As eleições de diretores
As eleições de diretores nas escolas estaduais do RS
Com uma concepção restrita de educação, mantém-se a eleição de diretores no esvaziamento de uma cultura escolar mais democrática.
por Juliana Hass Massena - 19/09/2024
A eleição de diretores tem sido um dos dispositivos que sustentam a gestão democrática da escola no Brasil. No entanto, o processo democrático não se esgota nela e precisa ser fortalecido pela participação. A Lei no. 16.088/2024, o Decreto nº 57.775/2024 e, mais recentemente, o Edital no. 01/2024 publicado pelo executivo estadual põem centralidade na figura do diretor, colocando na arena de disputas o seu papel e o aparato normativo que o circunda. Tal centralidade indica uma concentração de poder no interior da escola; a autonomia da escola pode ser entendida como a autonomia do diretor. Mais, estamos frente a disputas políticas por entendimentos diferentes de democracia.
O Edital nº 01/2024 para a seleção de diretores e vice-diretores da rede estadual gaúcha faz parte da implementação da nova Lei de Gestão Democrática, recém sancionada. Essa lei trouxe mudanças significativas no processo de escolha de diretores escolares, adotando critérios técnicos e de desempenho num processo de seleção. Tal movimento não é exclusividade da rede estadual gaúcha; a rede municipal de educação de Porto Alegre, por exemplo, tem nova regulamentação para eleição de diretores desde janeiro de 2020. Tal normativa responsabiliza exclusivamente os diretores pelos resultados dos estudantes em avaliações de larga escala sob o pretexto de garantir uma suposta qualidade educacional (Massena, 2023). Suposta porque estudos como o de Riscal (2016), mostram que as maiores médias do Ideb se referem às escolas em que os Conselhos Escolares sempre definem e validam os aspectos pedagógicos, financeiros e administrativos. Além disso, a pesquisa por ele realizada evidenciou outros fatores relacionados à gestão democrática que influem positivamente no Ideb.
E é interessante pensar nessa vinculação entre gestão e resultados escolares. Souza (2019) destacou que nas escolas com mais condições democráticas e pedagógicas os alunos apresentaram melhores resultados, indicando relação positiva entre ambientes democráticos e aprendizagem estudantil. No entanto, os últimos governos estaduais e municipais de Porto Alegre parecem não estar alinhados com as melhores práticas apontadas por pesquisas científicas. Além do já sabido sucateamento das escolas, do desmantelamento dos planos de carreira, da precarização do trabalho docente, da atomização dos processos, o esvaziamento dos espaços de participação e decisão coletivos atrelados a uma concepção de sociedade que se distancia da perspectiva de educação cidadã, na qual estão implicadas não só as condições da oferta educacional, mas sobretudo as condições de vida na cidade e no estado.
O Edital retoma a nova Lei de gestão democrática quanto às atribuições dos diretores e vices: representar, coordenar, apresentar e submeter, organizar, manter, gerir, dar conhecimento… Um escopo de gestor, numa perspectiva gerencialista, que coloca o diretor em posição de subordinação em relação à mantenedora. Também, na inscrição no processo seletivo, os candidatos podem indicar três escolas para atuação, possibilitando que o executivo crie um banco de recursos humanos, com “talentos” na área da gestão escolar. O risco? A consolidação de uma carreira de gestão, apagando a ideia de professor, de compromisso político-pedagógico no qual toda comunidade está implicada. Considerando essa mesma hipótese, amplia-se o tempo do mandato, de três anos para quatro anos com possibilidade de reconduções independentemente do número de mandatos.
No Edital no. 01/2024 os critérios técnicos e as avaliações objetivas passam a ter maior peso na escolha de diretores. A seleção prevista pelo edital consiste em 5 etapas; do curso autoinstrucional ao pleito eleitoral, aproximadamente 3 meses. Ainda, as mudanças foram apresentadas por meio de uma live no Youtube, sem espaço para debate. Houve um aligeiramento do processo? Ao que parece, sim. Nenhuma discussão com as comunidades escolares, com as universidades, no último trimestre do ano letivo. Professores que somos, sabemos das múltiplas e intensas demandas dessa época no ambiente escolar. Esse é o modus operandi autoritário da Seduc/RS (Saraiva; Chagas; Luce, 2022) – e o grande jogo político parece ser o da entrega de responsabilidades para a sociedade desorganizada, sem um claro projeto de mundo; cria-se um campo de disputa que limita e conforma a própria disputa. Da mesma forma, a escola!
O conteúdo das provas e a bibliografia indicada contemplam funções gerenciais, tipos de liderança (incluindo líder-coach), ferramentas para melhoria de desempenho de equipe, proatividade e feedback. Tais elementos possivelmente basearam-se na crença da irracionalidade em termos de gestão e no déficit de liderança, é latente um tipo de compreensão do fracasso escolar como decorrente da precariedade da administração de recursos e da gestão. Contudo, tenho outras hipóteses para esse dito fracasso: teria relação com a precariedade em termos de infraestrutura? Com o percentual muito significativo de contratos temporários em detrimento de profissionais efetivos – há apenas 41% de professores efetivos na rede (Brasil, 2023) (aliás, fator que impacta também nas eleições, considerando que somente profissionais efetivos estão aptos a concorrer)? Sobrecarga docente? Desvalorização da carreira (incluindo, obviamente, as questões salariais)? Questões para pensarmos…
Tendo sido aprovados na prova, os profissionais ao se inscreverem para a eleição, devem apresentar um plano de gestão para melhorar a qualidade da educação. Aqui, me repetirei: ora, poderá o diretor planejar e implementar ações que deem conta das condições da oferta educacional que sustentam uma educação de qualidade?
Não esqueçamos da nova Lei. Tudo indica que plano de gestão e projeto político-pedagógico serão entendidos como similares. Como instrumento de determinado mandato. De acordo com a Lei no. 16.088/2024, o projeto político-pedagógico será o principal instrumento de gestão de determinada equipe e não da escola. Logo, o projeto político-pedagógico não representará a expressão da autonomia da instituição com legitimidade administrativa na comunidade.
Por fim, a votação, quarta etapa do processo de seleção, será realizada no formato eletrônico, por meio de aplicativo criado para tal fim pela Seduc/RS. No entanto, o processo eleitoral ainda será regulamentado, por Portaria, a ser publicada em outubro. As normativas publicadas até agora não dizem do cálculo do resultado: será ele paritário? A acompanhar.
Com uma concepção restrita de educação, mantém-se a eleição de diretores no esvaziamento de uma cultura escolar mais democrática. Por enquanto, um “novo modelo de governança” que se utiliza do termo “gestão democrática” para aplicar algo que já vem estruturado em modelos antigos, sob uma nova configuração, ainda fortemente ligada ao modelo empresarial. Esse “novo modelo” pode implicar em pouca participação das comunidades nos processos decisórios, mascarando tensões, dissensos e disputas em torno de diferentes projetos de educação e sociedade.
(*) Doutora em Educação, Pós-doutoranda na Faced/UFRGS
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