Bolsonaro e Petrobrás
Bolsonaro e Petrobrás: mais dúvidas
PPI, que fez os combustíveis dispararem, segue intocável. Desgastado, nem com eleições à porta o “capitão” busca saídas à crise. Caminhoneiros ameaçam greve, após novo aumento. Estaria ele semeando o caos em outro delírio golpista?
Por Paulo Kliass Publicado 10/05/2022
Bolsonaro tem uma impressionante capacidade de sempre surpreender a quem quer que busque acompanhar a cena política e econômica de nosso país. Para alguns analistas, ele faz apenas um jogo de cena para manter unidos e raivosos seus seguidores mais fanáticos da extrema direita. Esse seria o sentido de manter sempre na pauta as políticas suas tiradas a respeito de temas polêmicos e retrógrados, com os quais não consegue ampliar politicamente sua base e que podem prejudicá-lo em épocas pré-eleitorais.
Para outros observadores da cena, o ex-capitão se move apenas pela defesa desesperada de seu novo mandato (e os de seus filhos), por conta do receio de perder a imunidade e o foro privilegiado. Essa preocupação se baseia nos inúmeros casos envolvendo processos judiciais contra ele e membros de sua família no âmbito nacional e também em foros internacionais. Assim, ele busca sempre criar algum novo factoide para chamar a atenção dos meios de comunicação e das forças políticas de forma geral, com o objetivo de evitar o tratamento e a divulgação dos fatos vinculados à tragédia social e econômica que atinge a grande maioria da população brasileira.
A insistência em manter no cargo uma figura como o ex-superministro da Economia, tão impopular quanto incompetente, como Paulo Guedes também surge como fato aparentemente paradoxal. Afinal, o aprendiz de liberaloide não entregou nem 10% da extensa lista de promessas oferecidas ao chefe e às elites do financismo, desde a época da campanha, em 2018. Tendo em vista que a situação da economia e do desemprego é citada por 11 em cada 10 pesquisas de opinião realizadas ao longo dos últimos tempos como sendo o principal drama experimentado pelo povo e pelo eleitorado, a permanência de Guedes também pode atuar como um tiro no pé. Lembram muitos que não seria difícil encontrar alguém com perfil semelhante – e sem o histórico de desgaste que carrega o banqueiro – para substituí-lo.
Apesar do desastre, Guedes permanece no governo
Em conjunturas anteriores, Bolsonaro não hesitou muito para demitir colaboradores com elevada carga simbólica para seu governo, como ex-juiz Sergio Moro, à frente da pasta da Justiça e Segurança Pública. O responsável pelo processo jurídico irregular e pela prisão ilegal de Lula, para que o mesmo não pudesse concorrer às eleições e impedir a vitória de Bolsonaro, ficou pouco mais de um ano e meio na Esplanada dos Ministérios. A crise do covid-19 também abriu espaço para substituições em sequência no comando do Ministério da Saúde, sendo que nem mesmo a superação da marca de 600 mil mortes levou Bolsonaro a mudar seu comportamento negacionista e criminoso a respeito da pandemia.
Mas, nos últimos tempos, talvez a crise atual da Petrobrás nos ofereça um caso ainda mais complicado de explicar no que se refere ao comportamento do presidente da República. Em seu passado obscuro de deputado federal do baixo clero – e defensor ardoroso da ditadura, da tortura e da pena de morte – ele nunca defendeu a privatização das empresas estatais. Muito pelo contrário, ele se dizia contra os processos ocorridos com a Vale do Rio Doce e Telebrás, por exemplo, que foram vendidas ao capital privado durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Passou a externar opinião contrária apenas depois que começou a ser cortejado pela elite do financismo durante a campanha presidencial de 2018. Ao delegar a responsabilidade pela elaboração de seu programa econômico nas mãos de Paulo Guedes, Bolsonaro passou a se abster de dizer o que pensava a esse respeito. Além disso, isso não impediu que algumas iniciativas levadas a efeito pelo seu subordinado fossem concretizadas, como a conclusão da privatização da BR Distribuidora em julho do ano passado.
