Bolsonaro e neta de ministro nazista
Encontro de Bolsonaro com neta de ministro nazista mostra ‘compromisso com o fracasso’, diz professor
Deputada que postou foto com presidente brasileiro “ressuscita fantasmas do passado que a sociedade alemã como um todo queria apagar”, diz Thomas Heye
“Da mesma maneira que Donald Trump perdeu, Viktor Orbán vai perder na Hungria, a Polônia cada vez mais esvaziada, Marine Le Pen em queda na França…”, continua Heye. Além disso, Bolsonaro mais uma vez manifesta sua preferência político-partidária, e ideológica, em uma eleição importante no mundo. No ano passado, contra o bom senso e a diplomacia, ele apoiou o republicano Donald Trump à reeleição, derrotado pelo democrata Joe Biden. O presidente brasileiro foi o último chefe de Estado da América Latina a reconhecer a vitória de Biden. A poderosa Angela Merkel não disputará a eleição, mas certamente a continuidade de sua política não passa pela extrema direita que Bolsonaro abraça.
No final do mês passado, o partido da líder da extrema direita da França, Marine Le Pen, era considerado como tendo boas chances nas eleições regionais, mas fracassou. O húngaro Orbán está sendo muito pressionado pela União Europeia depois de anunciar referendo sobre uma lei contra a comunidade LGBT, que a Comissão Europeia considera contrária aos direitos humanos.
Atrocidades
Já Bolsonaro provocou protestos de entidades no Brasil ao posar com Beatrix. “A Conib lamenta a recepção dada à representante do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) em Brasília. Trata-se de partido extremista, xenófobo, cujos líderes minimizam as atrocidades nazistas e o Holocausto”, diz nota da Confederação Israelita do Brasil (Conib), uma das que se manifestaram. “O Brasil é um país diverso, pluralista, que tem tradição de acolhimento a imigrantes”, acrescenta a Conib, para a qual tolerância, a diversidade e a pluralidade são “valores estranhos” ao AfD de Beatrix von Storch.
“Recepção amistosa“
Em post publicado em redes sociais, a deputada extremista agradeceu a Bolsonaro “pela amistosa recepção” e disse que o brasileiro tem “clara compreensão dos problemas da Europa e dos desafios políticos do nosso tempo” (sic). A ultradireitista alemã Beatrix também se encontrou com os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF).
“O Alternativa para Alemanha, nome do partido fascista deles de agora, é um movimento à extrema-direita que essa deputada representa, e ressuscita fantasmas do passado que a sociedade alemã como um todo queria apagar”, diz Thomas Heye.
Na semana passada, o Museu do Holocausto, em Curitiba, declarou que a AfD é “um partido de extrema-direita com tendências racistas, sexistas, islamofóbicas, antissemitas, xenófobas e com um forte discurso anti-imigração”.
Brasil tem mais de 300 células nazistas em funcionamento
Pesquisadora aponta que maioria dos grupos se concentra nas regiões Sul e Sudeste do país
A pesquisa mostra que há registros de grupos localizados em cidades como Fortaleza, João Pessoa, Feira de Santana (BA) e Rondonópolis (MT). Porém, o estado com mais células é São Paulo, com 99 grupos, sendo 28 só na capital. Santa Catarina vem logo atrás com 69 células, seguido por Paraná (66) e Rio Grande do Sul (47). Há exemplos também de estados que estavam sem registros de atividades até pouco tempo, mas começam a ganhar corpo, como Goiás, que já possui seis grupos nazistas. As células são compostas por três a 40 pessoas.
Em suas pesquisas especializadas na ascensão da extrema direita, Adriana também identificou mais de 6.500 endereços eletrônicos de organizações nazistas somente em língua portuguesa e dezenas de milhares de neonazistas brasileiros em fóruns internacionais.
Em entrevista ao jornalista Matheus Pichonelli, do UOL, a pesquisadora afirma que, normalmente, no Brasil, as células não se conectam, a não ser as grandes. “São grupos de pessoas que conversam, que se reúnem, e eu localizei essas reuniões por sites na internet, blogs ou fóruns. Nenhum deles tem uma corrente única. Eles leem autores que, pelo mundo, brigam um com o outro”, explicou.
Os neonazistas, segundo a Safernet, associação civil de direito privado com foco na defesa dos direitos humanos na web, são grupos que promovem a intolerância com base na ideologia nazista de superioridade e pureza racial com recursos de agressão, humilhação e discriminação. São pessoas que fabricam, comercializam, distribuem ou veiculam emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda com símbolos (como a cruz suástica) e a defesa do pensamento nazista.
A antropóloga conta que a finalidade dessas reuniões vai desde a própria leitura de textos nazistas quanto à incitação à agressões físicas contra homossexuais. A antropóloga afirma que os grupos estão presentes no Twitter e promovem uma postagem antissemita a cada quatro segundos. Ela já calculou também que há uma postagem em português contra negros, pessoas com deficiência e LGBTs a cada oito segundos.
A construção do ódio
Em setembro, os estudos da pesquisadora foram citados pela ativista Sharon Nazarian, vice-presidente da Liga Anti-Difamação, em uma apresentação na Casa Branca, sede do governo dos Estados Unidos. Entretanto, Adriana explica que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está ciente do problema em seu país, mas não demonstra interesse em encarar a questão.
A construção desse ódio, segundo ela, está estruturada no culto à masculinidade que despreza minorias. “O ódio não é de agora. Sempre houve ódio racial, de classe, de gênero. Neste momento você tem uma articulação e uma sistematização deste ódio. Uma capilarização como projeto político em muitos lugares. E é impossível remover esse ódio enquanto você não civilizar as pessoas. É um processo muito complexo porque o ódio dá um conforto para elas”, afirmou ao portal UOL.
Adriana Dias se debruça sobre um novo conceito de empatia desenvolvido pelo filósofo australiano Roman Krznaric, que trabalha com o conceito de ‘humanidade compartilhada’. “Isso é o oposto do ódio. O século 20 foi o século da interiorização. Ele defende um processo de ‘outrorização’, em que nossa humanidade precisa ser compartilhada em outras humanidades possíveis”, explicou.
A CARTA SECRETA DO BOLSONARO QUE VAI CH0CAR O BRASIL!!!
Foi por acaso que a antropóloga Adriana Dias encontrou provas de que neonazistas brasileiros apoiam Jair Bolsonaro há pelo menos 17 anos. Dias estava em casa se preparando para uma palestra e precisou consultar uma parte do vasto material que armazena em Campinas, onde vive e trabalha. Há 20 anos pesquisando a movimentação de grupos neonazistas no Brasil, a professora da Unicamp pediu para que o marido buscasse um site que ela havia fisicamente impresso no longínquo ano de 2006.
Joaquim de Carvalho é jornalista. Colunista do 247, foi subeditor de Veja e repórter do Jornal Nacional, entre outros veículos. Ganhou os prêmios Esso (equipe, 1992), Vladimir Herzog e Jornalismo Social (revista Imprensa).