Anistia de multas com a Justiça Eleitoral
Visão do Correio: Anistia de multas confirma supremacismo racial
A decisão aprovada no apagar das luzes da Câmara, às vésperas do recesso, caso seja confirmada pelo Senado, será um desserviço do Congresso à democracia brasileira
49 dos 81 parlamentares, em duas votações - (crédito: Mario Agra / Câmara dos Deputados)
A baixa representatividade de negros na política brasileira é um problema para toda a população e impede um desenvolvimento social necessário a todos, ainda mais porque pretos e pardos sempre foram a maioria da população. As políticas de branqueamento e higienistas das cidades, que pautaram o Segundo Império e a República Velha, resultaram na sobrevivência do racismo estrutural e no supremacismo branco das elites brasileiras após a abolição da escravidão, em 1888.
Esse supremacismo — a crença de que um determinado grupo de pessoas é superior aos outros — é insidioso e sub-reptício, emerge quando menos se espera no cotidiano da população e nas estruturas constituídas de poder político. Foi o que aconteceu na anistia às multas impostas aos partidos políticos por não cumprirem as cotas destinadas ao financiamento das candidaturas de mulheres e o respeito à proporcionalidade de negros autodeclarados (pretos e pardos) no registro de chapas, para efeito da distribuição do fundo eleitoral.
A decisão aprovada no apagar das luzes da Câmara, às vésperas do recesso, caso seja confirmada pelo Senado, será um desserviço do Congresso à democracia brasileira. Ela cria uma situação de apartheid eleitoral, porque os negros terão direito apenas a 30% do fundo eleitoral, não importa o número de candidatos, mesmo que a população negra seja amplamente majoritária no seu domicílio eleitoral. Serão candidatos de segunda classe.
Apesar de todos os problemas em relação ao cumprimento da legislação eleitoral — daí o estoque de multas aplicadas aos partidos pela Justiça Eleitoral e a decisão dos partidos de não pagarem as punições decorrentes dessa irregularidade —, a obrigatoriedade do respeito à proporcionalidade no financiamento dos candidatos negros, tanto quanto a cota das mulheres, apresenta resultados positivos que deveriam ser tratados como acertos políticos. Não são supostas "decisões inaplicáveis" da Justiça Eleitoral, como concluíram as excelências.
Em 2022, de um total de 513 vagas para deputado federal no Congresso Nacional, foram eleitos 135 pretos e pardos. Inédito, por exemplo, foi o aumento significativo de mulheres negras eleitas para a Câmara dos Deputados, que passou de 13 para 29; o número de homens pretos ou pardos recuou de 111 para 106 no mesmo período. Mesmo assim, ainda é pouco. Uma das causas é a dificuldade de acessar os recursos do financiamento público para as campanhas eleitorais e, consequentemente, de ser eleito.
A constatação de que, entre os candidatos competitivos, os homens negros receberam apenas 16% dos recursos de todos os tipos de doação de campanha, mesmo representando 21% dos candidatos a deputado federal, aponta para a confirmação de desigualdades estruturais. Esse é um problema que não faz distinção ideológica, é racial mesmo.
Segundo o TSE, nas eleições de 2022, a direita elegeu mais do que o dobro da esquerda, apesar do discurso identitário de seus partidos: 77 a 31. Venceu de goleada no número de eleitos autodeclarados pretos ou pardos em relação à esquerda. O placar foi de 77 a 31.
Em parte, o fenômeno se deve à ascensão do pensamento conservador nas famílias brasileiras e à presença significativa de negros nas igrejas pentecostais, que se envolveram diretamente na política. O problema é que a direita nega a existência do racismo estrutural, que se manifesta por meio de estigmas, discriminações e violências. E o resultado é o "apagão" das lideranças negras no Congresso.
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