Ocorre que os efeitos da política de “preços de paridade de importação” (PPI), implementada pela duplinha dinâmica Temer & Meirelles em 2016, começou a incomodar seus planos de governo. Segundo essa determinação, os preços dos derivados de petróleo nas refinarias da Petrobrás devem ser reajustados internamente em reais de acordo com a evolução da cotação em dólar do barril do óleo no mercado internacional. Tudo em nome de um suposto compromisso ao atendimento às leis do mercado, o tal do sacrossanto equilíbrio entre oferta e demanda. Uma loucura! O Brasil perde ainda mais em soberania e em autonomia energética, estimulando a exportação de óleo cru e a importação de gasolina, diesel e outros derivados. Tudo bem de acordo com o figurino determinado pelo pacto pós-colonial, onde ficamos com a venda ao exterior de produtos de baixo valor agregado e compramos do resto do mundo bens de elevado valor agregado.
Os efeitos negativos da PPI
Quando tem início um aprofundamento da desvalorização de nossa taxa de câmbio – e o mercado especulativo internacional começou a passar por períodos de elevação na cotação das “commodities” em geral e do petróleo em particular – os aumentos nos preços de itens importantes na composição dos índices de inflação passaram a incomodar Bolsonaro. Berrou, esperneou, exigiu a deslealdade de seu indicado para a presidência da estatal, o general Luna e Silva. Mas não conseguiu fazer com que a política de preços fosse alterada, uma vez que seus compromissos com os representantes do sistema financeiros não permitiam que ousasse um pouco mais, na linha de reduzir os efeitos da elevação de tais preços. A partir da metade de seu mandato, rompeu com alguns dos pressupostos iniciais de sua promessa de governo e optou por priorizar a própria reeleição. Deixou-se cair nos braços do Centrão e começou a adotar uma elevada dose de pragmatismo em suas definições políticas.
Mas o interessante é que esbarrou nos limites ditos institucionais para alterar a política de preços da Petrobrás. Ensaiou uma redução demagógica do ICMS, imposto estadual, mas os efeitos foram imperceptíveis. Conseguiu demitir da presidência da estatal o general que o havia traído, mas acabou ficando com uma solução do tipo “seis por meia dúzia”, pois o novo ocupante do posto não aceitou mudar a PPI. Assim, seu governo continua a ser responsabilizado, do ponto de vista da opinião pública, por esses preços estratosféricos que os consumidores estão sendo obrigados a pagar. Seja na compra direta dos derivados, seja pelos efeitos indiretos na estrutura da economia, com a volta da inflação de dois dígitos. Em resumo, faltou a ele a coragem política de enfrentar os desejos do financismo e colocar em prática uma política de preços que não lhe seja tão perturbadora do projeto de permanecer à frente do Palácio do Planalto como a atual.
Estamos a menos de cinco meses do primeiro turno das eleições. Todas as pesquisas de intenção de voto apontam Lula em primeiro lugar na preferência do eleitorado, com a vitória do ex-presidente no segundo turno. Algumas sondagens chegam mesmo a sugerir possibilidade de conclusão da disputa no primeiro plano, tendo em vista o fracasso da chamada terceira via. Ora, para além das intenções golpistas de Bolsonaro, parece evidente que a deterioração do quadro da crise econômica e social não ajuda em nada qualquer tentativa de recuperação da popularidade do candidato à reeleição. E, mesmo assim, ele nada faz para evitar a continuidade da elevação dos preços de produtos de alta sensibilidade econômica, social e política. A situação é tão estranha que a segunda semana de maio começa com o anúncio de nova alta no diesel e expectativas de que o mesmo ocorra com a gasolina.
