RIO - Um relatório do Banco Mundial conluído no primeiro trimestre aponta um cenário alarmante para a educação brasileira. Ao se debruçar sobre o cenário de abandono escolar na América Latina, projeta que o número de crianças fora da escola no Brasil subiu 12% em 2020. Isso significa que 172 mil crianças e adolescentes de 6 a 17 anos pararam de estudar só no primeiro ano da pandemia, aumentando o número total de 1,3 milhão para 1,5 milhão nessa situação, de acordo com a organização multilateral.

O estudo aponta ainda que não foram só as condições econômicas, mas principalmente as acadêmicas, notadamente as especificidades do ensino remoto, as principais culpadas para o aumento do abandono das crianças das salas de aula no Brasil.

Os dados oficiais do governo brasileiro não capturam, no entanto, a tendência cravada pelo Banco Mundial. É que naquele que foi provavelmente o ano com maiores adversidades para a aprendizagem,  por conta da explosão da pandemia de Covid-19 no país, o Brasil registrou, em 2020, recordes de aprovação. A notícia, que parece boa, esconde desafios para a recuperação em 2021 e 2022. Na prática, crianças e jovens tiveram pouquíssimo contato com professores durante o ano ou sequer foram avaliados e, mesmo assim, conseguiram passar de ano.

Mas o cenário revelado pelas taxas divulgadas no começo do mês pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão do Ministério da Educação (MEC) responsável, entre outras atribuições, pela realização do Enem, é enganoso. Nele, os índices de reprovação são de até um décimo dos do ano anterior e os de abandono foram reduzidos pela metade.

Eles refletem a orientação do Conselho Nacional de Educação (CNE), que sugeriu às redes estaduais e municipais a aprovação de seus alunos, mesmo com problemas de aprendizagem. Apoiado majoritariamente por especialistas em educação, o CNE avaliou, neste caso, que reprovar esses estudantes poderia levar a índices históricos de evasão, e as escolas perderiam a oportunidade de, pelo menos, recuperar o que eles não aprenderam.

Sem acesso

Ainda de acordo com o estudo do Banco Mundial, 39% dos brasileiros mais pobres não têm acesso à internet. Mesmo assim, o governo Jair Bolsonaro pediu no STF a derrubada da lei que prevê a inclusão digital de 18 milhões, ao custo de R$ 3,5 bilhões, do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust).

— A falta de conexão à internet e a distância dos professores aumentam ainda mais o risco de os alunos abandonarem a escola — afirma Carolina Schmitt Nunes, consultora educacional e doutora em engenharia e gestão do conhecimento pela UFSC.

Se a exclusão digital no Brasil é preocupante, os vizinhos estão em situação ainda piores. De acodo com o Banco Mundial, no Paraguai, 98% dos pobres estão excluídos digitalmente. No Peru, El Salvador e Bolívia são 96%. Só no Chile há menos pobres sem internet, 38%.

Na América Latina, houve, ainda segundo o Banco Mundial, um aumento de 15% de crianças e adolescentes fora da escola em 2020, o que representa 1,2 milhão a menos de alunos. Só o México perdeu 628 mil estudantes da educação básica, o que representa um crescimento de 26% da evasão escolar.

Outro dado preocupante é que a América Latina reverteu, pela primeira vez desde 2006, a tendência de queda do número de adolescentes (15 a 17 anos) fora da escola. Mantendo a tendência da série histórica dos últimos anos, a região passaria de 19%, em 2019, para 18%, no ano seguinte. No entanto, com a pandemia acabou subindo para 22%, mesmo patamar de 2012.

Ajuda da sociedade civil tem sido crucial

Uma outra pesquisa, divulgada na última quinta-feira pelo Inep, mostra que Brasil teve, em média, 279 dias de suspensão de aulas presenciais durante o ano letivo.Além disso, de 126.661 escolas públicas, apenas 6,6% relataram que foi disponibilizado aos alunos acesso gratuito ou subsidiado à internet durante os meses de pandemia no ano passado.

— Meu sobrinho, por exemplo, não tem internet para seguir as aulas em casa, nem para fazer o cartão de passagem. Como a gente não consegue pagar passagem, está sem estudar. Mais um pouco e desiste — conta Marlene Moreno, de 39 anos, moradora da Vila Kennedy, na Zona Oeste do Rio.

Sem o comando do governo federal, alunos em situação de vulnerabilidade dependem de iniciativas da sociedade civil para conseguir chips e estudar online. Só o Alô Social, da Cufa, já entregou 50 mil pacotes de dados em 2020 e distribuirá outros 200 mil neste ano.

— Comecamos, no ano passado, esse projeto em parceria com a CUFA, no qual conseguimos beneficiar 500 mil mães, e seus filhos para estudar. Mas a pandemia não acabou e precisamos seguir olhando para esses estudantes que moram nas favela, que precisam de condições iguais de estudo e acesso, por isso o novo projeto da Alô Social vai beneficiar mais 200.000 pessoas que estão em desvantagem. Vamos viabilizar internet gratuita por seis meses, em 5.489 cidades do Brasil — afirma Marilza Athayde, diretora de expansão da Alô Social Celular.