Ato de resistência dos palestinos

Ato de resistência dos palestinos

Ato de resistência: como palestinos usam educação para preservar história e identidade

A educação adquiriu uma posição central na vida dos palestinos em meio à destruição operada por Israel contra escolas, professores, jovens e crianças

Tradução: Ana Corbisier

O amor da Palestina pela aprendizagem é tão antigo como sua própria história. Os palestinos mantiveram durante muito tempo tradições culturais e educativas que remontam à antiguidade. O compromisso da Palestina com a educação é uma parte significativa de sua identidade. A resiliência dos palestinos reflete-se na inacreditavelmente alta taxa de alfabetização do país, que chega a 97,7 %.

Em seu livro Palestina através dos milênios: Uma história de revoluções literárias, de aprendizagem e educativas, o historiador palestino Nur Masalha escreve que a Palestina foi um lugar internacional central da educação clássica e da produção de conhecimento, florescendo em línguas como o sumério, o proto-cananeu, o grego, o siríaco, o árabe, o hebreu e o latim.

 

 

O livro de Masalha refuta a narrativa sionista de que a Palestina era “[um] ‘buraco negro’ de vacuidade, desprovido de alfabetização, cultura literária e educação”. Depois da Nakba ou ‘catástrofe’ (a colonização sionista da Palestina), a educação para os palestinos tornou-se ainda mais importante.

Adquiriu uma posição central na vida das pessoas e começou a ser utilizada como um potente ato de resistência. A educação serve como uma forma de afirmar a conexão histórica dos palestinos com sua terra natal.

Proteção a cultura

Os professores palestinos desempenharam um papel crucial na proteção da cultura ancestral de sua pátria e conseguiram transmiti-la com êxito às gerações futuras. Diante de uma ocupação brutal durante mais de sete décadas, os educadores palestinos “demonstraram de maneira contínua sua dedicação e compromisso, tanto nas salas de aula como no formato on-line, demonstrando que sua vontade nunca poderá ser conquistada”, afirmou o Ministério da Educação palestino em um comunicado.

“Os professores na Faixa de Gaza continuam educando os estudantes mesmo estando em centros de refúgio, enquanto seus colegas em Al-Quds (Jerusalém) desempenham um papel chave na preservação da autenticidade do currículo e da narrativa palestina. E em toda Palestina, os professores elegem a educação como um meio para a libertação e para enfrentar todas as tentativas de socavar a identidade nacional palestina”, indicou o Ministério, elogiando os professores palestinos na véspera do Dia dos Professores Palestinos do ano passado.

 

O contínuo bombardeio israelense sobre a sitiada Faixa de Gaza desde 7 de outubro de 2023 tornou impossível que o povo de Gaza celebre neste ano o Dia dos Professores Palestinos, que se comemora em 14 de dezembro.

Quase 45 mil palestinos, a maioria mulheres e crianças, foram assassinados pelo regime israelense em sua guerra genocida contra Gaza desde outubro do ano passado. Muitas destas vítimas foram professores, tanto homens como mulheres.

Os professores de Gaza

Em sua campanha genocida em Gaza, o regime israelense atacou os professores palestinos, intelectuais e acadêmicos em uma tentativa de calar a voz da resistência.

Segundo o Observatório Euro Mediterrâneo de Direitos Humanos (Euro-Med Monitor), um grupo com sede em Genebra, o exército israelense atacou deliberadamente figuras acadêmicas, cientistas e intelectuais no território costeiro.

 

 

“Em Gaza, foram os escritores, professores e poetas que romperam o cerco militar de Israel: não fisicamente, e sim com o poder de suas histórias, palavras e narrativas. Afirmaram que Gaza e sua gente existem, com sonhos, aspirações e um amor pela vida, igual ao resto de nós. Que resistirão a seus colonizadores até poder viver livremente”, escreveu Samar Saeed, cofundadora de PalPrep, uma organização que sensibiliza sobre a Palestina, em um artigo recente.

Os educadores consideram o assassinato deliberado de educadores e intelectuais palestinos por parte de Israel como uma tentativa de eliminar sua influência sobre a geração mais jovem. É uma ferramenta utilizada pelo regime para arrebatar o senso de propósito, esperança e fortaleza que os professores palestinos imbuem em suas comunidades.

Obituários

Os obituários dos estudantes para seus mentores refletem a profunda influência dos professores palestinos em seus alunos.

“A aula de Refaat Alareer era mais que um espaço acadêmico; era um refúgio onde se cultivavam e imaginavam os sonhos de libertação, onde se alimentava a alma, e que gerava esperança, força e um compromisso com a resistência”, escreve Yousef M. Aljamal, aluno de Alareer. Alareer, conhecido como o querido professor de inglês e poeta de Gaza, também reconhecido internacionalmente por seus escritos, foi assassinado pelas forças do regime de apartheid em dezembro do ano passado

O Dr. Sufyan Tayeh, um físico de renome mundial, classificado entre os dois por cento superiores dos pesquisadores científicos em nível mundial em 2021 pela Universidade de Stanford, foi assassinado pelo regime israelense no ano passado. É recordado como uma inspiração para inumeráveis estudantes de todo o mundo. “Tayeh foi um mentor e fonte de inspiração para vários pesquisadores que chegavam ao Centro Internacional de Física Teórica (CIFT). Hoje, vários jovens cientistas da região estão em nosso campus e se encontram profundamente consternados”, disse Atish Dabholkar, diretor do CIFT, sobre o Professor Tayeh.

