explica para que a olimpíada serve. Quando avisam sobre a prova, normalmente já está bem em cima da hora para estudar, sem contar com o fato de não haver o alicerce necessário para ensinarem a matemática básica.
Dessa forma, percebi que invejo muito os estudantes de escolas particulares que recebem todo o apoio e repertório para se destacarem, não só em provas olímpicas nacionais, mas nas internacionais também. Diante desse abismo enorme que se forma entre esses estudantes e nós, da rede pública, faço uma reflexão: se todas as escolas oferecessem as mesmas capacitações, talvez nós dividíssemos o pódio com eles.
Neste ano, decidi participar outra vez. No entanto, a desvalorização da olimpíada e o subsequente desinteresse dos estudantes se fizeram presentes mais uma vez e acabaram por me prejudicar de uma forma que eu nem poderia imaginar. Durante a realização da prova da primeira fase, minha turma não colaborava com o silêncio e nem se importava em "colar" as respostas dos outros, ou seja, o professor não tinha qualquer controle sobre a sala.
Quando finalmente consegui me concentrar, meu docente disse para eu acelerar com a resolução das questões, pois, segundo ele, o tempo já estava acabando. Consequentemente, entreguei a prova quase toda feita no chute, ciente de que realmente não iria passar.
Depois soube que ainda restavam 50 minutos para encerrar o tempo da prova, o que me deixou mais revoltada. Eu não tinha condição de impor que ficaria até o final, pois não possuía um relógio e, de acordo com as normas da olimpíada, aparelhos eletrônicos não são permitidos na sala durante o exame.
Diante dos acontecimentos, fiquei tão triste com a realidade. Foram horas de esforço deixadas de lado, pelo simples fato de uma atividade acadêmica tão importante não ser valorizada como deveria. Sei que o desinteresse não é culpa dos estudantes. A maioria dos alunos do Ensino Médio sente falta da matemática básica, e, quando eles se saem mal, acham que são burros e que essa matéria não é para eles. Mas isso só é consequência do aprendizado superficial que receberam no Ensino Fundamental.
Quando se fala em Olimpíadas de Matemática, o assunto se torna mais indesejado ainda. Mas gostaria que todos soubessem que não é perda de tempo: é sobre poder elevar o conhecimento a outro patamar e ter novas perspectivas.
Tudo o que eu disse mostra mais uma das diversas maneiras que a escassez de informação, recursos e investimentos nas escolas públicas, sobretudo nas zonas rurais, ofuscam não só a mim, mas a diversos outros estudantes que tiveram uma experiência parecida: querem voar alto, mas foram impedidos pela falta de responsabilidade com o futuro daqueles que ainda tentam.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1
A autora deste texto é Beatriz Gabrielly Sá Brasil, de 17 anos, que vive em Tufilândia, no Maranhão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.
https://www.dw.com/pt-br/abismo-entre-ensino-p%C3%BAblico-e-privado-ofusca-talentos/a-62712173