Alunos com internet precária
Sem internet em casa, família constrói tenda no meio da lavoura para filho assistir a aulas online
Distrito no interior de Estrela Velha, na Região Central, sofre com internet precária, e há casos de alunos que precisam escalar árvores para encontrar sinal, segundo a diretora da escola
24/08/2020
Alan, 11 anos, na tenda montada pelos pais em meio à lavoura
Giovana Dalcin / Arquivo Pessoal
No interior de Estrela Velha, pequeno município da Região Central com 3.655 habitantes, segundo dados do IBGE, parte dos alunos da rede pública não consegue assistir às aulas remotas em casa. Com internet precária, especialmente na área rural, o primeiro desafio é encontrar a velocidade mínima para realizar o download das tarefas enviadas pelos professores por meio da ferramenta Google Classroom
A criatividade de um casal, preocupado com a educação do filho, reduziu a distância entre o aluno e os deveres. Com sinal mais potente na lavoura de soja, os agricultores Odilésio Somavilla, 54 anos, e Dejanira Somavilla, 35, adaptaram uma sala de aula particular para o filho em meio ao plantio.
— O sinal lá é bom, e assim ele não pega frio nem chuva. A lavoura é um trabalho muito duro, e a gente quer que ele siga adiante. Eu não tive estudo, e hoje me faz falta — afirma Dejanira.
Com galhos de árvores pregados do solo ao teto, e uma lona estendida sobre as toras, Alan Somavilla, 11 anos, copia o conteúdo no caderno. No chão, uma espécie de colcha cobre a terra.
Uma classe e uma cadeira foram emprestadas pela direção da escola e posicionadas no meio da estrutura. Na ponta da mesa, um suporte de madeira apoia o smartphone, comprado exclusivamente para as atividades curriculares.
Alan cursa o sexto ano na Escola Estadual de Ensino Fundamental (EEEF) Itaúba, no distrito que tem o mesmo nome da instituição. O menino nega ser bagunceiro e ressalta nunca ter repetido qualquer série. Por telefone — ligação que só pôde ser completada após o estudante sair do quarto de casa e ir até a cabana —, ele diz que quer ser advogado. E elogia a iniciativa dos pais.
— Tenho orgulho de eles terem feito isso pra mim. Eu consigo acompanhar tudo, estou conseguindo aprender mesmo. De tarde fica um pouco quente lá dentro, mas se chove não molha nada, e eu fico lá. É bem legal — conta.
A barraca foi montada em julho, após os pais terem observado o filho tentando captar o melhor ponto para acompanhar as aulas. A residência da família, no topo da propriedade, fica a poucos metros da tenda, localizada logo abaixo.
— É só elogio que a gente ganha depois de fazer isso. Parabéns e parabéns. Nos deixa muito emocionados — complementa a mãe.
Com fala simples e sotaque carregado, o pai para ao lado da barraca e explica a intenção de proteger o menino das intempéries do clima. Ele lembra da busca por pedaços de madeira e diz fazer o máximo para não deixar o garoto desassistido.
— A gente ajuda como pode — explica Odilésio.
De acordo com a diretora da EEEF Itaúba, Giovana Carvalho Dalcin, 46 anos, os problemas com a internet são recorrentes entre as turmas.
— Tem aluno que escala árvore, outro que sobe o morro, ou que pega wifi emprestado do vizinho. Na escola em si, pega, mas sai um pouco para o interior e já não tem — diz.
Há 27 anos na instituição, Giovana foi aluna, professora — inclusive de Alan — e hoje comanda os 117 matriculados das turmas de primeiro a nono ano. Ela vê na atitude dos agricultores um exemplo que vai moldar o caráter do estudante.
— Esses pais poderiam dizer que não têm internet e que ele não poderia acompanhar. Mas foram atrás e criaram isso pra ele. Certamente será um guerreiro na vida — espera a docente.
Na mesa, o smarphone comprado para as atividades curriculares
Giovana Dalcin / Arquivo Pessoal