Apoios ao 8 de janeiro
Uma eleição na mira de um golpe. Como se deu a organização para o 8 de janeiro - Capítulo 1
Jornalista Denise Assis alerta para as articulações do Movimento Brasil Verde e Amarelo, 'grupo informal apoiador de Bolsonaro e com integrantes do agronegócio'
Jair Bolsonaro e atos golpistas de 8 de Janeiro (Foto: REUTERS)
Um relatório produzido por órgãos de investigação oficiais sob o título: “Movimento Brasil Verde e Amarelo: participação, lideranças do agronegócio em atos antidemocráticos e em ações de contestação do resultado eleitoral – aspectos essenciais”, datado de 10 de janeiro de 2023, conta em detalhes como nasceu o movimento de adesão ao golpe de 8 de janeiro, do ponto de vista prático, ou seja: o momento em que os golpistas convencionaram que era hora de botar o bloco na rua. A documentação foi entregue aos integrantes da CPMI, em julho de 2023.
• O Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA), grupo informal que congrega lideranças do agronegócio, foi um dos principais articuladores dos atos intervencionistas e em apoio ao ex-presidente da República Jair Bolsonaro nos últimos anos.
• Desde o término da última eleição presidencial, membros do MBVA foram identificados como lideranças de bloqueios rodoviários. Um membro foi preso durante um desses bloqueios em novembro de 2022. Muitos dos caminhões que partiram em comboio para Brasília após a eleição para apoiar o acampamento em frente ao Quartel-General do Exército partiram de regiões de influência do MBVA.
• O MBVA possui recursos econômicos e disposição para financiar transporte de manifestantes e ações extremistas, como as ocorridas em Brasília em 8 de janeiro de 2023.
FONTE:
Comboios de caminhões com destino a Brasília para a preparação do golpe de 8 de janeiro eram do Agro - capítulo 2
"O que impacta é que tamanho aumento do volume de deslocamento não causou estranheza à direção da PRF", escreve Denise Assis
O processo de deslegitimação das eleições ocorridas em outubro de 2022 foi meticulosamente preparado e teve respaldo substancial de grupos e empresas do setor do Agronegócio, conforme as investigações oficiais promovidas logo após os atos de terror do 8 de janeiro elucidaram. E como a sociedade brasileira sempre suspeitou.
O trabalho, de extrema competência e feito nos dias imediatamente após o ocorrido – possibilitando verificar os fatos ainda a quente – reuniu elementos minuciosos, trazendo à luz, para que fossem investigados, os personagens de destaque comprometidos com a ação golpista.
Todo o material reunido foi entregue à CPMI, no mês de julho de 2022. A três meses, portanto, da conclusão e entrega do relatório final (17 de outubro de 2022). Os subsídios ali esquadrinhados estão nas mãos das autoridades competentes para que deem continuidade às apurações e eventuais punições. São análises e documentos produzidos dentro da oficialidade.
“Após o término da eleição, iniciou-se o movimento de tentativa de deslegitimação do processo eleitoral. Sua vertente ostensiva consistiu na concertação de quatro tipos de ações: bloqueios rodoviários, acampamentos em frente a organizações militares, comboios de caminhões com destino a Brasília e atentados contra infraestruturas”, esclarece o relatório dos investigadores.
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Ônibus rumaram para Brasília visando a “Tomada pelo Povo” em 8 de janeiro de 2023
"Eles não só embarcaram naqueles ônibus para uma viagem rumo a Brasília para a “Tomada pelo Povo”, mas também rumo ao submundo do golpe", escreve Denise Assis
Tendo como objetivo a “tomada” do poder, lideranças do Movimento Brasileiro Verde e Amarelo (MBVA), ruma para Brasília, após o resultado da eleição de 2022. Inconformados com a derrota para o candidato progressista, Luiz Inácio Lula da Silva, se articularam por redes sociais. São pessoas que detêm capital econômico e influência política em seus locais de atuação. Como ferramenta de mobilização, além das redes, contaram com o programa “Sucesso no Campo”, transmitido em TV aberta e em mídia social. O programa divulga líderes, pautas e convocações do grupo para manifestações.
