Ano letivo perdido?
Ano letivo perdido? Não é bem assim: confira propostas que ainda podem transformar o 2020 da educação
Diante dos desafios impostos pela pandemia, educadores conseguiram superar obstáculos e expõem iniciativas para amenizar os problemas e reflexões que o período proporcionou
A ideia de que este foi um ano letivo que se perdeu, especialmente nas escolas de educação básica da rede pública, parece ter se entranhado no imaginário de pais, alunos e até professores, cientes de que os desafios impostos pela pandemia têm cobrado um preço caro dos estudantes, sobretudo os mais carentes. Enquanto escolas particulares, com maior acesso à tecnologia e capacidade de adaptação, apesar de também passarem por percalços, buscaram superar os obstáculos do ensino remoto ainda no primeiro semestre, ainda há jovens de escolas municipais e estaduais que não se viram em condições de manter o aprendizado desejado.
Faltaram equipamentos, acesso à internet, adaptação adequada do espaço em casa, familiaridade com a tecnologia. Mesmo os anúncios de retorno ao ensino presencial para quem optasse por essa mobilidade, em locais capazes de seguir os protocolos sanitários, não fizeram muita diferença: a realidade, na educação pública, é de prejuízos difíceis de superar em um ano profundamente desafiador.
Mas seria 2020, inevitavelmente, um “ano perdido” para alunos da rede pública?
Edí Fassini, diretora de Educação a Distância da Univates, soma sua voz à de muitos educadores que defendem que não, 2020 não pode ser considerado perdido. Houve dificuldades, e muitas, mas houve também aprendizados, que podem se revelar importantes e duradouros para impulsionar o ensino no Brasil.
– Este ano de 2020 ficará na memória de todas as pessoas como um ano de medo, de buscas, de inovações, de experiências absurdamente difíceis de serem descritas. Mas jamais um ano perdido na educação – afirma Edí, que também foi gestora de escolas e de rede pública municipal por 32 anos.
Ela destaca que, para gestores e professores que, apesar dos receios, reagiram e buscaram outras formas de aprender e ensinar, ela destaca que 2020 terá um saldo diferente do planejamento prévio, mas será um ano de muita riqueza de aprendizagens.
– Um ano disruptivo de crenças, de metodologias, de prioridades. De muito desequilíbrio, mas de muitas novas experiências – avalia a professora.
Recapitulando os desafios deste ano letivo tão atípico, a pesquisadora Maira Mariano, doutora em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), resume o cenário de incertezas, despreparo e falta de incentivos enfrentado por estudantes e educadores da rede pública de ensino básico:
– Na prática, o que se viu foram professores sem preparo para lidar com as ferramentas digitais, alunos e docentes sem equipamentos como notebook ou celular, acesso à internet banda larga ou mesmo a pacote de dados insuficiente para o acompanhamento das aulas, quadro decorrente da desigualdade social. Naquelas em que foi possível contar com esses recursos, os educadores buscaram alternativas para poder cumprir o planejamento letivo – destaca Maira.
Já dei aula pelo Instagram, pelo Facebook, testei todo tipo de site. Isso porque há alunos meus que não têm acesso liberado à internet, mas as mães têm pacote ilimitado em certas redes sociais. Então lá fui eu.
Para muitos docentes, que não mediram esforços para se fazer presentes na formação dos alunos mesmo durante o início de um ano tão desafiador para todos, essas alternativas incluíram chegar aos jovens onde quer que eles estivessem.
A professora Janaína Barcellos, que leciona na rede municipal de Alvorada, começou criando um grupo de WhatsApp para cada uma de suas turmas, ainda em abril. Como descobriu que nem todos os alunos conseguiam participar, logo se viu também promovendo a troca de conteúdo em outras plataformas.
– Já dei aula ao vivo pelo Instagram, por vídeo no Facebook, testei todo tipo de site que dizia poder agregar as turmas a distância. Isso porque há alunos meus que não têm acesso liberado à internet, mas as mães têm algum pacote ilimitado em certas redes sociais. Então lá fui eu – explica Janaína, contando que, hoje em dia, já consegue concentrar suas aulas no Google Classroom, mas frequentemente se vê tirando dúvidas de alunos por outros meios também.
Uma pesquisa aponta que, além dos professores, a pandemia aproximou também os pais da vida escolar dos filhos. Em média, 51% dos responsáveis, como pais, mães e avós, dizem estar participando mais da educação dos estudantes do que antes da pandemia. A pesquisa do Datafolha, divulgada em novembro e encomendada pela Fundação Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures, mostrou que o ensino online e agora híbrido tem evoluído na rede pública.
Escola Estadual Baltazar de Oliveira Garcia, no bairro Rubem Berta, em fotografia da última quarta-feira: sem alunos e com dificuldades de manutenção Mateus Bruxel / Agencia RBS
As carências, porém, ainda são muitas: 59% das famílias ouvidas precisaram do auxílio emergencial, 42% disseram que a falta da refeição na escola pesa no orçamento. Segundo os autores do estudo, é preciso que o governo e a sociedade apoiem as famílias mais pobres nesse esforço que estão fazendo.
– A pandemia realmente intensificou a necessidade dessa parceria, desse diálogo bem próximo com os responsáveis pelos alunos. E não substituindo o papel dos professores, pelo contrário, porque o que os resultados mostram é que as famílias valorizam ainda mais o papel do professor quando estão juntos tentando apoiar os esforços da escola no ensino de crianças e adolescentes – avalia Patrícia Mota Guedes, gerente de pesquisa e desenvolvimento do Itaú Social.
Mesmo diante dos esforços de professores, de escolas e também dos alunos e de suas famílias, a desigualdade deve ficar evidente não só no decorrer do próximo ano letivo, mas também em avaliações como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que foi adiado para janeiro de 2021, mas não deixará de ser realizado.
– O Enem e outras formas de avaliação em larga escala deverão apontar, sim, a brutal diferença que a pandemia agravou. As redes de ensino mantidas pelas unidades da federação reagiram de forma muito diferente. Alguns Estados ficaram sem ação efetiva por tempo demais. E o Enem vai demonstrar isso – preocupa-se a professora Edí Fassini.
Encontrando-se diante de um ano desafiador, mas não “perdido”, a comunidade escolar precisará fortalecer ações de recuperação de conteúdos e retomada das atividades de ensino e convivência entre alunos e professores, sem jamais descuidar dos necessários cuidados com a saúde. E há muitas iniciativas voltadas a amenizar esses obstáculos e contribuir para meses de muita superação e aprendizado.
Como recuperar as perdas de 2020?
Algumas propostas de Edí Fassini, diretora do Centro de Educação Profissional e da Educação a Distância da Univates:
- O ano de 2020 oportunizou registros de atividades individuais e de experiências vividas por turmas. Isso tudo deve ser “visitado” pelos novos gestores e em conjunto com as equipes docentes.
- As equipes docentes precisam de capacitação para avançar na reconstrução dos projetos pedagógicos. Há pilares a serem reforçados. Um deles é o pilar emocional do grupo docentes que está extenuado.
- Os estudantes precisam de estímulos e de acompanhamento atento de equipes multiprofissionais. Após um ano de atividades domiciliares, momentos de convívio coletivo certamente não serão tranquilos para todos. E, no que tange à virtualização, há que se apresentar novidades, explorar mais as ferramentas digitais.
Uso da tecnologia e professores na casa dos alunos: veja propostas para recuperar as perdas na educação em 2020
Iniciativas em municípios como Esteio e Sapucaia do Sul podem servir de exemplo, mostrando que, mesmo em meio a muitas dificuldades, o ano letivo não está perdido