Atraso da Ciência sob Bolsonaro

Atraso da Ciência sob Bolsonaro

Janine Ribeiro vê o atraso da Ciência sob Bolsonaro

Gabriel Brito, em Outra Saúde

14/10/2022

 

O des­monte da ad­mi­nis­tração pú­blica e dos ins­tru­mentos de pro­moção do de­sen­vol­vi­mento chega a tal nível que até al­gumas de­ci­sões es­can­da­losas passam ao largo. É o caso da Me­dida Pro­vi­sória 1136/22, que con­tin­gencia por cinco anos o or­ça­mento do Fundo Na­ci­onal de De­sen­vol­vi­mento da Ci­ência e Tec­no­logia (FNDCT), edi­tada em 29 de agosto. “A MP é a me­tá­fora do Brasil atual”, re­sume Re­nato Ja­nine Ri­beiro, pre­si­dente da So­ci­e­dade Bra­si­leira para o Pro­gresso da Ci­ência (SBPC), em en­tre­vista ao Outra Saúde.

“O go­verno tem ou­tras pri­o­ri­dades, que não são edu­cação, saúde, cul­tura, meio am­bi­ente, tec­no­logia”, pontua ele. “Assim, produz muito atraso porque nem a eco­nomia cres­cerá e nem iremos formar mão de obra qua­li­fi­cada. Não só deixa-se de cons­truir o fu­turo como perde-se o pas­sado já cons­truído.”

A me­dida li­mita a exe­cução do or­ça­mento de 2022 do FNDCT, es­ti­pu­lado em R$ 9 bi­lhões, a R$ 5,5 bi e tem um ca­ráter pro­gres­sivo: per­mi­tiria exe­cução de 58% em 2023, 68% em 2024, 78% em 2025, 88% em 2026 e 100% em 2027.

Ou seja, só no pri­meiro ano pos­te­rior ao pró­ximo man­dato pre­si­den­cial o Fundo po­deria re­tomar a to­ta­li­dade do seu or­ça­mento, que já é baixo para os de­sa­fios de se cons­truir uma eco­nomia mo­derna e in­clu­siva.

A SBPC li­dera o pro­testo contra a MP, ao lado de ou­tras en­ti­dades do campo ci­en­tí­fico, e tenta fazer o Con­gresso der­rubar o veto pre­si­den­cial. Mas o es­trago para este ano pa­rece ir­re­ver­sível.

Em ma­ni­festo, a co­mu­ni­dade ci­en­tí­fica ex­plica de que ma­neira os re­cursos serão dis­tri­buídos: “dos R$ 5,5 bi a exe­cutar, me­tade se des­tina às ope­ra­ções de em­prés­timos da FINEP (Fi­nan­ci­a­dora de Es­tudos e Pro­jetos), com im­pactos no setor in­dus­trial do país, e a outra para o fi­nan­ci­a­mento de pro­gramas, es­tra­té­gias e fo­mento à ci­ência, tec­no­logia e ino­vação (CT&I)”. Es­tima, também, que para 2022, os va­lores em­pe­nhados de cerca de R$ 2,7 bi­lhões não serão exe­cu­tados. “Pune-se as ins­ti­tui­ções por serem efi­ci­entes no uso e trans­pa­rência dos re­cursos pú­blicos.”

A MP, além de tudo, con­traria algo que já havia sido de­ba­tido e vo­tado no Con­gresso. No ano pas­sado, foi apro­vada a Lei Com­ple­mentar 177/21, com o exato in­tuito de blindar o or­ça­mento da área de Ci­ência, Tec­no­logia e Ino­vação. Na con­versa com o Outra Saúde, Ja­nine Ri­beiro, que também é ex-mi­nistro da Edu­cação, elu­cidou o modus ope­randi usado por Bol­so­naro para sa­botar po­lí­ticas pú­blicas.

“O Con­gresso aprova uma lei, o go­verno veta, o Con­gresso der­ruba o veto, algo raro por re­querer muitos votos nas duas casas. Der­ru­bado o veto e pro­mul­gada a lei, o pre­si­dente baixa uma MP que, na prá­tica, im­pos­si­bi­lita a exe­cução da lei.”

