Aumento nas contas básicas com ICMS
Dieese estima em R$ 790 aumento anual nas contas básicas com ICMS proposto por Leite
Cálculo leva em conta energia elétrica, água, telefone, condomínio, aluguel e creche, não contabilizando alimentação, combustível, higiene, vestuário e outros serviços
22/4/24 - Luís Gomes
O governador Eduardo Leite apresentou no dia 11 de abril a proposta de aumentar a alíquota modal de ICMS de 17% para 19%, como parte de um novo pacote de estímulo ao desenvolvimento econômico e à sustentabilidade fiscal, focado em três eixos: regularidade e conformidade tributária, incentivo à competividade e sustentabilidade fiscal. O Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) simulou o impacto do aumento da alíquota de ICMS nos preços médios de energia elétrica, água, telefone, condomínio, aluguel e creche. Somente nesses itens, o custo adicional para o consumidor em 12 meses será de R$ 790,86 (ver quadro abaixo), não levando em conta despesas com alimentação, combustível, higiene, vestuário e outros serviços.
O pacote é a terceira tentativa de Eduardo Leite de solucionar problemas de arrecadação do Estado a partir de revisão de impostos. No ano passado, ele encaminhou um projeto para elevar o imposto para 19,5%, mas o texto foi retirado após o governo não conseguir apoio na Assembleia Legislativa. Diante disso, o governador emitiu cinco decretos revisando benefícios fiscais e elevando a tributação da cesta básica, que deveriam entrar em vigor em 1º de abril. Os decretos, contudo, foram questionados pelos parlamentares, incluindo aliados, e empresários, e o governador acabou adiando a entrada em vigor.
Anelise Manganelli, economista e técnica do Dieese, diz que este aumento de custo será maior do que o previsto em estudo realizado pelas federações patronais pela retirada de incentivos da cesta básica, estimado em R$ 600.
O governo promete suavizar o impacto do aumento de impostos sobre a população mais vulnerável por meio do programa Devolve ICMS, criada em 2021, que retorna parte do tributo pago em parcelas fixa e variável para famílias de baixa renda. Contudo, Anelise pontua que, segundo dados divulgados pelo governo em março de 2024, o programa atinge atualmente 600 mil famílias inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) que recebam o benefício do Bolsa Família ou que o responsável possua um familiar matriculado no ensino médio regular em escola da rede pública estadual. As famílias devem ainda não ter renda mensal superior a três salários-mínimos nacionais ou renda per capita por mês superior a meio salário-mínimo nacional. O responsável familiar precisa consumir e incluir CPF nas notas fiscais para receber a parcela variável.
“Como se observa os condicionantes de acesso ao programa não são poucos, o custo de vida é elevado, vide que de acordo com levantamento do IEPE/UFRGS, o custo do cesto básico de consumo em março na Região Metropolitana de Porto Alegre é de pelo menos R$ 1.288,11. A maior parte das famílias não integra o programa e poderá arcar com quase R$ 800 de aumento no seu custo no ano”, diz a economista.
O pacote apresentado no dia 11, segundo o governador, foi construído a partir do diálogo com representantes dos setores produtivos e da sociedade civil, que teriam se tornado mais abertos à possibilidade do aumento da alíquota modal para que não sejam retirados incentivos fiscais como previsto nos decretos. Em caso de aprovação no novo pacote, os decretos devem ser revogados. Já as novas alíquotas poderiam entrar em vigor apenas a partir de 2025.
“Penso que tiramos proveito de todo esse processo. De um lado, as entidades compreenderam que precisamos da receita; de outro, melhoramos a compreensão do governo sobre os impactos que as medidas teriam. E o que estamos desenhando agora não é simplesmente uma retomada da proposta inicial. Desenhamos algo novo, diferente, que começa por evitar o que, na visão das entidades, é pior: os decretos de revisão. Construímos uma solução alicerçada em três pilares, promovendo uma série de ações para incentivar a regularidade e a conformidade tributária, a competitividade, e garantir a sustentabilidade fiscal do Estado”, avaliou Leite, na ocasião.
Leite defende que a recomposição das receitas é necessária para garantir a sustentabilidade fiscal e investimentos essenciais para o desenvolvimento econômico, destacando que a arrecadação do Estado foi afetada em 2022 pela redução unilateral pelo governo Bolsonaro da alíquota de ICMS dos combustíveis, energia elétrica e telecomunicações para 17%, por meio da Lei Complementar 194, o que teria causada perdas de R$ 3 bilhões ao RS.
Além disso, destaca que leis complementares que regulamentarão a Emenda Constitucional da reforma tributária estabelecerão um período-base para calcular os recursos destinados aos Estados durante a transição para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Uma possibilidade de divisão tributária é levar em conta a participação do ICMS de cada Estado nos anos anteriores e posteriores, o que, segundo o governo gaúcho, já levou vários outros estados a aumentarem suas alíquotas modal em 2023 e 2024.
