Bets x educação
Bets x educação: brasileiros estão deixando de estudar para gastar com apostas e jogo do tigrinho
Pesquisa mostra que 35% dos interessados em fazer um curso superior em 2024 não começaram o curso por usar recursos com apostas on-line
Potenciais estudantes estão deixando de cursar o ensino superior por comprometerem sua renda com apostas on-line. O fenômeno preocupa as instituições privadas, que encomendaram uma pesquisa e descobriram que 35% dos interessados em fazer uma graduação em 2024 não começaram o curso por gastarem seu dinheiro com bets e plataformas de cassino virtual, como o jogo do tigrinho. Daniel Infante, sócio-fundador da empresa responsável pelo levantamento, a Educa Insights, estima que isso significa cerca de 1,4 milhão de pessoas.
— Os grupos educacionais agora têm as bets como um novo concorrente — afirma.
Nas famílias com renda de até R$ 2,4 mil por pessoa — um público alvo importante para o setor —, esse indicador é ainda maior e chega a 39%. Quando se olha para os que ganham até R$ 1 mil per capita, vai para 41%. O levantamento entrevistou 10,8 mil pessoas de todas as classes sociais e de todas as regiões do país que pretendem ingressar em alguma instituição particular de ensino superior.
— O setor sempre trabalha em prol do seu crescimento, nunca contra outras formas de investimento. Mas, nesse caso, vamos discutir uma entrada no debate da regulamentação — antecipa Celso Niskier, diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).
De acordo com Magnho José, presidente do Instituto Brasileiro do Jogo Responsável (IBJR), que representa as principais casas de apostas do país, o Brasil vive um “hiato regulatório” que resultou numa “invasão de sites que não têm nenhuma preocupação com o apostador”.
— Eles estão fazendo um verdadeiro estrago nesse mercado, mas essa operação selvagem vai acabar no dia 1º de janeiro de 2025 — diz.
Entre as medidas que entrarão em vigor, estão o estabelecimento pelo usuário do máximo a ser gasto por dia, o cadastro de apostadores com reconhecimento facial e o registro de empresas autorizadas a funcionar no país. Segundo o representante das bets, elas vão limitar jogadores que buscam nos jogos “um meio de vida em vez de entretenimento”. No entanto, o formato de cassinos on-line — que, na avaliação de especialistas, estimula o vício — seguirá liberado.
‘Novo concorrente’
Segundo pesquisa da consultoria PwC, o setor de apostas movimentou R$ 100 bilhões em 2023, algo próximo de 1% do PIB brasileiro. Nas famílias de classe baixa, esses gastos representam 76% das despesas com lazer e cultura e 5% das com alimentação.
O impacto das apostas on-line tem sido relatado em diversos setores da economia, mas especialmente no varejo. No mês passado, o diretor do Banco Central Gabriel Galípolo, indicado para ser o próximo presidente da autarquia, afirmou que o aumento da renda no país não tem se traduzido em alta do consumo ou da poupança das famílias e que isso poderia ser explicado pelo gasto com jogos on-line.
Já circulava entre as instituições de ensino superior privado a preocupação de que resultados abaixo do esperado poderiam ter relação com as bets. O tema vinha sendo discutido em reuniões com acionistas de diversas empresas do ramo, o que levou a ABMES a contratar a pesquisa que constatou o problema.
— Cursar o ensino superior não é uma aposta, é certeza. Educação e trabalho duro são os únicos caminhos para o sucesso. Esses apostadores estão muitas vezes alimentados pela ilusão e vício. Por isso, é preciso regulamentação e campanhas de conscientização — defende Niskier.
Em junho, o IBGE divulgou que a média salarial dos trabalhadores sem nível superior foi de R$ 2,4 mil, enquanto aqueles com graduação recebiam R$ 7 mil, o que significa quase três vezes mais do que o primeiro grupo.
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