Aprofundamento das desigualdades na pandemia
Estudo revela que 62,4% dos alunos de escolas privadas tem computador e banda larga em casa, índice que cai para 12% nas escolas municipais. Foto: Reprodução/Facebook
Luciano Velleda
Criado em abril, o Comitê Popular Estadual de Acompanhamento da Crise Educacional no Rio Grande do Sul divulgou, nesta sexta-feira (31), a primeira fase da pesquisa realizada com o objetivo de mapear os impactos da pandemia na educação do Estado e as condições de segurança para a volta às aulas. Desde que as aulas presenciais foram suspensas, em março, escolas públicas e privadas têm adotado o modelo de aulas on-line para dar sequência ao ano letivo e ao aprendizado dos alunos. Por ter como ferramenta principal o acesso à internet e a equipamentos eletrônicos, como computador ou telefone celular, o ensino remoto tem escancarado as desigualdades entre as redes pública e privada de ensino.
A pesquisa revelou, por exemplo, que 59% dos alunos das escolas estaduais e 47% das municipais dizem ter computador em casa, índice que sobe para 96,5% entre os estudantes de escolas privadas. Quando a questão é acesso à banda larga de internet, as respostas dos pais ou responsáveis apontam que 14% dos alunos das escolas municipais e 20% das escolas estaduais tem banda larga em casa, contra 49% dos alunos de escolas privadas.
Porém, quando a análise une o acesso à banda larga com o uso de um computador à disposição, a pesquisa mostra que 62,4% dos estudantes de escolas privadas tem ambas as condições, percentual que cai para 25% entre os alunos de escolas estaduais e apenas 12% nas escolas municipais.
Ao perguntar para os pais ou responsáveis se seus filhos estão tendo aula pelo ensino remoto, 22% disseram ter algum filho sem aula na rede municipal e 13% declaram ter algum filho da rede estadual sem conseguir fazer aula on-line. No extremo oposto, 93% dois pais da rede privada confirmaram que seus filhos estão com aulas on-line.
“É um estudo de interesse público para pensar a situação da educação na cidade de Porto Alegre”, afirma, a socióloga Aline Kerber, que coordenou o estudo junto com a também socióloga Sabrina Leal. Ao analisar os dados, Aline diz haver um “apagão educacional” na Capital e que a inclusão é o principal desafio na educação nesse ano de pandemia. “Há uma flagrante elitização da educação pelas tecnologias com as políticas adotadas”, afirma a socióloga, ainda que pondere também existirem boas práticas em curso.
A pesquisa foi realizada entre os dias 23 e 28 de julho, por meio de um questionário com 150 perguntas e com 2.200 respostas validadas. Apoiaram a pesquisa o CPERS Sindicato, ASSERS, AOERGS, SIMPA, SINPRO RS, FGEI, SINASEFE-IFSul.
Maiores dificuldades
A pesquisa realizada pelo Comitê Popular Estadual de Acompanhamento da Crise Educacional no Rio Grande do Sul também perguntou aos pais ou responsáveis quais são as principais barreiras enfrentadas no ensino remoto dos filhos. Entre os motivos apresentados, 20% citaram o revezamento do computador, 17% relataram dificuldade de entender e acessar os ambientes de aulas virtuais, e 11% falaram do pouco acesso à internet, enquanto 10% disseram não ter os equipamentos eletrônicos necessários, 6% citaram a ausência de espaço adequado em casa e 1% se referiram à falta de alimentação.
Ao analisar os riscos do retorno das aulas presenciais, o estudo revela que 22,6% dos pais contam ter pessoas acima de 60 anos em casa, 54% dizem ter em casa pessoas com doenças respiratórias e 54% citam outras doenças, como diabetes, pressão alta e câncer. Sobre a ordem de retorno às aulas quando houver condições, o estudo aponta que a maioria prefere, em primeiro lugar, o ensino superior, seguido pelo ensino profissionalizante e médio, o ensino fundamental II e depois o I, e por fim a educação infantil.
A socióloga Aline Kerber avalia que os dados revelados pela pesquisa reforçam a importância do diálogo com a comunidade escolar, como forma de encontrar os melhores caminhos para enfrentar o atípico ano de 2020 e planejar o retorno às aulas presenciais. “Estamos dando visibilidade aos inviabilizados na construção das politicas adotadas neste momento de pandemia”, afirmou.
Para ela, é preciso enfatizar a necessidade de inclusão e participação da comunidade escolar para que a política pública seja construída “de baixo para cima”, de modo a ser de fato democrática. De mesma forma, Aline destaca que os protocolos devem ser elaborados a partir dos diagnósticos e não o contrário. “Não é vir com o protocolo e depois com o diagnóstico. A realidade é que tem que se encaixar nos protocolos, e protocolos não só sanitários, mas também pedagógicos e jurídicos.
”A pesquisadora acredita que o estudo é importante para pensar uma política de proteção das crianças e adolescentes, assim como a recuperação do ano letivo. “A tecnologia pode ser uma aliada constante, mas que precisa ser garantida e não gerar exclusão.”
Assista a apresentação da pesquisa na íntegra