Segundo o governo, a arrecadação de ICMS em 2023, proporcionalmente ao produto interno bruto (PIB), ficou em 6,98%, meio ponto percentual abaixo da média dos últimos 20 anos. Em comparação com a receita de ICMS de outros Estados, a participação gaúcha no total diminuiu em 2022, atingindo o menor nível da história, 6,2%.
Anelise observa que, no primeiro trimestre de 2023, a arrecadação do Rio Grande do Sul com o ICMS cresceu 23,9% em relação ao ano passado, o que significa mais R$ 2,3 bilhões arrecadados, sendo que a alta é 19,2% acima da inflação do período, o que indica que houve melhora no nível de atividade econômica.
“O governo justifica que o aumento do ICMS deverá resultar em um incremento na arrecadação de 2025 de R$ 2,86 bilhões. Fazendo uma simulação que considera a média de ICMS arrecadado no primeiro trimestre de 2024, projetada para o ano corrente, o incremento poderá chegar a aproximadamente R$ 3,5 bilhões, ou seja, crescimento de 8% em relação a 2023, isso, frente a uma inflação projetada pelo Banco Central para o ano de 2024 de 3,69%, ou seja, mais que o dobro da inflação. Se o governo tivesse um projeto de desenvolvimento claro e transparente para o Estado, a arrecadação potencial derivada da melhora no nível de atividade econômica estaria no horizonte dos que hoje governam”, diz.
A respeito do argumento usado por Leite de que seria preciso aumentar o ICMS para se proteger na regra de transição na reforma tributária — que tomaria como base a arrecadação entre 2024 e 2028 –, Anelise ressalta que esta previsão foi afastada na PEC e o novo regramento de transição ainda será estabelecido por Lei Complementar.
Ela ainda salienta que a proposta apresentada pelo governo federal para renegociação da dívida de estados com a União, intitulada “Juros por educação”, deve aliviar a situação financeira do RS. A proposta, que ainda está sendo analisada pelos estados e precisa ser aprovada no Congresso, prevê substituir juros de 4% para uma escala que vai de 3,5% até 2%.
“Evidentemente que esse projeto ainda precisa ser regulamentado. É necessário estabelecer as mudanças de impacto nos termos do atual Regime de Recuperação Fiscal adotado pelo atual governo. Ainda não temos informação se manterá previsão sobre a redução das renúncias, já que de acordo com informações divulgadas pela própria fazenda do estado, o governo está obrigado pelos termos do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), a reduzir em pelo menos 20% as renúncias fiscais, e na prática só vem aumentando”, diz a economista.
Anelise avalia que a melhor saída, entre as propostas apresentadas pelo governador, seria a de manter os decretos de revisão de benefícios fiscais, mas focando nas transferências para médias e grandes empresas.
A economista pontua que os incentivos fiscais à cesta básica representam apenas 4,5% dos benefícios que os decretos preveem revogar, enquanto outros 10% são destinados para micro e pequenas empresas, restando outros 85,5% de desonerações que, na avaliação da economista, não há informações precisas sobre quem seriam as empresas beneficiárias, o volume concedido e os ganhos para o Estado com a concessão do incentivo.
“A prática de renúncias nada mais é do que a transferências de recursos públicos à iniciativa privada (‘privatização dos tributos’) com sacrifício financeiro de toda a sociedade destinada a aumentar a riqueza privada, fazendo crescer as já existentes desigualdades sociais, regionais”, diz. “Eduardo Leite escolheu mal o que atacar. É incoerente. Além disso, a reforma tributária nacional considera desonerar cesta básica em todo o país. Leite estaria indo na contramão do que é discutido nacionalmente”, complementa.
A análise técnica do Dieese aponta que o RS concede, anualmente, R$ 13 bilhões em incentivas fiscais, o que representa 21,8% da receita do Estado e que, a cada cinco anos, um orçamento inteiro é transferido para empresas por meio dos incentivos.
“Não há monitoramento sobre esses recursos investidos pelo Estado e não há transparência. Quais os impactos para os territórios? Quantos empregos geraram? Gerou desenvolvimento local, melhora da renda, ampliação de consumo?”, questiona Anelise.
De 2019 a 2022, as renúncias fiscais do RS passaram de R$ 9,7 bi para R$ 13,7 bi, crescimento de 41%, enquanto a inflação no mesmo período foi de 28,6%. Em contraposição, os servidores estaduais receberam reajuste salarial de apenas 6% desde 2014 .
A economista argumenta ainda que a renúncia fiscal concedida pelo Estado prejudica os municípios, que ficam com 25% da arrecadação do imposto, e também a saúde e a educação do Estado, pois os valores renunciados não entram nos cálculos de repartição dos municípios e dos mínimos constitucionais. “Só a educação gaúcha, se o governador cumprisse os 25% em manutenção e desenvolvimento de ensino, de 2015 a 2022, e não tivesse concedido tais renúncias, teria recebido a mais de recursos pelo menos R$ 21,1 bilhões”, diz.
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