Armadilhas na MP 934
AS ARMADILHAS QUE AINDA NÃO FORAM PERCEBIDAS NA MP 934
O que está além da EaD ?
Na semana passada, depois de quase três semanas do início do isolamento social e de outras ações para enfrentamento ao coronavírus, o governo federal apresentou a primeira medida para a área da educação.
A Medida Provisória 934 é pouco maior que um microtexto do twitter, mas, os problemas são do tamanho do Brasil – tanto em dimensão quanto em complexidade. Antes disso, em março, o Ministro da Educação, em uma ação desordenada liberou R$ 450 mi pra compra de itens de higienização diante da pandemia e assinou duas Portarias autorizando a substituição das aulas presenciais por atividades em meios digitais.
O conteúdo da MP 934 dispõe sobre 3 ações:
I) desobriga o cumprimento dos 200 dias letivos na educação básica;
II) desobriga o cumprimento dos dias letivos no ensino superior;
III) possibilita que os cursos de Medicina, Farmácia, Fisioterapia e Enfermagem possam ser abreviados.
Desde então, muito tem se falado e discutido sobre essa MP, mas, a partir de um único problema, o uso de abordagens da educação à distância para atividades escolares não presenciais. Sem desconsiderar a importância das discussões que estão sendo feitas e da seriedade do tema, arrisco-me a dizer que o EaD é “bode” colocado pelo governo federal para que nos colocássemos em um debate sem fim sobre o uso das tecnologias em atividades não presenciais, para que as outras questões passassem despercebidas. Sem querer esgotar o assunto ou assumir o lugar de quem diz a verdade, gostaria de levantar algumas questões que considero tão importantes quanto a utilização de abordagens de EaD, durante a pandemia.
1 - Jair Bolsonaro e Abraham Weintraub editaram uma medida provisória sem dialogar com nenhuma entidade da área da educação, nenhum movimento, sindicato ou especialista foi ouvido pelo governo federal. Foi uma ação desordenada e sem planejamento sistêmico de enfrentamento a uma crise que se assenta sobre um tripé formado pela questão sanitária, pela questão política e pela questão econômica. Com isso temos duas confirmações a inexistência de planejamento no MEC e a falta de competência e habilidade do Ministro para o diálogo.
2 – A União não assumiu nenhuma responsabilidad
I) Nenhuma orientação e nenhum apoio técnico foram encaminhados pelo MEC;
II) Nenhum recurso foi aprevisionado pela MP para a criação de programas de apoio para garantia do acesso à educação durante o período de suspensão das aulas e isolamento social. O governo federal, poderia por exemplo, ter realocado os R$ 54 milhões que estão previstos para a implantação das escolas cívico-militare
3 - Não existe nenhuma medida de proteção aos empregos e salários dos profissionais da educação na MP 934. Com a interrupção das atividades nas escolas e universidades (pois a MP trata destes dois sistemas), muitos profissionais contratados em regimes especiais como contratos temporários, substituições, processos seletivos além de profissionais terceirizados, principalmente aqueles que cuidam da limpeza, da alimentação e da manutenção dos espaços estão com seus empregos em risco e podem não receber os seus salários.
4 - No vácuo deixado pelo governo federal, estados e municípios retiram ainda mais direitos. Se já tínhamos um cenário de negação sistemática do direito à educação, com a MP 934 isto se torna ainda mais visível. O conteúdo da medida contribui, mais, para a desorganização da estrutura educacional brasileira do que contribui para uma ação emergencial em meio a crise, pois, desconsidera as características
5 - As desigualdades das condições de acesso não são consideradas pela Medida Provisória. Ao desobrigar o cumprimento dos calendários o governo federal desconsidera que a educação brasileira é constituída de uma pluralidade de contextos a partir da diversidade cultural, econômica, geográfica e climática. Uma medida padronizada, sem soluções planejadas e sem escalas gradativas é ineficiente e ineficaz. Cada estado e cada município terá que pensar soluções próprias e de acordo com o seu contexto e características
6 - A MP deslegitima e desrespeita a estrutura existente. Ao desobrigar imediatamente o cumprimento dos calendários, a Medida Provisória deslegitima a atuação dos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação e compromete a atuação destes órgãos na elaboração e formulação das orientações técnicas sobre como garantir o acesso com qualidade à educação, com base nos padrões mínimos que constam na LDB e no PNE. A MP também desrespeita a autonomia das instituições, sejam elas as de educação básica, as de educação profissional e tecnológica e as de ensino superior. São os profissionais da educação em seus respectivos conselhos e órgãos colegiados que devem pensar as formas de adaptação e organização dos calendários.