Formado sobretudo por sojicultores do Centro-Oeste, naturais do Rio Grande do Sul, contam com as principais lideranças e fundadores do MBVA: Antônio Galvan (sojicultor em Sinop/MT, presidente da Aprosoja Brasil); Jeferson da Rocha (advogado em Florianópolis e porta-voz do grupo); Vitor Geraldo Gaiardo (sojicultor e presidente do Sindicato Rural de Jataí/GO); Humberto Falcão (sojicultor em Primavera do Leste/MT e proprietário de empresa de sementes); Luciano Jayme Guimarães (sojicultor em Rio Verde/GO e presidente do Sindicato Rural de Rio Verde) e José Alípio Fernandes da Silveira (sojicultor em Barreiras/BA e presidente da Andaterra). Todos os empresários bem-sucedidos e de muitos recursos, ligados ao agronegócio, embora ocupem, ainda assim, posições secundárias num setor decisivo para a balança comercial do Brasil.
O MBVA tem capital próprio e rede de contato com elevada capacidade de arrecadação de recursos. Desse modo, as lideranças do MBVA articularam diversos atos públicos de apoio ao ex-presidente Bolsonaro e em defesa de pautas antidemocráticas, como a intervenção militar. Para se ter noção do seu poder de mobilização, o movimento organizou atos em Brasília que contaram com deslocamento de máquinas agrícolas, caminhões e caravanas desde as suas áreas de influência. A partir da articulação da sua rede de contatos nas Aprosojas e nos sindicatos rurais, o grupo demandou e coordenou doações em suas bases.
O ato denominado por eles de “Tomada pelo Povo”, convocado para 8 de janeiro de 2023, em Brasília, foi tentativa de reavivar o movimento de contestação do resultado eleitoral em curso desde o término da eleição presidencial em 30 de outubro de 2022. Para os dias 7, 8 e 9 de janeiro de 2023, foram organizados bloqueios de acessos a refinarias e bases de distribuição de combustíveis em todo o país, assim como caravanas com destino a Brasília, tendo como objetivo reverter tendência de esvaziamento do acampamento em frente ao Quartel-General do Exército.
De acordo com a documentação das investigações desses episódios, por autoridades, “a partir do acampamento, os manifestantes planejaram dirigir-se à Esplanada dos Ministérios e declararam intenção de invadir o Congresso Nacional. Foram identificados os contratantes de 103 ônibus fretados que chegaram à capital entre 4 e 8 de janeiro de 2023, transportando 3.875 pessoas. Os indivíduos e organizações que contrataram mais de um veículo foram: Pedro Luiz Kurunczi (4); Marcelo Panho (2); Marcos Oliveira Queiroz (2) e Sindicato Rural de Castro (2)”.
(Observem que o mapa em que aparece a localização dos contratantes foi confeccionado já no dia 10 de janeiro de 2023, pela Abin. O que demonstra agilidade nos trabalhos de investigação e apresentação de resultados).
Os investigadores chamam a atenção para “a grande pulverização dos contratantes de fretados. “Foram observadas, nos últimos dias, diversas iniciativas de financiamento coletivo para as caravanas. No entanto, existem também indícios de contratação de múltiplos fretamentos de uma só vez, havendo disponibilização de transporte alegadamente gratuito a quem se dispusesse a viajar. Considerando esses fatores, é provável que diversos contratantes tenham sido utilizados como "laranjas" com objetivo de ocultar os verdadeiros financiadores das caravanas e dos manifestantes”.
Logo abaixo vocês poderão conferir a listagem dos que contrataram ônibus para os atos golpistas por CNPJ. Da tabela constam também: razão social, CPF do contratante e vínculo com a empresa ou instituição. Foi apurado que 83 indivíduos contrataram 89 ônibus fretados por CNPJ:
A investigação ainda arregimentou uma listagem de 99 páginas, demonstrando nome a nome, com CPFs e origem de emissão do documento, quem foram essas pessoas que, vestidas com as cores verde e amarelo gritaram pelo retorno do controle militar do país e por uma ditadura que a maioria não viveu. Na verdade, o que buscavam era o fim da democracia, tendo à frente o ditador Jair Messias. Esse era o desejo.
Nas 99 páginas – que não estarão aqui publicadas dado o volume de imagens que seria necessário reproduzir para exibir o documento completo -, com as listas de passageiros dos ônibus fretados, constam centenas de pessoas comuns: médicos, veterinários, vereadores, dentistas, professores, pequenos empresários...
Eles não só embarcaram naqueles ônibus para uma viagem rumo a Brasília para a “Tomada pelo Povo”, mas também rumo ao submundo de uma tentativa de golpe e, dali, com as ações frustradas -, para o bem da democracia e do país -, para as prisões oficiais, de onde 30 já saíram condenados e centenas ainda aguardam julgamento. Um ano depois, o Brasil ainda se recorda atordoado das imagens de terror vistas ao vivo, após o almoço de domingo. Escapamos por um triz. O Brasil segue sua história.