A reação dos caminhoneiros
Para além dos efeitos negativos de forma generalizada, a medida opera também como rastro de pólvora em uma categoria que havia sido estratégica para a eleição do candidato que se dizia “contra tudo o que está aí” e para a sustentação do novo governo em seus primeiros momentos. Mas a paciência dos caminhoneiros rapidamente atingiu seu limite, por mais que as lideranças do movimento tenham uma queda explícita pelo discurso do bolsonarismo. Cabe como uma luva a esses indivíduos o mito e a narrativa enganosa do empreendedorismo. No entanto, quando a situação aperta, eles logo percebem que a ideia de ausência de regulação por parte do Estado não protege as partes mais frágeis na complexa cadeia do ramo econômico dos transportes.
A passividade de Bolsonaro no enfrentamento da questão, ao aceitar a continuidade dos reajustes nos preços do diesel, desperta a ira daqueles que o apoiaram até outro dia. Não faltam analistas que interpretam esse comportamento do presidente/candidato como uma possível estratégia deliberada de deixar uma porta aberta para a chegada do caos. A capacidade que os caminhoneiros apresentam para desestabilizar quadros políticos e sociais na América Latina é recorrente e bastante conhecida. Alguns representantes destes profissionais voltaram a elevar o tom contra a permanência da PPI como política do governo e têm se manifestado contra os reajustes anunciados no dia 09 de maio.
Diante de tal quadro generalizado de insatisfação, permanecem as dúvidas quanto às reais intenções de Bolsonaro para lidar com o problema. Até o momento, sua resistência em alterar a indexação dos preços internos dos derivados à flutuação do petróleo nos mercados globais só tem beneficiado um único setor. Em prejuízo da grande maioria da sociedade – sejam trabalhadores ou empresas – que pagam pelos efeitos dos preços elevados, as empresas do complexo petrolífero e os acionistas da Petrobrás se apropriam privadamente dos lucros extraordinários obtidos de forma especulativa e totalmente fora de alinhamento com aquilo que vem ocorrendo na economia real.
Desgaste de Bolsonaro e a opção pelo golpe
Apenas no primeiro trimestre deste ano, a empresa registrou um lucro de R$ 45 bilhões. Graças aos mecanismos derivados da PPI, o conglomerado estatal tornou-se uma fábrica de apuração de lucros obtidos pelo diferencial entre os preços de importação e exportação. Obedecendo apenas à lógica rentista dos proprietários de seus títulos nos mercados acionários no Brasil e no exterior, a Petrobrás abandonou seu objetivo primeiro, qual seja, se manter como uma das maiores empresas exploradoras e produtoras de petróleo e derivados no mundo. Converteu-se tão somente em uma unidade contábil típica das fases do mercantilismo pré-industrial.
É preciso recordar aqui os já exorbitantes ganhos apurados pela empresa em 2021, quando mais de 95% dos R$ 107 bilhões contabilizados foram distribuídos sob a forma de lucros e dividendos aos acionistas. Isso significa que os investimentos tão necessários de serem realizados na própria Petrobrás foram abandonados, ao passo em que a apropriação privada de seus rendimentos ainda recebeu a generosa isenção de impostos sobre tais rendimentos. Os beneficiários agradecem de forma emocionada e parecem pouco se importar com os efeitos macroeconômicos resultantes da PPI. O problema, no entanto, é que na equação eleitoral seus votos são insuficientes para compensar o desgaste da impopularidade crescente.
Bolsonaro certamente deve receber, a cada dia, novas informações dando conta das dificuldades que deve enfrentar para vencer o pleito. Talvez por isso siga com um pé na canoa do golpe. Busca desmoralizar o sistema das unas eletrônicas e eleva o tom contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse intento de desacreditar a lisura do processo de voto e apuração, ele tenta obter o apoio dos Forças Armadas em sua na aventura criminosa e antidemocrática. Se essa realmente for a estratégia de seu Plano B, talvez a superação dos problemas gerados pela PPI seja mesmo um fato menor.