Bem-estar e saúde mental do professor
Bem-estar e saúde mental do professor são fundamentais para apoiar a aprendizagem do aluno
Em meio à pandemia, cresce a importância de trabalhar autoconhecimento e emoções dos professores
por Maria Victória Oliveira 20 de maio de 2020
Pensar formas dinâmicas de construir conhecimento com os alunos, elaborar novas propostas de atividades, inovar nos métodos e plataformas utilizados, refletir sobre como considerar diferentes formas com as quais os estudantes aprendem e melhorar o planejamento de aula já seriam multitarefas suficientes para qualquer professor.
Junto a isso, eles precisam lidar com o mosaico de personalidades dos alunos e resolver eventuais conflitos. O cenário apresenta ainda mais desafios quando a rotina conhecida é colocada em pausa e a educação passa a funcionar mediada pela tecnologia, em função do distanciamento social imposto para frear a disseminação do coronavírus. Respondentes da primeira etapa da pesquisa “Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do coronavírus (COVID-19) no Brasil”, realizada pelo Instituto Península, classificaram, em uma escala de zero a cinco, como 2,16 o impacto do período em sua saúde mental.
Por isso, além das iniciativas que trabalham competências socioemocionais entre estudantes, incentivando que reflitam, discutam e externalizem suas emoções, também é necessário implementar ações semelhantes que cuidem da saúde mental dos professores. Alguns estudos apontam que a síndrome de “burnout”, termo inglês relacionado ao esgotamento mental e físico pelo trabalho, já acomete inúmeros profissionais da educação há anos. Os desafios impostos à profissão pela pandemia de Covid-19 podem aumentar esses casos.
Atenção e cuidado à saúde mental
Com foco na promoção de saúde mental e a prevenção de transtornos mentais em ambientes de ensino, o projeto Cuca Legal, iniciativa ligada ao Departamento de Psiquiatria da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), envolve principalmente a disseminação de informações corretas sobre o tema. Segundo Gustavo Estanislau, coordenador do projeto, isso ajuda no desenvolvimento de fatores protetores que levam ao bem-estar e na redução dos fatores de risco associados ao surgimento dos transtornos mentais.
Para o médico psiquiatra, uma pessoa empoderada em termos de saúde mental reconhece, em primeiro lugar, a importância da mesma e, a partir do momento em que dá o devido valor, busca o autoconhecimento. “Quando fazemos uma capacitação em saúde mental, o primeiro movimento que os professores fazem é trazer as informações para dentro de si. Quando esses conhecimentos começam a fazer sentido, eles conseguirão utilizá-los para as pessoas que estão à sua volta. Isso é o empoderamento: incitar nas pessoas a importância da saúde mental e o autoconhecimento”, explica.
É dessa forma indireta que professores conseguem analisar suas ações, comportamentos e emoções para trabalhar o tema com seus estudantes. “Mesmo que o mote sejam os alunos, o fato de o educador trazer esses assuntos para dentro de si gera autoconhecimento. E é aí que surge uma ferramenta poderosa: o professor, empoderado desses conhecimentos, consegue transpor isso em sala de aula de maneira fluida. Um docente que cuida de si do ponto de vista de estresse e ansiedade é alguém que vai conseguir passar, mesmo que de forma indireta, essas estratégias para seus alunos”, diz.
O especialista cita pesquisas que mostram que mais de 50% dos transtornos mentais têm início antes dos 14 anos de idade. Esse fator, aliado ao caráter preventivo do trabalho com o tema, torna a escola um lugar fundamental de discussão. “Quando falamos de saúde mental na escola, falamos muito mais de aspectos preventivos do que terapêuticos. A escola é um agente fundamental na prevenção de transtornos mentais, na medida em que alunos e professores que mantêm contato com as famílias disseminam conhecimentos sobre o tema de uma forma estratégica.”
Iniciativas na rede pública
Considerando a importância de prestar assistência aos docentes também quando estão fora das salas de aula, a Secretaria de Educação do Estado da Bahia criou o Programa de Atenção à Saúde e Valorização do Professor. As ações, voltadas ao cuidado e atenção com a saúde de todos os professores da rede pública estadual de ensino da Bahia, envolvem melhoria de qualidade de vida, relações interpessoais, bem-estar psicossocial do educador, propostas de prevenção e promoção da saúde no ambiente de trabalho, acompanhamento de demandas prioritárias e proposição de diretrizes para a construção de uma política pública de atenção à saúde do professor.
As áreas de atenção do programa – fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia, nutrição, serviço social – são, segundo Maria do Rosário Muricy, superintendente de Recursos Humanos da Secretaria, as que mais acometem os professores. As oficinas são tipicamente realizadas em horário de atividades complementares, de acordo com a demanda da escola. Esses encontros têm como objetivo identificar problemas de saúde relacionados à prática profissional dos professores e, a partir disso, reeducar ações cotidianas com orientações sobre cuidados individuais e coletivos e integrar ações de prevenção e promoção de saúde.
Como um dos servidores públicos que mais têm contato com a população, o educador precisa de assistência para que o seu trabalho seja realizado da melhor maneira possível, aponta a superintendente. “O professor lida diariamente com 35 alunos em sala de aula. Se ela está dando aula em uma sala barulhenta, ele vai perder a voz, seu instrumento de trabalho. Quando isso acontece, ele vai ficar angustiado. Nosso foco é cuidar de quem cuida, para que os serviços prestados à população sejam cada vez melhores e mais adequados e o nosso profissional seja realmente respaldado com o cuidado da saúde dele.”
Rosário relata que, no ano passado, a equipe do programa optou pelo desenvolvimento de outros focos de atuação, priorizando a promoção da saúde e cuidados preventivos. Com isso, desenvolveu uma metodologia de acompanhamento regular de algumas escolas. “Partimos do pressuposto que não deveríamos ir até as escolas apenas quando elas solicitassem em razão de algum problema ou professor adoecido, mas realizar um trabalho preventivo, no qual pudéssemos estar presentes a cada 15 dias nessas unidades previamente selecionadas, levando palestras sobre competências socioemocionais, compartilhando informações, ouvindo os alunos e cuidando do ambiente escolar como um todo”, afirma.
Além do trabalho presencial nas escolas, o programa também conta com o SAC (Serviço de Atendimento ao Cidadão) que, na área de educação, oferece apoio individualizado aos docentes por telefone. No contexto da pandemia, todos os atendimentos e acompanhamentos presenciais foram suspensos e o programa está concentrando esforços no atendimento virtual, com o cadastramento de novos psicólogos para atender as solicitações que antes eram encaminhadas pela escola e agora são realizadas pelos próprios professores.
“Temos cerca de 200 solicitações virtuais, mas quando abrirmos os canais para o interior, mais demandas irão surgir. Tem pessoas que já eram atendidas e outras que estamos começando a acompanhar agora. Mas não é possível dizer que todos os novos contatos sejam de professores adoecidos. Muitas vezes, eles querem discutir quais comportamentos precisam ter depois da pandemia. Nós queremos auxiliar nossos profissionais para que eles estejam bem, consigam passar essa tormenta de uma forma acolhida para que possam retornar à sala de aula com toda sua saúde em dia, com tranquilidade para recomeçar o ano.”
Desenvolvimento integral do professor
Por uma solicitação de soluções que podem apoiar os professores nesse momento de distanciamento social por parte da EFAPE (Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo), docentes da rede estadual paulista foram apresentados à Vivescer, iniciativa do Instituto Península que, em uma plataforma online e gratuita, possibilita formação integral do professor a partir de quatro jornadas de aprendizagem: propósito, emoção, corpo e mente.
Para Mariana Breim, diretora da Vivescer e de desenvolvimento integral do Instituto Península, apresentar a plataforma a professores da rede pública dialoga diretamente com os objetivos da iniciativa de conhecer, entender e colaborar com o professor e apoiá-los nos desafios que enfrentam. “A pandemia iluminou a necessidade que já existia de uma formação mais integral, que vá além do cognitivo e incorpore diferentes dimensões do sujeito.”
Além de apresentar a plataforma e possibilitar o acesso a todos os conteúdos e funcionalidades, a parceria entre EFAPE e Vivescer também está presente no Centro de Mídias da Educação de São Paulo, iniciativa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo para contribuir com a formação dos profissionais da rede e possibilitar que alunos acessem aulas de maneira mais simplificada. “Todas as semanas, gravamos um programa com convidados especiais para debater cuidado e acolhimento dos professores nesse momento de aulas remotas. O programa fica disponível no aplicativo do Centro de Mídias e também passa ao vivo no canal do YouTube e na página do Facebook”, explica Mariana.
Autoconhecimento e autocontrole
Segundo a executiva do Península, o ato de equilibrar mente, corpo e emoções e alinhar essas dimensões ao propósito é uma das estratégias que evita ou ao menos minimiza as chances de professores vivenciarem situações de esgotamento e depressão. “O professor precisa de condições de trabalho diferentes e essa é uma carreira que precisa de mais valorização. Apesar de olharmos para essas questões, também consideramos o lado individual. Então queremos apoiar esses profissionais no âmbito do que pode ser feito até que a profissão seja valorizada”, afirma Mariana.
Em meio a tantas transmissões ao vivo durante a quarentena, a empresa com propósito social Carlotas abriu espaço para o tema em dois eventos online, chamados de Cafés Virtuais. Segundo Fabiana Gutierrez, cofundadora da organização, os encontros virtuais criam um espaço de escuta e compartilhamento de estratégias de enfrentamento aos desafios atuais.
Além disso, a Carlotas elaborou materiais específicos para dar suporte aos profissionais neste momento. “Alguns professores têm usado os contos e personagens de Carlotas para falar sobre emoções. Nós também gravamos algumas histórias que disponibilizamos online, e as escolas estão levando isso às famílias, como forma de manter o contato com as crianças”, explica.
Para Fabiana, o trabalho com as competências emocionais e o desenvolvimento de um olhar atento para as suas próprias emoções e do outro, assim como o autocuidado, são ferramentas que possibilitam o autoconhecimento e, consequentemente, o conhecimento do outro, permitindo maior zelo nas relações e equilíbrio emocional para lidar com situações desafiadoras como a atual.
A elaboração de uma rotina para garantir a sensação de controle, nem que seja de seu microambiente, é uma das dicas da especialista para o momento, onde a sensação de perda de controle e ansiedade são grandes. Estabelecer horários para dormir, acordar e se alimentar e reservar tempos para praticar alguma atividade física ou de relaxamento são alguns passos. “Nos questionar e perceber o que acontece dentro da gente é fundamental para identificar o que precisamos melhorar.”
Mesmo que trabalhar o tema ainda demande um processo, uma vez que muitas vezes as pessoas não se sentem confortáveis em se colocar em uma situação vulnerável para falar sobre saúde emocional, Fabiana reforça a importância de vencer essa resistência e estigma.
“O carinho e cuidado com educadores são de extrema importância pois eles são uma referência e ponto de apoio para os alunos. Sabemos que muito do aprendizado está ligado às emoções. Se o educador não estiver bem, ele não conseguirá ensinar, acolher e perceber a necessidade de cada aluno. O momento é de sobrecarga para eles. Então devemos ter a preocupação de cuidá-los para que possam ‘estar inteiros’. É fundamental que tenham todos os recursos para passar bem por esse momento, para que continuem fazendo seu trabalho”.