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Além do Agro, empresas e empresários do garimpo ilegal apoiaram o 8 de janeiro
Atitude de tolerância para com o desmatamento, danos ambientais e contrabando de ouro rendeu frutos a Bolsonaro, que teve apoio incondicional de garimpeiros
Jair Bolsonaro e operação do Ibama contra garimpeiros
(Foto: Reuters | Ibama/Divulgação)
No dia 24 de novembro de 2021, o país assistiu estarrecido a um desfile de mais de uma centena de balsas do garimpo ilegal, deslizando afrontosamente pelo Rio Madeira. Todas juntas, como num comboio rio acima, desafiavam os órgãos de fiscalização. Na época, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), era o presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. A PF e o Ibama mapearam 350 balsas usadas na extração ilegal de ouro, mas muitos conseguiram fugir antes da ação policial. O Ministério Público Federal (MPF) expediu uma recomendação, pedindo a adoção emergencial de ações para retirada de garimpeiros ilegais que se instalaram no rio Madeira, no Amazonas. A força-tarefa que atua na região destruiu mais de 100 balsas usadas na extração ilegal de ouro.
No dia 29 de novembro, uma segunda-feira, em Brasília, o vice-presidente Hamilton Mourão, na condição de também presidente do Conselho da Amazônia, disse que a operação não eliminou o problema: “O garimpo já foi devidamente dispersado, vamos dizer assim, mas tem que manter uma vigilância constante porque tem ouro lá. Se não houver a vigilância, o pessoal volta”. A declaração, nesse tom evasivo, dava a entender que tal vigilância não era uma atividade afeita ao seu trabalho.
Em três dias de operação, a Polícia Federal apreendeu e destruiu 131 balsas. A maior parte foi incendiada. A operação se concentrou em Nova Olinda do Norte e Autazes, município onde os paredões de balsas se aglomeraram, distantes 113 quilômetros de Manaus, para exploração ilegal de ouro.
As embarcações começaram a chegar no local cerca de 15 dias antes e formaram uma verdadeira "vila flutuante". Era uma espécie de recado do desmando e do quanto aquele governo dava de ombros para esse tipo de operação. A atitude de tolerância para com o desmatamento, os danos ambientais e o contrabando de ouro rendeu frutos. Um apoio incondicional dos garimpeiros ao então presidente Jair Bolsonaro, que no ano seguinte se candidataria à reeleição.
Denise Assis
Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964" , "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".
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Relatório fruto das investigações comprova: 8 de janeiro não foi um piquenique
"O que salta do trabalho de investigação é a participação de ex-paraquedistas, apelidados de 'boinas vermelhas', armados e bem treinados", destaca Denise Assis
“Eram senhoras, crianças, rapazes, moças... Como se fosse um piquenique, um arrastão em direção à Praça dos Três poderes”. A descrição do cenário do ato de terror acontecido no dia 8 de janeiro de 2023, que depredou os prédios dos principais poderes da capital federal, feita pelo ainda ministro da Defesa, José Mucio, não combina com a apuração dos fatos consolidada num relatório da Abin, com base nas investigações das Polícias: Federal e Civil-DF.
Longe desse quadro quase pastoril saído da observação do ministro, o que salta do trabalho de investigação é a participação de ex-paraquedistas, apelidados de “boinas vermelhas”, armados e bem treinados. Esses homens foram os responsáveis pela montagem e organização dos acampamentos nas portas dos quartéis. Os mesmos que o ministro disse ter sido frequentado por “amigos e parentes” dele. E que os comandos das Forças Armadas em nota no dia 11 de novembro daquele ano (2022), defendeu como “manifestações pacíficas”.
Da nota, assinada pelos comandantes: Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos, Comandante da Marinha; general de Exército Marco Antônio Freire Gomes, comandante do Exército e o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Batista Junior, comandante da Aeronáutica, consta o seguinte texto: “A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território nacional.
Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: “Não constitui crime [...] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.
Uma defesa explícita do que ali se passava e que, nesta semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, classificou em entrevistas de “um crime”. O mesmo tratamento dado pelo relatório que resultou das investigações sobre o 8 de janeiro, para os “boinas vermelhas”, “um grupo extremista composto por reservistas do Exército Brasileiro e que apresenta indicativos de mobilização para a violência”.
