As universidades públicas são exemplo

As universidades públicas são exemplo

‘As universidades públicas são o exemplo de instituição que dá certo no Brasil’, diz reitora da UFCSPA

Mas Lucia tomou posse e terá pela frente mais quatro anos como reitora da UFCSPA. Um período de muitos desafios, a começar pelo corte de 18% no orçamento da universidade. Visto em perspectiva é mais fácil ter a dimensão das dificuldades econômicas: se em 2015 o orçamento de capital foi de R$ 20 milhões, em 2021 esse valor é inferior a R$ 1,5 milhão.

Nessa entrevista ao Sul21, a reitora comenta sobre as dificuldades do ensino remoto em cursos de saúde que tanto exigem a aula prática e prevê executar um projeto piloto de aula presencial quando as condições sanitárias melhorarem. “Todos os cursos fizeram sua priorização de quais são as disciplinas que trancam o curso se não forem feitas e estávamos começando quando veio a bandeira preta. Assim que a gente sair da bandeira preta, vamos retomar esse plano de retorno das aulas práticas, mas as aulas teóricas vão continuar em ensino à distância por bastante tempo ainda”, explica.

Integrante do comitê científico que assessora o governo de Eduardo Leite (PSDB), Lucia elogia o trabalho feito pelos diversos grupos técnicos que orbitam em torno das decisões do governador, sempre destacando o papel consultivo do comitê. Na prática, as decisões tomadas pelo governo nem sempre são aquelas sugeridas. Ainda assim, a reitora destaca a importância de ocupar o espaço e dizer o que deve ser dito, do ponto de vista científico, na gestão da pandemia.

A defesa veemente da educação é a principal característica que emerge durante a conversa por telefone, de cerca de 40 minutos, com Lucia Pellanda. “Eu não seria reitora se não acreditasse que a solução pro País é a educação. Somando quem faz pesquisa, quem faz extensão e quem forma profissionais de qualidade, são as universidades. O investimento de longo prazo nas universidades é o que pode nos tirar de qualquer crise”, afirma a reitora. E completa o pensamento citando um famoso discurso de Victor Hugo, na Assembleia de Paris, no século 19: “É justamente quando uma crise sufoca a nação que é preciso investir mais em educação, e não menos”.

Sobre a pandemia, a professora de epidemiologia brinca que cientistas estão acostumados a debater sobre o grau de incerteza das coisas, mas que a vacinação escapa dessa discussão. Vacinas funcionam e será com elas que o Rio Grande do Sul e o mundo se livrará da crise do coronavírus. O caminho até o tão esperado desfecho, no entanto, ainda será longo, principalmente no Brasil, com a contaminação fora de controle. “A gente vai precisar vacinar rapidamente e manter máscara, distanciamento e ventilação por um bom tempo, até que todo mundo seja vacinado, aí sim a gente consegue interromper a transmissão. A forma de sairmos dessa situação é com vacinação em massa e rápida.”

 

Leia a seguir a entrevista completa:

Sul21: Como a senhora projeta a próxima gestão como reitora da UFCSPA?

Lucia Pellanda: Sabemos que os desafios vão ser grandes. Todo o processo da eleição foi muito importante pra comunidade da UFCSPA e para nós, porque o exercício da democracia é muito bom, a gente pode mostrar o trabalho, discutir, ouvir, foi um processo que nos fortaleceu em termos de projeto e planos. Então nesse sentido a gente começa energizado.

Sul21: Como tem sido para uma universidade de saúde enfrentar a pandemia?

Lucia Pellanda: Quando nós assumimos em 2017, sabíamos que seria uma época desafiadora por questão orçamentária e toda a crise que já se demonstrava no País. Houve uma série de situações bem críticas, depois os cortes no orçamento e, por último, uma pandemia. Só que na crise a gente também acaba descobrindo nossas forças e com quem podemos contar, e a UFCSPA tem sido incrível na pandemia, assumiu um protagonismo, as pessoas da comunidade universitária foram de uma coragem… Lá em março do ano passado, quando a gente não sabia nada sobre esse vírus, as pessoas se dispuseram a ser voluntárias em pesquisa…então acho que a UFCSPA cresceu muito durante a pandemia, porque ninguém ficou parado, todo mundo dobrou o seu trabalho. E depois de uma discussão muito madura decidimos voltar às aulas, em ensino à distância (Ead), que é uma coisa muito ruim pra saúde, porque a gente não acha que dê pra ter curso de saúde em Ead, mas é uma situação emergencial.