Em uma homenagem a sua mestra, Sara Tamer escreveu: “Minha querida professora e amada mártir, Hadeel Abu Al-Roos, tinha um estilo único em tudo. Era verdadeiramente excepcional. Estamos muito agradecidos por teus esforços e teu amor por nós. Sentiremos falta de teu humor, tua atitude e tua alegre maneira de falar”.

 

 

Hadeel Abu Al-Roos, professora de física, foi assassinada em outubro do ano passado, quando um avião de guerra israelense atacou sua casa na parte norte do território bloqueado. Apesar de terem assassinado centenas de professores em toda a Faixa de Gaza e na Cisjordânia ocupada nos últimos 14 meses, os especialistas acreditam que as forças de ocupação tentam em vão romper a resistência manifestada por meio da educação.

“Refaat é uma ideia, e seu legado continuará. Há milhares de Refaats, contando histórias para lá de Gaza”, diz Aljamal. Saeed acredita que, apesar de todos os “poetas, educadores e intelectuais que Israel assassinou desde 1948, milhares continuam existindo, comprometidos com a Palestina, arriscando tudo para garantir que sua voz seja ouvida”.

O “Escolasticídio” na Palestina

Segundo as cifras fornecidas em novembro pelo Ministério da Educação palestino, Israel matou mais de 12 mil estudantes e feriu 19 mil na Faixa de Gaza e na Cisjordânia ocupada desde 7 de outubro de 2023. Cerca de 444 professores e administradores educativos foram assassinados e 2.491 foram feridos em Gaza. Quase 120 professores universitários e administradores educativos foram assassinados pelas forças do regime, enquanto 1.221 foram feridos.

Na Cisjordânia ocupada, os dados do ministério indicam que três professores foram assassinados, 17 feridos e 153 presos, inclusive nove administradores universitários. Pelo menos 697 estudantes universitários foram assassinados, e 1.523 mais ficaram feridos em Gaza, enquanto 35 estudantes foram assassinados e 130 feridos, além dos 229 estudantes presos na Cisjordânia ocupada durante o mesmo período, segundo o informe do Ministério da Educação palestino.

 

 

A guerra genocida israelense em Gaza está privando 88 mil estudantes de sua educação universitária e 700 mil estudantes de primário e secundário de frequentarem a escola. Mais de 90% das escolas foram destruídas, e todas as 11 universidades e bibliotecas de Gaza foram bombardeadas na faixa costeira. O exército de ocupação israelense assaltou e vandalizou 91 escolas e sete universidades na Cisjordânia ocupada durante o último ano.

Os especialistas consideram esta destruição sistemática da educação, que é tão valiosa para a sociedade palestina, por parte das forças do regime israelense de apartheid, como um “escolasticídio”. “O papel e o poder da educação em uma sociedade ocupada são enormes. A educação propõe possibilidades e abre horizontes. A liberdade de pensamento contrasta marcadamente com o muro do apartheid, os postos de controle que atam, as prisões que afogam”, recalca a Dra. Karma Nabulsi, professora que criou o termo “escolasticídio” em 2009.

Cifras impactantes

Save the Children, uma ONG dedicada aos direitos das crianças, considerou as cifras impactantes. “As imagens de satélite mostram a magnitude do bombardeio sobre centenas de escolas. O Direito Internacional Humanitário (DIH) outorga uma proteção geral às escolas contra ataques diretos: um ataque direto contra uma escola viola regras e constitui uma violação do DIH”.

A organização humanitária acrescenta que os ataques contra as escolas são uma grave violação contra as crianças. “A destruição mostrada também demonstra o impacto devastador e duradouro sobre a aprendizagem de uma geração de crianças. Sua aprendizagem já foi interrompida devido a este conflito. Mas uma vez que cessem as hostilidades, não terão escolas às quais regressar”, observou.

 

 

A mesma preocupação é expressa por Sabina Bergholm, diretora nacional de Fin Church Aid (FCA).

“As escolas nunca devem ser o objetivo dos bombardeios. Durante a guerra em Gaza, as escolas também foram utilizadas como refúgios para os refugiados. Os ataques às escolas mataram e feriram uma grande quantidade de civis. Quando terminar a guerra, também será difícil retomar o ensino nas escolas, porque ou não há escolas, ou foram danificadas no conflito”, acentuou.

FONTE:

https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/ato-de-resistencia-como-palestinos-usam-educacao-para-preservar-historia-e-identidade?utm_campaign=boletim_diario_1912&utm_medium=email&utm_source=RD+Station 




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