Pelo ensino domiciliar

Pelo ensino domiciliar

Autor de projeto vai atuar pela aprovação do ensino domiciliar

O Supremo considerou ilegal essa forma de ensino que poderia ser regularizada com a aprovação de um projeto de lei em discussão na Comissão de Educação da Câmara

Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Sessão extraordinária para discussão de diversos projetos. Dep. Lincoln Portela (PR - MG)

Lincoln Portela estima que 20 mil famílias estejam adotando ensino domiciliar

Após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou ilegal o ensino domiciliar no Brasil, o deputado Lincoln Portela (PR-MG), autor de projeto (PL 3179/12) que regulariza esse tipo de ensino, pretende atuar mais pela aprovação da proposta. A decisão contrária do Supremo foi tomada por seis a cinco, mas o deputado ressaltou que vários ministros colocaram peso na ausência de previsão legal.

O projeto de Lincoln Portela está na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Pelo texto, a educação básica poderia ser feita pelos pais ou responsáveis com supervisão do Estado. O deputado estima que 20 mil famílias estejam adotando o ensino domiciliar hoje. Segundo ele, a socialização das crianças não seria um problema.

"A criança se socializa a partir de relacionamento familiar, ela se socializa nos clubes, ela se socializa nas comunidades, nas associações de bairro, ela se socializa nas praças, ela se socializa no relacionamento com amigos, com a vizinhança. Não está escrito em lugar nenhum da Constituição brasileira que a socialização tem que vir pela escola", argumentou.

Rick Dias, da Associação Nacional de Educação Domiciliar, cita outros motivos citados pelos pais em defesa dessa modalidade de ensino.

"O ambiente da escola é extremamente desleal do ponto de vista do bullying, da violência. Geralmente são dez contra um, são 20 contra um. É muito difícil para as crianças se defenderem. Ninguém quer se sentir excluído, claro, da galera, da tribo. Há insatisfação também com a doutrinação. Não especificamente com os temas; mas com a forma de abordagem de determinados professores e também com a faixa etária na qual essas crianças são expostas a determinados temas. Isso desagrada muito os pais", enumerou.

Coletividade
O ministro do STF Ricardo Lewandowski se manifestou contrariamente ao ensino domiciliar, argumentando que o pensamento constitucional é republicano, coletivo. Segundo ele, as crianças devem ouvir opiniões diferentes e isso está garantido na lei atual.

Rosinei Coutinho/STF

Ministro do STF Ricardo Lewandowski

Ministro Ricardo Lewandowski: educação deve ser construída coletivamente

"A educação é simultaneamente um direito e um dever do Estado e da família, mas não exclusivamente desta. Deve ser construída coletivamente com a participação ativa da sociedade. Ao assim dispor, contribui para que sejam evitados os riscos de fragmentação social, que ademais desenvolvem verdadeiras bolhas no tocante ao conhecimento, as quais contribuem ainda mais para a intensa clivagem que se observa hoje em nosso país, dividido por intolerâncias e incompreensões de toda ordem."

Na mesma linha, a coordenadora da ONG Ação Educativa, Denise Carreira, afirma que o ensino domiciliar muitas vezes está ligado a grupos específicos:

"Muitas destas famílias defendem o criacionismo, que é uma perspectiva religiosa da evolução da humanidade. E não querem que suas crianças entrem em contato com outras visões. Não querem também que as crianças entrem em contato com as discussões sobre as questões de gênero, diversidade. Então esse movimento do ensino domiciliar está muito vinculado ao crescimento destes grupos conservadores na sociedade que defendem que as crianças não entrem em contato com as diferenças."

Hoje, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/Lei 9394/96) diz que é dever dos pais efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos quatro anos de idade.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:

Reportagem – Sílvia Mugnatto
Edição – Geórgia Moraes


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Famílias que adotam educação domiciliar temem punições

Deborah Gérbera/Arquivo Pessoal Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra

Decisão do STF sobre ilegalidade da prática, realidade entre 15 mil estudantes no País, deixa adeptos em situação de insegurança jurídica

Aline Melo        Do Diário do Grande ABC 

23/09/2018

Depois da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que negou recurso que pedia reconhecimento do direito ao ensino domiciliar no Brasil, famílias adeptas à prática adotam a postura de recolhimento. Isso porque, a partir de agora, o método passa a ser considerado ilegal, inclusive com previsão de punição para pais ou responsáveis que descumprirem a legislação nacional que discorre sobre a obrigatoriedade de crianças com idade entre 4 e 17 anos estarem matriculados em instituição de ensino formal.

A equipe do Diário entrou em contato com famílias do Grande ABC que optaram pela educação domiciliar ou estão pesquisando sobre a prática, mas nenhuma delas quis conceder entrevistas, nem mesmo sob condição de anonimato. A decisão do STF, alegam os pais, deixou as famílias em uma situação de insegurança jurídica e temerosas sobre o futuro.

Apesar de não haver números oficiais, associações que defendem a modalidade de ensino falam em 7.500 famílias e 15 mil estudantes que optaram pela desescolarização no País, sendo que 13% deste volume estaria no Estado de São Paulo.

O tema é controverso e divide opiniões. De um lado, famílias que querem ter mais autonomia sobre o conteúdo dado aos filhos; de outro, especialistas que defendem o papel socializador da escola e a aferição do conteúdo aprendido e até mesmo de educadores que entendem a negativa do STF como uma interferência do Estado na vida familiar.

Apesar de pouco comum no Brasil, a prática de educação domiciliar ou familiar (homeschooling, em inglês), é permitida, autorizada ou regulamentada em mais de 60 países, segundo a Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar). A Constituição Federal e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) preveem que as famílias matriculem os filhos em idade escolar em instituição pública ou privada. Já o Código Penal estabelece detenção de 15 dias a um ano para quem deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho.