O grupo participou do movimento que montou acampamento em frente ao Quartel General do Exército, em Brasília. E, antes mesmo do 8 de janeiro, já estavam sendo monitorados. “A presença desse grupo extremista na capital federal eleva o risco de ocorrência de ações violentas na posse presidencial, a ser realizada em 1 º de janeiro de 2023”, alertaram os serviços de inteligência. Segundo esse trabalho, “o grupamento “não tem nome oficial ou estrutura centralizada, sendo composto por reservistas autônomos que compartilham posição político-ideológica semelhante, discurso radical de deslegitimação do Estado de Direito e propensão à ação violenta. Seus membros se identificam como militares da reserva das Brigadas de Infantaria Paraquedista do Exército Brasileiro (EB). Alguns deles estavam nas proximidades da sede da Polícia Federal, no Setor Comercial Norte de Brasília, na noite de 12 dez. 2022, quando houve tentativa de invasão do órgão policial”.
Deram conta, ainda, de que “os Boinas Vermelhas j á estiveram presentes em outras manifestações em Brasília. No feriado do Dia da Independência em 2021 e nos dias que se seguiram, o grupo incitou manifestantes à desordem e promoveu tentativas de ultrapassar barreiras de contenção montadas por forças policiais na Esplanada dos Ministérios. Em certos momentos, integrantes do grupo buscaram assumir a liderança das manifestações, coordenando a segurança das pessoas e, por vezes, mediando a comunicação com representantes do governo federal, do governo do Distrito Federal e das forças de segurança”.
Na ocasião, o grupo contava com ao menos 30 homens, com idades entre 35 e 60 a nos, oriundos majoritariamente do Rio de Janeiro/RJ e de outras localidades do país. Durante as manifestações, eles pernoitaram em uma casa alugada nos arredores do Distrito Federal.
As manifestações realizadas em 7 de setembro de 2021 na capital federal também contaram com a participação de alguns membros do grupo autointitulado Audazes PQDT. Em evento anterior, em março de 2021, no Rio de Janeiro/RJ, seus integrantes apresentaram discurso contrário a partidos e ideologias de esquerda e se mostraram dispostos a pegar em armas para manter o Brasil "livre de um governo comunista". Na ocasião, eles utilizaram vestimentas militares e boinas grená. Em resposta a denúncias de presença de militares no protesto realizado no Rio de Janeiro, o Ministério Público Militar solicitou investigação sobre o Audazes PQDT em abril de 2021.
Em 7 de setembro de 2022, no Rio de Janeiro, quando as intenções golpistas estavam mais visíveis – a cúpula militar chegou a encomendar um estudo à FGV, para avaliar se o golpe era viável e se haveria adeptos: Exclusivo: Forças Armadas fazem levantamento sobre oficiais dispostos a aderir ao golpe prometido por Bolsonaro - Denise Assis - Brasil 247 - durante as celebrações d o Centenário da Independência. Nessa data, houve participação isolada dos paraquedistas reservistas do Exército Brasileiro. O serviço de inteligência que os observou, no evento, descreveu: “não havia uma presença organizada ou defesa de discurso extremista violento. Alguns dos integrantes do grupo concorreram a cargos eletivos em 2022, o que pode ter contribuído para a moderação de comportamento”.
Os investigadores constataram que um dos líderes Boinas Vermelhas, o militar da reserva Marcelo Soares Correa, estava presente na ocupação da Praça dos Cristais, em frente ao QGEx, em Brasília. Cabo Correa, como é conhecido, atuou como porta-voz do grupo. Ele organizou e integrou manifestações contrárias à mudança de governo no Brasil após as eleições de 2022. Em 16 de novembro de 2022, Correa participou da invasão do plenário da Câmara dos Deputados com um grupo de 50 manifestantes que pediam intervenção militar e já defendeu manifestações no Brasil à semelhança do modelo adotado na Ucrânia, em 2014 e no Egito em 2011, que resultaram em insurreições civis.
Em 22 dezembro de 2022, o Cabo Correa publicou vídeo em sua conta de Facebook, gravado em frente ao Palácio da Alvorada, em que alertava para o fato de ser aquela a última data em que estaria se manifestando " pelo amor" e que estava aguardando manifestação do Presidente da República (ainda Jair Bolsonaro).
No vídeo, uma declaração inflamada e de clara incitação à violência, alegava que, a partir de então, seria iniciada uma nova fase dos atos de protestos, pois o povo estava inflamado e não iria entregar o país ao "crime político organizado". Alertou, ainda que, se a salvação não viesse " pelo amor", seria "pela dor", e não iria "arregar para os comunistas". Ainda assim, monitorado, com a Polícia sabendo dos seus passos e intenções, continuou circulando à vontade, prosseguindo com suas atividades no acampamento. Essa inação quanto ao Cabo Correa, nos leva a concluir o nível de tolerância (ou talvez divisão) que havia na Polícia do Distrito Federal, quanto à perspectiva de golpe.