Como de­fen­dido pelas en­ti­dades do setor, trata-se de mais um pro­jeto re­pre­sen­ta­tivo da con­cepção de so­ci­e­dade do bol­so­na­rismo. Para fi­nan­ciar suas bases de apoio par­la­mentar e ga­rantir au­mentos de sa­lá­rios de uma bu­ro­cracia recém-ins­ta­lada no Pa­lácio do Pla­nalto, rifa-se o fu­turo. Mas como Ja­nine ex­plica, não só o fu­turo, pois o pas­sado também é ati­rado no lixo: o que foi in­ves­tido em qua­li­fi­cação de pes­soas é en­tregue de ban­deja a ou­tros países, uma vez que di­versos pes­qui­sa­dores e pro­fis­si­o­nais não po­derão se­guir com suas car­reiras no Brasil.

“O pa­tamar atual já está des­fal­cado de va­lores”, de­fende Ja­nine Ri­beiro. “De acordo com as pró­prias leis e a Cons­ti­tuição, de­ve­riam ser mai­ores. Há inú­meras ins­ti­tui­ções, uni­ver­si­tá­rias e de go­verno, que estão sendo des­cui­dadas e per­dendo fi­nan­ci­a­mento. Pre­ci­samos da cer­teza de que o país re­to­mará e au­men­tará o pa­drão de qua­li­dade”.

Para isso, deve-se sair da de­fen­siva. Não só ga­rantir o or­ça­mento que Bol­so­naro tenta des­viar para suas obs­curas tran­sa­ções po­lí­ticas como in­vestir cada vez mais neste setor-chave na su­pe­ração do pa­drão pri­mário-ex­por­tador e de­pen­dente da eco­nomia bra­si­leira, num con­texto de ins­ta­bi­li­dades ge­o­po­lí­ticas, sa­ni­tá­rias e am­bi­en­tais.

“CT&I é uma das prin­ci­pais ala­vancas para o fu­turo da eco­nomia. A saída não é eco­no­mizar em sa­lá­rios de ser­vi­dores, em fi­nan­ci­a­mento à saúde, à edu­cação ou ao meio am­bi­ente. Pre­ci­samos de ci­ência em­bu­tida na pro­dução. Qua­li­fi­cação da mão de obra. Isso re­quer me­lhor nível edu­ca­ci­onal e de­vemos au­mentar subs­tan­ci­al­mente o nú­mero de pes­soas no en­sino su­pe­rior, in­clu­sive em mes­trado e dou­to­rado. Um cír­culo vir­tuoso que tem no FNDCT um de seus ins­tru­mentos prin­ci­pais.”

Fique com a en­tre­vista com­pleta.

Como você re­cebeu a MP 1136/22, que con­tin­gencia pra­ti­ca­mente me­tade do or­ça­mento do ano do FNDCT, isso após apro­vação a duras penas da LC 177/21? Qual a mo­ti­vação dessa ini­ci­a­tiva, a seu ver?

Ime­di­a­ta­mente após a edição da MP an­ti­ci­ência, re­a­gimos. Pu­bli­camos um do­cu­mento as­si­nado por vá­rias en­ti­dades da ci­ência afi­li­adas à SBPC em pro­testo. Ten­tamos falar com o pre­si­dente do se­nado para que de­vol­vesse a MP ao exe­cu­tivo, por ser ab­so­lu­ta­mente in­cons­ti­tu­ci­onal.

Tanto nesta MP como na MP 1135, o go­verno faz o se­guinte: o Con­gresso aprova uma lei, o go­verno veta, o Con­gresso der­ruba o veto, algo raro por re­querer muitos votos nas duas casas. Der­ru­bado o veto e pro­mul­gada a lei, o pre­si­dente baixa uma MP que na prá­tica im­pos­si­bi­lita a exe­cução da lei. É uma ma­neira de der­rubar um pro­ce­di­mento cons­ti­tu­ci­onal que per­mite ao Con­gresso der­rubar veto pre­si­den­cial.

O go­verno des­cumpre sua obri­gação cons­ti­tu­ci­onal de fi­nan­ciar a ci­ência e pre­ju­dica se­ri­a­mente os in­te­resses do Brasil ao atrasar o co­nhe­ci­mento ri­go­roso no país. Ele tem ou­tras pri­o­ri­dades, que não são edu­cação, saúde, cul­tura, meio am­bi­ente, tec­no­logia. Assim, produz muito atraso porque nem a eco­nomia cres­cerá e nem iremos formar mão de obra qua­li­fi­cada.

São mais de 70 pro­jetos em an­da­mento que se­riam pre­ju­di­cados. O que será do fi­nan­ci­a­mento da ci­ência e tec­no­logia caso o cro­no­grama de con­tin­gen­ci­a­mento pre­visto até 2027 se cumpra?

Serão e já estão sendo im­pactos tre­mendos. Quando não se dá con­ti­nui­dade a um de­ter­mi­nado em­penho perde-se o es­forço já feito. Não só deixa-se de cons­truir o fu­turo como se perde o pas­sado já cons­truído. Por exemplo, um la­bo­ra­tório com es­pé­cies vivas. Seu custo de ma­nu­tenção é baixo em re­lação à pró­pria cons­trução e reu­nião de ma­te­rial. Eco­no­miza-se uma des­pesa pe­quena e mata-se o que está lá dentro há dé­cadas.

E o que per­derá o país, a longo prazo? O que o con­tin­gen­ci­a­mento de verbas re­vela mais am­pla­mente a res­peito do atual bloco po­lí­tica que go­verna o país?

Essa é a me­tá­fora do Brasil nas di­versas áreas. Tudo que foi cons­truído ao longo de de­zenas de anos e até sé­culos está sob sério risco. O Brasil perde seu fu­turo e cada ano de des­truição deve de­mandar dois ou três para re­cons­trução. Te­remos de dar novas ga­ran­tias para ci­ência, saúde, edu­cação, cul­tura, tec­no­logia. In­fe­liz­mente, no­tamos que as leis não estão sendo res­pei­tadas.

Re­vela-se que o atual bloco po­lí­tico não tem in­te­resse ne­nhum no fu­turo do país e na sua me­lhoria, apenas em re­pro­duzir in­te­resses par­ti­cu­lares, com au­mentos de sa­lá­rios e verbas para po­lí­ticos do grupo as­so­ciado.

Fi­nan­ciar o FNDCT é uma forma de re­co­locar o país no rumo de toda uma re­to­mada econô­mica que pre­cisa ser em­pre­en­dida?

É uma das prin­ci­pais ala­vancas para o fu­turo da eco­nomia. Não se deve eco­no­mizar em sa­lá­rios, em fi­nan­ci­a­mento à saúde ou meio am­bi­ente. Pre­ci­samos de ci­ência em­bu­tida na pro­dução. Qua­li­fi­cação da mão de obra.

Isso re­quer me­lhor nível edu­ca­ci­onal e de­vemos au­mentar subs­tan­ci­al­mente o nú­mero de pes­soas no en­sino su­pe­rior, in­clu­sive em mes­trado e dou­to­rado.

Temos de criar um cír­culo vir­tuoso que tem no FNDCT um de seus ins­tru­mentos prin­ci­pais.

O que vocês da SBPC es­peram ver em pauta no setor no pró­ximo man­dato pre­si­den­cial? É pos­sível am­pliar o fi­nan­ci­a­mento do setor em vez de apenas mantê-lo no pa­tamar atual?

É pos­sível e ne­ces­sário. O pa­tamar atual já está des­fal­cado de va­lores que pelas leis e a Cons­ti­tuição de­ve­riam ser mai­ores. Há inú­meras ins­ti­tui­ções, uni­ver­si­tá­rias e de go­verno, que estão sendo des­cui­dadas e per­dendo fi­nan­ci­a­mento.

Pre­ci­samos da cer­teza de que o país re­to­mará o pa­drão de qua­li­dade que já teve e pre­tende au­mentar. Che­gamos a um nível bom nos go­vernos Lula e Dilma, com mais pro­dução de co­nhe­ci­mento, mais pu­bli­cação ci­en­tí­fica, mais pes­soas com mes­trado e dou­to­rado. Mas pre­ci­samos ir além daqui pra frente.

Ga­briel Brito é re­pórter do Outra Saúde, onde esta ma­téria foi ori­gi­nal­mente pu­bli­cada, e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

 

https://correiocidadania.com.br/2-uncategorised/15256-janine-ribeiro-ve-o-atraso-da-ciencia-sob-bolsonaro 




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