Sul21: Como foi a adaptação do presencial para o ensino à distância?

Lucia Pellanda: Os professores fizeram um esforço muito grande pra converter o que fosse possível. A gente teve uma formação com mais de 50 encontros. Esse ano as aulas teóricas vão ter que continuar em Ead, não tem jeito, só que a gente começa a ter muito atraso nas aulas práticas. Nós tínhamos começado ano passado um projeto piloto de aulas práticas em pequenos grupos e a ideia já era estender. Todos os cursos fizeram sua priorização de quais são as disciplinas que trancam o curso se não forem feitas e estávamos começando quando veio a bandeira preta. Assim que a gente sair da bandeira preta, vamos retomar esse plano de retorno das aulas práticas, mas as aulas teóricas vão continuar em Ead por bastante tempo ainda.

Sul21: Quais outros desafios pela frente a senhora vislumbra?

Lucia Pellanda: Um dos desafios é a complexidade desse retorno, porque nossos laboratórios já têm pouco espaço físico, vai caber um terço ou um quarto dos alunos, o mesmo professor vai ter que repetir três ou quatro vezes a aula. Outro desafio é a questão dos recursos, o orçamento foi cortado em 18%, quando a gente mais precisa de orçamento pra essa retomada e porque estamos trabalhando muito na pandemia. Pra ter ideia, em 2015, nosso orçamento de capital foi de R$ 20 milhões, e esse ano é menos de R$ 1,5 milhão.

Sul21: Há quanto tempo vem ocorrendo a redução do orçamento?

Lucia Pellanda: Desde 2016 começou uma pequena redução, aí em 2017, 2018, 2019 e 2020 foi bem brutal.

Sul21: Qual sua análise sobre as críticas dirigidas às universidade públicas nos últimos anos e a resposta das instituições nesse grave momento da história do Brasil?

Lucia Pellanda: As universidade públicas são o exemplo de instituição que dá certo no Brasil. Pode ter todas as críticas que for, e óbvio que sempre temos o que melhorar, mas se olhar indicadores objetivos, em todos os rankings as universidades públicas são sempre as melhores. No Rio Grande do Sul temos uma situação privilegiada de universidades comunitárias que são excelentes também, mas na maior parte do País, as universidades públicas são responsáveis por praticamente toda a pesquisa que é feita. Eu não seria reitora se não acreditasse que a solução pro País é a educação. Somando quem faz pesquisa, quem faz extensão e quem forma profissionais de qualidade são as universidades. O investimento de longo prazo nas universidades é o que pode nos tirar de qualquer crise. Há um famoso discurso do Victor Hugo, na Assembleia de Paris, no século 19, em que ele diz: ‘É justamente quando uma crise sufoca a nação que é preciso investir mais em educação, e não menos’.

Então não tenho dúvida de que a educação é a solução pro País. Em termos de pesquisa é a garantia da soberania. A gente tem laboratório, tem equipe, tem inteligência dentro das universidades e institutos de pesquisas federais e estaduais com condições de fazer a vacina brasileira. Podia já estar fazendo desde o começo (da pandemia), precisava era de investimento. O investimento em pesquisa é uma coisa que se faz por anos, e quando começa a dar retorno, precisa manter o investimento. Um projeto 95% completo dá zero resultado, ele precisa ser 100% completo. Então desinvestir gera um prejuízo enorme. Cada real investido em pesquisa retorna em muitos reais.

Sul21: O governo Bolsonaro não indicou para o cargo vários reitores que venceram as eleições internas nas universidades e isso não aconteceu com a senhora. Como foi passar pela incerteza se seria mesmo reconduzida ao cargo de reitora da UFCSPA?

Lucia Pellanda: Foi um período difícil, de muita tensão, que prejudica nosso planejamento e formação de equipe. Tem acontecido situações de não ser escolhido o primeiro da lista, mas também de ser. A gente não tem explicação. O que eu posso dizer é que talvez eu sempre tive uma postura institucional, separo muito o que eu penso como pessoa do que o que a reitora coloca institucionalmente, uma postura de proteger muito a instituição, muita conciliação, parcerias, talvez por isso, mas também não posso dizer com certeza.

Sul21: A senhora integra o comitê científico que auxilia o governo estadual. Como avalia o trabalho do comitê e as decisões do governador Eduardo Leite na pandemia?