7 - Abreviar a formação deve ser a última estratégia, depois, de esgotada todas as outras e não a primeira e única ação. Pode parecer muito simples e prático permitir que estudantes dos cursos da área da saúde possam concluir sua formação para contribuir no atendimento a população. No entanto, isso deve ser feito depois de absorvidos todos os demais profissionais que já estão formados. Em seguida, deve-se diplomar aqueles estudantes que estão aptos a exercerem com responsabilidad
8 - A invisibilidade de medidas para os demais cursos de graduação e de formação profissional e tecnológica. O período de isolamento social e suspensão das aulas deve vai ter efeitos sobre todos os cursos de nível superior. Os impactos serão sentidos na formação de professores, pois, existem etapas importantes que são realizadas em cooperação com as escolas. Assim como ocorre a cooperação entre as instituições e a sociedade na formação de outros profissionais de áreas como psicologia e assistência social. Existe o impacto na formação de profissionais técnicos e isso implicará na capacidade de formulação de ações e estratégias em todas as áreas do conhecimento, a capacidade intelectual do país, seu capital científico estará comprometido e seus efeitos vão se desdobrar em ciclo de três a cinco anos. Mas, não existe nenhuma ação pensada para isso.
9 - A pós-graduação, a pesquisa e a ciência também estão comprometidas. Com o isolamento social e a interrupção das atividades públicas, milhares de projetos foram paralisados parcial ou totalmente. As ações planejadas nos projetos de pesquisa terão que ser readequadas, os cronogramas terão que ser revistos, mas, nenhuma ação para garantia da estabilidade da ciência e da produção do conhecimento foi anunciada até o momento.
Pelo contrário, o governo federal aproveitou para atacar a área científica com a Portaria nº 34 da CAPES e com a Portaria 1122 do MCTIC.
E o que deveria ter sido feito? Ao ser editada a Medida Provisória deveria ter previsto:
a) recursos para garantia da democratização do acesso a educação durante a pandemia;
b) apresentar um planejamento escalonado de acordo com a intensidade dos problemas locai;
c) tirar os obstáculos para que as redes possam trabalhar e se adaptar de acordo com as realidades locais e regionais;
d) apresentar um programa para evitar demissões dos profissionais nas instituições de ensino, garantindo emprego e salário;
e) suspender as avaliações censitárias de larga escala nas três esferas;
f) pensar diretrizes de avaliação distintas para esse período considerando as desigualdades das condições de acesso;
g) adiar o cronograma do ENEM para não prejudicar os alunos concluintes do ensino médio;
h) apresentar um programa de uso das tecnologias para que elas sejam utilizadas para manutenção dos vínculos e não para substituição das práticas escolares;
i) garantir que as atividades de reorganização dos calendários priorizem a educação presencial;
j) vedar a educação domiciliar e os projetos de mercantilização
As nossas ações precisam estar direcionadas na perspectiva do fortalecimento dos esforços que tem sido feito pelas entidades da área, dos movimentos sociais e sindicais, das instituições de ensino, de estudantes, das professoras e professores e das(os) profissionais da educação para a garantia do ensino e da aprendizagem com qualidade e sem desigualdades. E tudo isso precisa ser feito sem esquecer que precisamos trabalhar pela continuidade da discussão e votação do FUNDEB para torna-lo permanente e buscar a revogação das Portarias 34 da CAPES e 1122 do MCTIC, além de garantir o direito à saúde e a vida de toda a população enquanto o governo insiste com a sua política da morte.
Daniel Momoli
Movimento Popular Pedagógico Escola do Povo
Jornadas em Defesa da Educação Democrática e do Pensamento de Paulo Freire
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