As propostas do MEC para o NEM

As propostas do MEC para o NEM

As propostas do MEC para o Novo Ensino Médio. Entrevista com Ângela Chagas

Em vez de aulas de Química, uma disciplina com jogos de tabuleiro. No lugar de focar conteúdos ligados a Matemática, ser matriculado no currículo de Humanas, para que a escola equilibre as turmas. Essa tem sido a realidade dos alunos brasileiros desde a implementação do Novo Ensino Médio — um modelo que gerou tantas críticas a ponto de receber uma nova proposta de reformulação por parte do Ministério da Educação (MEC).

Aprovado em 2017, no governo Michel Temer (MDB), o Novo Ensino Médio estabelece no mínimo 3.000 horas de aulas, sendo 60% da carga horária com disciplinas regulares. Os outros 40% são formados por matérias optativas dentro de cinco grandes áreas do conhecimento, os chamados itinerários formativos. Pela lei, toda escola deve ofertar no mínimo duas opções de itinerários aos alunos.

“Mas essa não é a realidade”, diz Ângela Chagas, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Política e Gestão da Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “A gente tem uma aprendizagem desqualificada e os professores não receberam formação nenhuma”.

Seis anos depois da aprovação, o Novo Ensino Médio deve passar por mudanças. O MEC divulgou, no início de agosto, o resultado de uma consulta pública e, com base nos resultados, formulou sua proposta de reestruturação.

Em entrevista ao Desafios da Educação, Ângela Chagas aborda os principais pontos a serem alterados e seus impactos para estudantes, professores e escolas, além de falar sobre os percalços da educação básica no Brasil. Confira!

 

Estudantes secundaristas protestam pedindo a revogação do Novo Ensino Médio, na Avenida Paulista. Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

 

Por que o Novo Ensino Médio precisa de mudanças? O que não deu certo? O Novo Ensino Médio amplia a carga horária para 3.000 horas. Ou seja, mil horas em cada ano do ensino médio para ser introduzida a parte flexível do currículo, que é a dos itinerários formativos. Só que com isso houve uma redução da formação geral básica. Antes, havia 13 componentes curriculares que ocupavam as 2.400 horas e hoje temos apenas 1.800 horas para essa parte.

Se você for numa escola da rede pública, verá que os estudantes têm menos aula de Química, Física e Biologia. No Rio Grande do Sul, tivemos uma redução de Português e Matemática, que são os componentes centrais dessa reforma. Tudo isso para introduzir a parte flexível dos itinerários, que está sendo oferecida de forma desorganizada e com muitos problemas.

A oferta é desqualificada e os professores não receberam formação. São conteúdos que não têm aprofundamento ou embasamento científico. Então, é uma formação fragmentada e muito precária.

Podemos dizer que o ensino médio piorou? Na prática, o Novo Ensino Médio foi imposto de forma muito autoritária e desrespeitosa com os estudantes, principalmente com quem está na escola pública. Isso não quer dizer que antes era bom. Precisava de mudanças, tanto que havia uma série de discussões e tinha um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional.

Pesquisadores e entidades acadêmicas estavam mobilizados procurando construir uma proposta que realmente contemplasse os interesses dos estudantes. Mas tudo isso foi interrompido com o Novo Ensino Médio, que não dialoga com as necessidades dos alunos e que acaba precarizando ainda mais a aprendizagem.

O que muda com a nova proposta do MEC? Uma das principais mudanças — e é algo que atende a uma demanda de estudantes, pesquisadores e educadores — é a ampliação do tempo da formação geral básica. Antes tinha ficado em 1.800 horas e agora, pela proposta do MEC, chega a 2.400.

Também temos um avanço em relação a componentes curriculares. Eles apareciam só como estudos e práticas, que era uma coisa muito genérica. Então, não havia a obrigatoriedade da oferta de Artes, Educação Física, História, Geografia, Química.  A nova diretriz avança e traz de volta esses componentes curriculares. Mas ainda não está claro no texto da proposta do MEC como isso vai ser feito.

Ainda temos a redução dos chamados percursos formativos, que, em vez de cinco, serão três, trabalhando de forma mais articulada esses componentes curriculares. Acredito que isso ainda precisa avançar bastante, de forma a haver mais autonomia para construir os percursos formativos de acordo com a realidade de cada comunidade.

Qual ponto das novas propostas precisa de maior atenção? O que ainda preocupa é o quinto itinerário — a parte da formação técnico profissional — que, pela proposta do MEC, pode ficar com uma parte da formação geral básica menor de até 2.200 horas. Então, os estudantes que optarem em fazer esse itinerário não terão a mesma carga horária que os demais. Isso pode prejudicar lá na disputa por uma vaga na universidade e quando forem fazer o Enem e outros vestibulares.