Outra liderança é Ricardo Arruda Labatut Rodrigues, conhecido como Coronel Labatut, que usou vestimenta militar durante todos os atos em que os reservistas participaram. “Labatut demonstrou, em várias ocasiões, ser figura de liderança no grupo. Essas lideranças têm envolvimento com integrantes de outros grupos extremistas. Em setembro de 2021, Correa manteve contato com membros do movimento radical Ucraniza Brasil, que participaram dos atos e estavam acampados em Brasília”. De acordo com os dados contidos no relatório, “o Ucraniza Brasil foi criado no início de 2021 com o objetivo formar resistência civil contra o Estado por meio da formação de unidades paramilitares”. É difícil acreditar ou até mesmo entender, como um movimento com este teor, a começar pelo nome, circulasse livremente e se organizasse sem ser incomodado pela PF ou quem quer que seja. Seria preciso que os estamentos das várias Polícias estivessem mesmo muito contaminados, para não agir, não coibir, não desbaratar uma agremiação dessa natureza.
Àquela altura – esse trecho do relatório é do dia 22 de dezembro de 2022 –, a avaliação dos investigadores era a de que “o movimento atualmente apresenta baixo nível de mobilização para participação em manifestações sociais, mas chegou a montar acampamentos em São Paulo e em Brasília. Os membros do movimento têm níveis de radicalização variados e alguns ainda representam ameaça. Alessandro Ferreira da Silva, cuja alcunha é Alex Silva, criador do Ucraniza Brasil, indicou que mantém contato com Correa e que, em 2020, enquanto esteve no Brasil (a investigação não revelava até então que ele estivesse fora do país – grifo meu), realizou missão com os ex-paraquedistas. Magno Duarte Ferraz (Duarte Lobbo), outra liderança do Ucraniza Brasil, que também mantém contato com Correa”.
A descrição sobre o grupo prossegue, dando detalhes sobre a forma como se mantinham em Brasília. “O grupo de paraquedistas presente na Praça dos Cristais não se engaja em todas as mobilizações da ocupação. Não demonstra ter muitos recursos para financiamento. Inicialmente, não estava acampado e usava imóveis emprestados em Brasília. Seus membros expressam discurso de ruptura constitucional e demonstram disposição para envolvimento em ações violentas. Além disso, cultivam imagem de prontidão (o sempre alerta, na linguagem militar), de que aguardam uma suposta ordem presidencial que os acionem. O grupo estaria estocando combustível na tenda que utilizar em frente ao QGEx”. (Também não fica claro para qual finalidade seria usada essa gasolina).
Chama a atenção que no conteúdo desse relatório – o do dia 22 de dezembro de 2022 -, estivesse contido o seguinte trecho: “A presença do grupo na capital federal eleva o risco de ocorrência de ação violenta com potencial de impactar a posse do presidente eleito. Avalia-se que o grupo tenha capacidade, motivação e meios para planejar, executar ou prestar suporte a um ato extremista violento. Ademais, pode atuar como indutor de atos de vandalismo e obter a adesão de participantes da ocupação que originalmente não demonstravam propensão à violência”. Ou seja, incitar a todos do acampamento, a aderirem aos seus propósitos golpistas.
Outro detalhe importante é que esse relatório da Abin, consolidando as informações colhidas ao longo da investigação desse grupo, foi disseminado (entregue, para ficar ainda mais claro), aos seguintes órgãos competentes: “DIFUSÃO: DIP/PF/MJSP - DINT/SEOPI/MJSP - SI/SSP/DF - GABINETE DE TRANSIÇÃO DO GOVERNO”.
Diante disso, resta perguntarmos: o que foi feito desse feixe de informações da maior importância para o governo que assumia? Qual foi o destino dado às questões levantadas nesse relatório consolidado pela Abin, que apontava para o risco iminente de ataques ao presidente eleito? Os responsáveis pela transição leram esse potencial de ameaça? Os responsáveis pela segurança do presidente que chegava, tomaram alguma providência para assegurar que os “boinas vermelhas” não prosseguissem com as suas ações no acampamento do QG do Exército? O Comando do Exército sabia o que se passava em seu quintal? Se sabia, foi complacente ou leniente com esses “reservistas” que saídos das suas fileiras usavam os treinamentos e ensinamentos recebidos para golpear a democracia? São muitas as perguntas, poucas as respostas e muito a elucidar e entender. A propósito, uma última pergunta: queremos, de fato, resolver? (Segue)
Confira abaixo os quadros com dados da Abin sobre “boinas vermelhas”: