Aumento de armas e crimes
Para pesquisadores, relação entre aumento de armas e crescimento do crime é quase consenso
Ao analisar 61 estudos sobre o tema, pesquisador aponta aumento de riscos; outros fatores ainda contribuem para determinar efeitos na sociedade
Dimitrius Dantas e Tiago Dantas 18/01/2019
Militares destroem armas apreendidas Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
SÃO PAULO - Quanto mais armas de fogo, mais possibilidade de aumento dos crimes . Pelo menos é esse o consenso dos pesquisadores sobre o tema, de acordo com uma análise que reuniu mais de 61 estudos internacionais sobre o controle do acesso a armas e sua relação com a violência . Mas isso não quer dizer que, após o decreto do presidente Jair Bolsonaro, a violência vai crescer. A constatação é explicada por especialistas na área ouvidos pelo GLOBO: a realidade sobre a segurança pública é muito mais complexa e depende de muitos fatores diferentes.
A tese é corroborada por um documento produzido pela Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência em junho de 2018. Nele, especialistas apontam outros fatores que podem influenciar na taxa de crimes, segundo evidências encontradas pela pesquisa científica. Entre eles estão desde a iluminação pública a até mesmo a alíquota do imposto sobre bebidas alcoólicas.
Professor do Insper e da Unicamp, Thomas Conti é autor de “Dossiê Armas, Crimes e Violência: o que nos dizem 61 pesquisas recentes”. No seu trabalho, Conti reuniu os estudos mais recentes e relevantes sobre a relação entre acesso a armas de fogo e a taxa de crimes. O resultado aponta uma clara direção nas pesquisas da área: 90%constatam que mais armas geram mais crimes.
— Praticamente existe um consenso científico, o que é diferente de unanimidade. Há um entendimento cada vez mais comum entre os especialistas na área de que mais armas levam a mais crimes — diz Conti.
Memorando da PF diz que aumento no número de armas pode trazer 'nefastas consequências'
Texto do chefe da divisão de controle de armas foi enviado para delegados de todo país
Bela Megale e Daniel Gullino 17/01/2019
BRASÍLIA — Um memorando da Polícia Federal (PF) afirma que um “aumento exagerado do número de armas em poder dos cidadãos” pode ter “nefastas consequências”. O texto é assinado pelo delegado Éder Rosa de Magalhães, chefe da Divisão Nacional de Controle de Armas de Fogo (DARM) da PF, e foi enviado na quarta-feira para delegados de todo o país que atuam no controle de armas de fogo.
No documento, o delegado faz um resumo das mudanças impostas pelo decreto editado na terça-feira pelo presidente Jair Bolsonaro , que flexibilizou a posse de armas no Brasil. A observação sobre as consequências do aumento do número de armas foi feita ao explicar que todo cidadão poderá ter acesso a quatro armas, mas que é possível exceder esse limite caso existam “outros fatos e circunstâncias” que justifiquem a necessidade. Nesses casos, Éder ressalta que é necessário realizar uma “análise aprofundada”.
“Desse modo, nos requerimentos voltados à aquisição de mais de quatro armas de fogo, deverá haver uma análise aprofundada voltada a sopesar a ‘efetiva necessidade’ prevista na Lei nº 10.826/2003 para aquisição e transferência de armas de fogo, haja vista as nefastas consequências que um aumento exagerado do número de armas em poder dos cidadãos pode acarretar à incolumidade pública”, escreveu.
O decreto assinado por Bolsonaro afirma que esse limite de armas pode ser superado “conforme legislação vigente”. A norma atual, expedida por portaria de 1999 do Exército, estabelece a quantidade máxima de seis armas, especificando os modelos e calibres. São duas curtas e quatro longas (sendo duas de alma lisa e duas de alma raiada).
O memorando também afirma que a PF não precisará fiscalizar se as casas onde moram crianças ou adolescentes terão um cofre — uma das exigências do decreto — e diz que será disponibilizado no site da corporação um modelo da declaração que as pessoas nessa situação deverão apresentar.
Estatal de armas espera aumento de 10% nas vendas ao setor privado
Com cinco fábricas, Imbel planeja sair da dependência do Tesouro Nacional
Cleide Carvalho 16/01/2019
SÃO PAULO - A Indústria de Material Bélico do Brasil ( Imbel ), estatal de armas vinculada ao Comando do Exército, estima um aumento de 10% nas vendas de arma ao mercado privado em decorrência do decreto assinado nesta terça-feira pelo presidente Jair Bolsonaro . Uma das 18 empresas estatais dependentes do Tesouro Nacional, a Imbel registrou faturamento recorde no ano passado (de R$ 175 milhões, 17% a mais do que em 2017), e aguarda novas medidas destinadas a incrementar os segmentos de defesa nacional e segurança pública para planejar aumento na produção. Atualmente, o mercado privado responde por 36% das vendas. Defesa e segurança correspondem a 32% cada.
— Nossa meta é conquistar sustentabilidade, gerar recursos para investimentos e sair da dependência do governo — afirma Marcel Muniz, responsável pela comunicação da Imbel.
A empresa passou a ser dependente do Tesouro Nacional em 2008. Com finalidade principal de prover as Forças Armadas, a Imbel sofreu com o contingenciamento de verbas públicas e entrou em situação financeira crítica. Atualmente, é considerada de baixo grau de dependência. Agora, com a sinalização de valorizar as Forças Armadas dada pelo presidente, a estatal espera por aumento de encomendas, principalmente do Exército, da Força Nacional (ligada agora ao Ministério da Justiça), e das secretarias de segurança dos estados.
No mercado de armas, a estatal é reconhecida pela fabricação de armas de alta precisão e resistência, destinadas a clientes institucionais. Com cinco fábricas — a de armas fica em Itajubá, Minas Gerais — a Imbel fabrica também explosivos e atende ao mercado de atiradores credenciados pelo Exército, conhecidos pela sigla CAC, que reúne colecionadores, atiradores e caçadores. O mercado privado de explosivos é formado por mineradoras, construtoras e empreiteiras de obras públicas.
Segundo Muniz, o maior crescimento em 2018 ocorreu na demanda por explosivos, mas a expectativa pela flexibilização da posse e porte de armas refletiu também no setor de armas.
A empresa atingiu em 2018 recorde na produção de explosivos, passando de 766 mil quilos para 1 milhão de quilos (o mercado não utiliza a medida de toneladas). O recorde foi batido na fábrica de Piquete, no Vale do Paraíba, em São Paulo, mas a empresa tem também uma unidade em Magé (RJ).
O carro-chefe para o mercado privado são as pistolas .380, mas a Imbel não informa a quantidade de armas comercializadas.
Estratégia
A estatal tem, desde 2015, um plano estratégico para deixar de ser dependente do Tesouro Nacional. A iniciativa implica na modernização das fábricas e desenvolvimento de projetos em convênio com outras empresas. Por meio do Centro Tecnológico do Exército Brasileiro (Cetex), a Ibel participou do convênio com a Gespi, que desde 2012 tem 40% de seu capital nas mãos da israelense Rafael, uma das maiores empresas de segurança de Israel. Na época, e Imbel fez o carregamento da munição para um tipo de armamento antitanque, destinado ao mercado externo. Segundo Muniz, a participação, na época, foi o carregamento de 150 granadas com explosivo.
A empresa também participa junto com o Cetex, por meio de convênio, para desenvolvimento de rádios de comunicação militares, em parceria com a Rohde & Schwarz, com sede na Alemanha, uma das maiores empresas do mundo de tecnologia da informação e comunicação.
A Imbel não exportou nos últimos anos, mas tem uma parceira com a empresa MacJee, do setor de defesa, cuja meta é intermediar vendas para o mercado internacional. Os negócios, porém, só poderão ser concretizados com a anuência dos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores.
Entre as 18 estatais dependentes do Tesouro Nacional, a Imbel tem a média de remuneração mais baixa, de R$ 2.200 — a segunda mais baixa é a CPTU, com R$ 6,6 mil. No total, emprega 2 mil funcionários, incluindo a sede, que fica em Brasília. O maior efetivo (600 pessoas) fica na fábrica de Itajubá.
Nomes importantes do governo Bolsonaro acompanham o desenvolvimento da Imbel. O general Augusto Heleno, por exemplo, já chefiou o Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército e sempre defendeu que a estatal estava capacitada tecnicamente para desenvolver equipamentos de ponta para o setor de defesa. O general Aléssio Ribeiro Souto, integrante da equipe que desenhou o plano de governo de Bolsonaro, já foi chefe do Centro Tecnológico do Exército e Assessor Especial do Departamento de Ciência e Tecnologia para Assuntos da Imbel no Ministério da Ciência e Tecnologia.