No quinto itinerário tem outra questão problemática que é a educação a distância. O MEC retirou essa parte, que era muito criticada pelos estudantes e pelos especialistas, mas deixou uma possibilidade de 20% de EAD para quem vai fazer o itinerário.

A pasta manteve ainda a possibilidade de serem feitas parcerias privadas para a oferta desse quinto itinerário, inclusive fora das escolas. A preocupação que tenho e que compartilho com outros pesquisadores é que a oferta dessa formação técnico profissional seja feita de forma desarticulada da formação geral básica e em outros espaços que não sejam os escolares.

É possível ofertar uma formação técnico profissional de qualidade? Temos hoje no Brasil um exemplo muito positivo de formação técnico profissional, que é a oferecida nos Institutos Federais, onde há uma oferta integrada junto com o ensino médio. Então, o estudante está fazendo o curso técnico em Administração, por exemplo, mas tem uma formação sólida em Química, Física e Biologia. E essa formação é articulada. Esse seria um modelo ideal e que já é reconhecido.

Ângela Chagas. Crédito: Divulgação.

Como preparar as escolas para a implantação do Novo Ensino Médio? Quando falamos em reestruturação curricular, não adianta mudar se a escola não tem condições mínimas de infraestrutura e de quadro de professores para dar conta desse novo currículo. Foi um erro implementar o Novo Ensino Médio sem essas condições.

Já conseguimos ver nas propostas do MEC que essa é uma preocupação deste governo. Só que ainda não se sabe qual vai ser o montante de recursos disponíveis para garantir uma infraestrutura que dê conta das demandas que um ensino médio de qualidade exige.

O Novo Ensino Médio ressaltou as desigualdades entre escolas públicas e privadas? Sim, isso existe e é muito forte. As escolas particulares fizeram arranjos em torno da diretriz, mas mantiveram a formação geral básica dos estudantes para prepará-los para os vestibulares e o Enem, porque esse é o foco da maioria delas.

Já nas escolas públicas houve uma redução muito significativa da formação geral básica, que vai comprometer ali na frente esse estudante quando ele for fazer essas provas de ingresso na educação superior. O Novo Ensino Médio aprofundou muito as desigualdades educacionais dentro da própria sala de aula.

Pode dar um exemplo disso? Faço pesquisa em duas escolas da rede estadual do Rio Grande do Sul, uma localizada na região central de uma grande cidade e outra na zona periférica. E entre essas duas escolas, que são da mesma rede, existe um abismo porque a que está na área central tem melhores condições de infraestrutura.

Não estou dizendo que sejam condições ideais, mas são bem melhores. Tem um quadro de profissionais mais completo. Na escola periférica não tem nada.

Uma das premissas do Novo Ensino Médio era aumentar a liberdade de escolha do aluno. Qual a situação da oferta das trilhas de aprendizagem dentro das escolas? Nós fizemos um estudo sobre a oferta das trilhas do Novo Ensino Médio e constatamos que os estudantes que estudam no diurno têm acesso a mais opções. Já os do noturno praticamente não têm, 40% das escolas ofertam apenas uma trilha para esses estudantes.

Escolas com alunos de nível socioeconômico mais alto também têm mais opções. Isso ocorre porque boa parte dos estudantes das escolas públicas trabalham, têm empregos formais ou fazem alguns trabalhos para ajudar a família.

Como o Novo Ensino Médio impacta a rotina dos professores? Houve uma fragmentação da docência. Por exemplo, o professor que antes lecionava Biologia hoje tem apenas um período de aula em cada ano do ensino médio.

Para garantir a sua carga horária, esse docente teve que começar a dar aula de outras matérias, de componentes da parte flexível dos itinerários. Isso aumenta sua sobrecarga de trabalho, porque esse professor tem que preparar a aula de mais componentes curriculares, tem que pegar mais turmas, mais cadernos de chamada e mais atividades para corrigir.

O MEC precisa avançar nessa discussão, especialmente porque os professores seguem com salários muito baixos e defasados em relação a outras profissões com curso superior.

A ampliação da carga horária é um caminho para melhorar o ensino médio? Essa é uma questão importante, mas não adianta só ampliar a carga horária. Educação de qualidade envolve recursos. Há quem diga que o problema da educação não é falta de dinheiro, mas de gestão.

Claro que precisamos melhorar a gestão, mas precisamos, sim, de mais recursos. De profissionais que tenham um salário condizente com a sua responsabilidade, de escolas que tenham uma quadra de esportes… São várias questões que envolvem financiamento.

Então, temos que avançar nas questões curriculares e construir uma proposta sólida de formação geral básica, mas também precisamos de mais investimentos na educação pública.

FONTE:

https://desafiosdaeducacao.com.br/proposta-novo-ensino-medio/?fbclid=IwAR02zhPyBO-dSiyx4Z4PY9Sse-BnqibSePRSi2sz8LuQba_EBjZOK82OJXQ 




ONLINE
170