Apesar do crescimento do PIB
Apesar do crescimento do PIB, dados mostram que Brasil nunca foi tão desigual
Apesar do crescimento acima do esperado do PIB, no primeiro trimestre, dados mostram que nunca o país teve tantos desempregados e que os índices de pobreza aumentam. Inflação elevada agrava o problema
Rosana Hessel postado em 07/06/2021
O crescimento de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre de 2021, divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ficou acima das expectativas do mercado, em torno de 0,7%, mas o dado aparentemente positivo mascara um problema estrutural do país: a desigualdade social crescente. Em meio à pandemia que já matou mais de 470 mil brasileiros, o aumento da pobreza é agravado pelo desemprego recorde e pela inflação que não dá trégua e encolhe o poder de compra da população do Brasil — que, para piorar, está de volta ao mapa da fome.
Tal cenário vai na contramão das estimativas mais otimistas do mercado, que passou a prever expansão do PIB de 5% a 5,5%, logo após os dados do IBGE. Essas taxas, porém, revelam a baixa capacidade de crescimento do país, pois uma fatia de 4,9% é atribuída ao novo cálculo do carregamento estatístico do PIB de 2020, ou seja, pura inércia.
Analistas ainda destacam que a recuperação é heterogênea, com o principal motor do crescimento, o consumo, ainda no campo negativo — o que ajudou a produção industrial a encolher 1,3%, em abril, e ficar 1% abaixo do nível pré-crise, de fevereiro de 2020. Além disso, o setor de serviços, o que mais emprega, continua distante do patamar pré-pandemia e só vai conseguir ter uma retomada mais forte no último trimestre do ano, se a promessa do governo de vacinar toda a população for cumprida.
No ano passado, o auxílio emergencial de R$ 600 por mês aos mais vulneráveis e de R$ 1,2 mil para as famílias chefiadas por mulheres acabou mascarando essa realidade e reduzindo, temporariamente, o número de pobres no país — que já voltou a crescer neste ano. Estudo publicado em abril pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made/USP), denominado "Gênero e raça em evidência durante a pandemia no Brasil: o impacto do auxílio emergencial na pobreza e na extrema pobreza”, estima aumento de 9 milhões de pessoas em situação de pobreza e insegurança alimentar um ano após o início da pandemia.
A pesquisa mostra que, em 2020, a taxa de brasileiros na pobreza caiu de 25%, antes da pandemia, para 20% com o auxílio emergencial de R$ 600. Sem o benefício, em 2021, a taxa de pobreza teria chegado a mais de 30%. A fatia de pessoas na extrema pobreza caiu de cerca de 7%, em 2019, para 3%, no ano passado. “Em 2021, a taxa de pobreza extrema teria passado a mais de 10%. Tratar-se-ia de piora substantiva durante o ‘apagão’ do auxílio emergencial”, destaca o economista Pedro Fernando Nery, consultor de economia do Congresso Nacional.
Uma das autoras do estudo do Made/USP, a economista Luísa Cardoso Guedes de Souza, doutora em demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alerta que “de acordo com o IBGE, o Brasil voltou ao mapa da fome em 2018”, com aumento da pobreza maior entre mulheres e negros.
“Calculamos que, em 2019, antes da pandemia, a taxa de extrema pobreza no país era de 6,6%, o que representa 13,9 milhões de pessoas. Já a taxa de pobreza era de 24,8%, afetando 51,9 milhões de brasileiros. Considerando o valor médio de R$ 250 estabelecido para o auxílio emergencial em 2021, vemos que a taxa de extrema pobreza esse ano deverá ser de 9,1% (19,3 milhões de pessoas) e a de pobreza de 28,9% (61,1 milhões de pessoas). Assim, após um ano de pandemia, teremos um acréscimo de aproximadamente 9 milhões de brasileiros em situação de pobreza e insegurança alimentar”, afirma.
De acordo com a demógrafa, os beneficiários do auxílio emergencial são as pessoas de baixa renda, em maior situação de vulnerabilidade. “Apesar do aumento do PIB no primeiro trimestre de 2021, o consumo das famílias não acompanhou esse crescimento. A escalada recente da inflação e, especialmente, o aumento os preços dos alimentos impactam, sobretudo, as famílias mais pobres”, destaca. Segundo ela, os resultados mostram que “o auxílio emergencial de 2021 é insuficiente para conter a perda de renda da população” em função da pandemia.
“Considerando que não sabemos se o auxílio será estendido por um período maior de tempo nem como será o ritmo da vacinação até o final do ano, é muito provável que a pobreza não seja mitigada em 2021”, acrescenta.
Na avaliação de Luísa Cardoso, é bem provável que o empobrecimento da população e o aumento das desigualdades sociais perdurem para além do prazo do recebimento do auxílio emergencial. “Nosso estudo deixa evidente que são as mulheres negras as que mais estão sofrendo com a crise. O aumento da pobreza no Brasil reflete as desigualdades regionais, raciais e de gênero no país. A sobrerrepresentação das mulheres negras na pobreza é uma das consequências da desigualdade de gênero e de raça que sempre estiveram presentes na nossa sociedade, mesmo antes da pandemia.”