Lucia Pellanda: A gente tem bastante consciência de que o comitê é consultivo. O comitê tem sido muito consistente em sempre dizer quais são as evidências científicas de manejo da pandemia. Acho que foi muito importante lá no começo pra gente ter os resultados muito bons que o Rio Grande do Sul teve nos primeiros meses, um resultado destacado em relação ao resto do País. Mas a gente entende que há uma série de outras variáveis e muitos membros do comitê estão ali representando a instituição. Então, como instituição, é importante ocupar os espaços e estar ali pra dizer o que a gente acredita.

Como pessoa, às vezes a gente gostaria de ser mais ouvida, mas é diferente a posição pessoal e a posição institucional. Como instituição, a gente precisa estar lá e dizer. Depois, quais são as decisões, isso já é além do comitê. É um comitê muito bem conduzido, o secretário de Ciência e Tecnologia valoriza muito o trabalho do comitê e a gente faz o possível, um trabalho muito sério de revisão das evidências, mas sem nenhum papel decisório. São vários comitês: tem o científico, formado por representantes das universidades; tem o conselho de especialistas; tem o comitê de dados, formado por técnicos das secretarias de Planejamento e de Saúde, e que é um comitê composto por pessoas excelentes. Por isso que algumas vezes, quando vejo umas críticas a esses comitês, fico chateada, porque são pessoas que trabalham com desprendimento e muita competência, e muitas coisas que são atribuídas ao comitê não têm nada a ver com o comitê.

Todos os dados dos comitês são  discutidos no gabinete de crise, onde as decisões são tomadas e aí não é com a gente. Algumas vezes o governador faz o gabinete de crise ampliado e aí sim o comitê participa, a gente é ouvido e depois as decisões são tomadas independente da nossa fala, mas a gente ao menos é ouvido.

Sul21: O que podemos imaginar da pandemia no RS nos próximos meses?

Lucia Pellanda: A gente não precisaria ter chegado no ponto em que chegamos. Se tivéssemos tido uma consciência grande, se não tivesse havido tanta contradição entre as mensagens, não tivemos uma mensagem nacional unificada, foi muita contradição entre os poderes e setores, se tivéssemos tido um esforço conjunto como aconteceu em outros países, a gente não precisava ter tido medidas tão restritivas. Seguindo cuidados básicos como o uso de máscara, distanciamento e ventilação, é possível retomar muitas coisas sem crescimento grande dos casos. Agora depois que a transmissão está descontrolada, o remédio é muito mais amargo e demora muito mais para voltar ao normal.

Então a gente vai demorar pra voltar ao normal porque agora está descontrolado. Mesmo que a gente conseguisse um esforço muito grande, ainda iria demorar por uma certa inércia. É como um caminhão desgovernado, sem freio, lomba abaixo, até conseguir parar, demora, vai desacelerando, mas ainda anda um tempo. E com a adoção dos protocolos mais flexíveis desde a semana passada, a gente já tá sentindo uma pequena mudança na mobilidade e estamos em níveis muito críticos ainda. Embora tenha melhorado, as medidas restritivas funcionaram pra aliviar os leitos clínicos, só que ainda não é o momento de baixar a guarda. Se todo mundo se engajar, a gente consegue, mas tem que todo mundo se engajar. Essas mensagens contraditórias, as pessoas que não querem usar máscara, as aglomerações puxam muito a pandemia pra cima, os super-espalhadores têm papel importante nessa pandemia.

Sul21: Quando conseguiremos ver o controle da pandemia por meio da vacinação?

Lucia Pellanda: A vacinação é uma das poucas coisas que a gente tem certeza na ciência. Cientista sempre discute o grau de incerteza, mas a vacinação é uma das poucas coisas em que o grau de evidência é tão forte que é muito difícil contestar, então a vacinação funciona. Nós temos capacidade de organização pra vacinar muito rápido, já fizemos isso outras vezes. O fato da vacinação sozinha não estar mostrando um resultado espetacular quanto se imaginava, é que tem que ter vacinação mais os cuidados, até que um grande número de pessoas esteja vacinado, até que uma proporção suficiente de pessoas esteja vacinada, o resto tem que manter os cuidados. Aconteceu no começo de janeiro, com o pessoal que se vacinou e se descuidou e acabou se contaminando. A gente vai precisar vacinar rapidamente e manter máscara, distanciamento e ventilação por um bom tempo, até que todo mundo seja vacinado, aí sim a gente consegue interromper a transmissão. A forma de sairmos dessa situação é com vacinação em massa e rápida.

 

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