Bilionários sem projeto de país

Bilionários sem projeto de país

O clube dos bilionários sem projeto de país

Representado pelo influente banqueiro brasileiro Roberto Setubal, expõe nitidamente as raízes do subdesenvolvimento nacional: com arroubos de bom mocismo, elite insiste na precarização e “reformas” – como quem comemora o desemprego

Por Luis Nassif, no GGN


Roberto Setubal é um dos mais influentes banqueiros brasileiros. É de uma família de políticos quatrocentões de participação direta na vida política nacional desde o século 19. É presidente do Conselho do Itaú, maior grupo privado nacional, e liderança inconteste do clube dos bilionários, a elite empresarial paulista integrada pelos empresários supostamente mais modernos e antenados com as grandes tendência globais.

Em outras palavras, é o que de melhor a elite econômica brasileira produziu nas últimas décadas.

Nos Estados Unidos, especialmente a partir da década de 1910, os grandes empresários passaram a buscar um protagonismo político cada vez maior, como condutores de países. A maioria não conseguia sair dos limites de seus próprios interesses nacionais. Mas havia aqueles com responsabilidade de Estado, como J.P.Morgan, que ajudou na reconstrução do sistema financeiro internacional; e Nelson Rockefeller, peça relevante para convencer o grande empresariado a abraçar as lições de solidariedade do New Deal.

Naquele período, um pequeno empresário de Poços de Caldas, João Moreira Salles, mandou uma carta a seu filho Walther, de 15 anos, chamando a atenção para o modelo americano.

Lendo a entrevista de Setubal ao Estadão de domingo, no entanto, percebe-se nitidamente as raízes do subdesenvolvimento nacional. Não pode ser acusado de insensível em relação à situação do país. Os sócios do Itaú doaram R$ 1 bilhão para projetos destinados a enfrentar a crise do Covid-19. O que chama a atenção é a incapacidade de entender o país como um todo.

Na entrevista, ele salienta o fato da renda per capita estar estagnada há 40 anos, com poucos momentos de melhora. Diz ele: “Isto é um desastre do ponto de vista social”. E constata o óbvio: “Não vamos melhorar a renda de pessoas sem crescimento”.

E qual a fórmula de crescimento para impedir o desastre do ponto de vista social? Um choque na economia, uma agenda forte de reformas para aumentar a produtividade e os investimentos, menos Estado etc. Exemplos: “reforma trabalhista que aumente a produtividade”.

Sem contar a enorme falta de imaginação, ao recorrer aos bordões de sempre, é impressionante a incapacidade de olhar além do próprio umbigo, de entender minimamente o que é um projeto de país. É incapaz de entender até um dos principais pontos da teoria econômica, a falácia da composição, segundo a qual o que é válido para a parte pode não ser necessariamente válido para o todo.

O desmonte dos direitos trabalhistas reduziu o custo trabalhista de cada empresa individualmente. Mas, no todo, precarizou o trabalho, jogou o trabalhador na informalidade, aumentou o trabalho intermitente, consolidou o bico. Sem as garantias trabalhistas mínimas, com a própria aposentadoria ameaçada, o trabalhador deixou de ter acesso ao crédito, segurou o consumo, aumentou substancialmente o desemprego. Por falta de oportunidades de emprego, a juventude pobre virou presa fácil do crime organizado, e a juventude universitária presa fácil do desemprego estrutural.

No momento, todo o sistema de pesquisa e inovação no país está sob ameaça, com o esvaziamento do orçamento do setor; a fome voltou a invadir todos os quadrantes do país, o desmonte do setor público se dá em áreas centrais. E a preocupação de Setubal é como flexibilizar mais ainda o trabalho, para se adaptar aos novos tempos de destruição do emprego.

As novas tecnologias são eliminadoras de emprego. Até empregos de baixos salários, como frentistas, motoristas de carro, estão sob ameaça da automação. Esta semana, a Tesla lançou duas dezenas de táxis sem motorista na Califórnia, um projeto piloto que em breve será ampliado.

Mas Setubal não consegue avançar além do bordão das “reformas” pensando exclusivamente em como irá afetar seu próprio negócio. Não difere do pensamento de seu colega de conselho, Pedro Moreira Salles, para quem o papel das empresas é pagar impostos. Cuidar das questões sociais e nacionais é função do governo, que é pago para isso. Nem do ex-presidente do Itaú, Cândido Bracher, que celebrou o aumento do desemprego, porque seria bom para conter a inflação.

Por aí se percebe que o clube dos bilionários pode ter até assomos de bom mocismo. Mas jamais vai conseguir se habilitar a ser a peça de modernização que o país necessita.

 

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