O advogado e gestor da ABDEF (Associação Brasileira de Defesa e Promoção da Educação Familiar), Édison Prado de Andrade, entende que a decisão do Supremo não é definitiva. “Não foi declarado constitucional ou inconstitucional o ensino familiar, apenas que é preciso que seja regulamentado por meio de lei”, detalhou. Andrade afirmou, ainda, que desembargadores e juízes de primeira instância podem, inclusive, divergir deste entendimento em outros julgamentos.

Defensor de tese sobre o tema na USP (Universidade de São Paulo), o advogado representa diversas famílias que pedem na Justiça o direito de educar seus filhos fora do ambiente escolar e conta com três decisões favoráveis e dois processos em curso. “Confundem educação com escolarização. Há muitas famílias que consideram a escola altamente prejudicial à educação e ao desenvolvimento dos seus filhos”, argumentou.

Presidente da Aned, Ricardo Dias afirmou que, de certa forma, o próprio julgamento foi uma vitória, porque até o momento a AGU (Advocacia-geral da União) e a PGR (Procuradoria-Geral da República), entre outros órgãos, haviam se manifestado de forma contrária, com “opiniões descabidas, preconceituosas e ignorantes, típicas de quem não sabe o que é educação domiciliar”. “Levamos memoriais para os ministros do STF entenderem do que se trata e não ter sido declarada a inconstitucionalidade é uma vitória das famílias. Agora, voltamos nossas atenções para o poder Legislativo e vamos continuar lutando para que seja aprovado”, relatou.

Segundo informações do STF, as famílias devem matricular imediatamente seus filhos em escolas públicas ou privadas, uma vez que não há legislação sobre e tema e prevalece o entendimento constitucional como consequência prática. 

Fotógrafa que tirou o filho da escola responde a processo no MP

A fotógrafa Deborah Gérbera, 43 anos, optou, há dois anos, pela educação domiciliar do filho Cauê, 10. Moradora de Ubatuba, no Litoral Norte, ela foi denunciada ao Conselho Tutelar e hoje responde a processo no MP (Ministério Público). “Agora que o STF (Supremo Tribunal Federal) negou (o direito a educação domiciliar), a Aned (Associação Nacional de Educação Domiciliar) vai entrar com recurso. Pretendo ir até as últimas consequências para garantir nosso direito. Mudar de cidade, se for o caso, pois entendo que isso é o melhor para ele.”

A profissional revela que optou pela medida após perceber que as necessidades do filho “não estavam sendo atendidas na escola”. “Quando ele tinha 8 anos fiz a proposta de estudarmos em casa, o que foi prontamente atendido”, completou. Licenciada em Pedagogia e Artes, a mãe sentiu segurança para ajudar o filho. “Não que apenas quem é formado possa fazer isso. Não é assim. Com empenho e pesquisa, todos os pais podem”, defendeu.

Fora da escola, Cauê e Deborah trabalham de forma sistematizada o aprendizado de Português e Matemática, com o auxílio de livros didáticos. As outras disciplinas são aprendidas mais livremente, segundo a dupla. “Sentamos para estudar todos os dias, mas não temos horário definido. A Matemática reforçamos na fila do mercado, fazendo contas; Ciências a gente estuda vendo os diferentes tipos de folhas perto da praia, os caramujos do quintal. Todo assunto e todo momento é uma oportunidade de aprendizado”, afirmou Deborah.

Questionada sobre a socialização do filho, a fotógrafa relatou que “educação domiciliar não é prisão domiciliar”. “Ele segue se encontrando com amigos na praia, em outras atividades”, justificou. Cauê confirma que tem gostado da rotina. “Pretendo continuar assim”, reforçou. Ao ser perguntado se não teme aprender menos do que os colegas, o garoto diz “nem pensar nisso”. “Cada um tem o seu tempo”, observou.

Especialistas divergem sobre decisão do Supremo

Especialistas ouvidos pelo Diário divergem em relação à desescolarização. O gestor do curso de Pedagogia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano), Nonato Assis Miranda, entende que a educação dos filhos é competência da família. “Se a família se vê em condição de dar a formação nos mesmos moldes da escola, não vejo problema”, frisou. O especialista entende a decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) como interferência exagerada do Estado na vida dos cidadãos, e defende que o papel do Estado seja o de fiscalizar o aprendizado destes alunos que optam por estar fora das escolas.

“Avaliações anuais seriam o bastante para atestar o desenvolvimento dos estudantes. Em casos onde o desempenho não estivesse adequado, a família poderia ser obrigada a matricular o filho em uma unidade de ensino”, defendeu o coordenador. Assis ponderou, ainda, que é uma discussão complexa e que precisa ser tratada com urgência pelo Legislativo. “É preciso dar uma resposta para as famílias que hoje adotam a educação domiciliar.”

Já o professor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Ocimar Alavarse, concorda com a decisão do STF. “Ainda que possamos ser sensíveis aos argumentos de quem defende essa opção, é preciso colocar na ‘balança’ e ponderar que o processo de escolarização dos indivíduos é também de socialização”, defendeu.

Sobre o argumento de que educando os filhos em casa é possível evitar questões como bullying e aspectos morais contrários ao entendimento familiar, como educação sexual nas escolas, Alavarse destaca que isso tudo também existe dentro das famílias. “A família não existe fora do contexto social. O mundo é hostil e as crianças devem ser preparadas para isso. Devemos é defender uma escolarização que também seja proteção para os males do mundo”, concluiu.

 

https://www.dgabc.com.br/Noticia/2941642/familias-que-adotam-educacao-domiciliar-temem-punicoes




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