Busca ativa” na educação
A “busca ativa” na educação
Em função deste artigo, recebi mensagens sobre diversos temas. Percebi certa dificuldade na delimitação do ponto sobre o qual debrucei minha crítica. A questão é: que efeitos são produzidos no período de fechamento das escolas, quem é mais afetado? Advogo que o momento exige uma “busca ativa” do poder público, com foco nos mais vulneráveis que serão os mais prejudicados se nada for feito em um possível afastamento duradouro.
Minha frase “os setores que se agarram ao princípio da igualdade de acesso para defender que nada seja ofertado e registrado agora estão cometendo uma injustiça com os mais pobres” foi tomada como opinativa e provocou polêmica. Porém, ela é fruto do que indicam as evidências.
Em períodos de inatividade longa, os mais pobres retrocedem mais, pesquisas de casos de greves longas ou desastres naturais assim indicam. Além desse histórico da literatura, há essa projeção feita já para a crise que vivemos. O estudo projeta que os alunos que não têm instrução constante durante o fechamento das escolas podem manter apenas 70% de seus ganhos anuais em leitura em comparação com um ano normal. As projeções para as perdas em matemática são ainda piores.
Rever esse atraso é bem difícil, porém, o efeito da crise para os alunos que tem condições de acesso digital e pais envolvidos é menor, os mais vulneráveis retrocedem mais. Pais mais escolarizados representam um cinturão de proteção no período de afastamento. A condição de desemprego e perda de renda afeta mais os alunos mais pobres.
As propostas do meu texto no NEXO são gerais e flexíveis, são tentativas. Elas são baseadas nas recomendações que a UNICEF elaborou para a retomada das atividades presenciais. Os atendimentos por agendamento para os que mais precisam são a tônica do que está sendo proposto em todo o mundo. Cada escola tem de avaliar as suas condições para ofertar com segurança esse acesso.
As atividades ocorreriam no limite, depois que nenhuma outra forma de alcançar os estudantes tivesse êxito. Não se trata de expor alunos vulneráveis (infelizmente eles estão expostos e circulando por outras razões, ainda mais sem nenhuma atividade escolar), não podemos idealizar a quarentena. As atividades ocorreriam de maneira controlada, orientada e esporádica.
O registro das aulas é um meio para garantir a aprendizagem, o fim. Não havendo o alcance mínimo esperado de estudantes ou dos objetivos do planejamento específico, é razoável que não haja o registro. A flexibilidade para avaliar essa questão é fundamental.
Note-se que não trato da oferta deliberada de EAD (por isso a formação docente e familiaridade com ferramentas não seriam os pontos centrais agora). Olho para atividades remotas, que envolvem executar tarefas dirigidas que serão analisadas na retomada. Resumir aulas, textos, vídeos, enfim, fazer exercícios, leituras, são ações mais “físicas” do que digitais.
Poderíamos ter pensando em entregar materiais impressos produzidos pelos docentes (simples e em pouco volume, referentes a 10% da carga horária dos componentes de um ou dois meses) por correio para todos estudantes sem acesso ou que demandem. Tal medida seria parte da busca ativa. As prefeituras e estados estão pensando em dispor materiais impressos, se não há todas as condições, isso deve ser foco da política pública mesmo que demande mais investimento. Em instituições federais teremos eventos presenciais cancelados, parte de recursos poderiam ter sido realocados nesse sentido. Uso o futuro do pretérito nesse parágrafo por ter ciência do quão datadas podem ser essas sugestões.
Os comentários críticos que recebi são de pessoas com as quais tenho grandes afinidades, as divergências pontuais se concentram em basicamente dois pontos. Primeiro a premissa de que ofertar algo poderia agravar a desigualdade, isso não se sustenta. Veja a sutil diferença que existe aqui. A tentativa de ofertar e registrar atividades de ensino remoto torna mais evidente a desigualdade, a desnuda. Contudo, tornar mais evidente, não significa que tentar constantemente alcançar os alunos com ensino remoto irá agravar a desigualdade. Pelo contrário, essa busca ativa é o que pode minimizar.
O segundo ponto é que alguns entenderam que minha preocupação fundamental é o registro (o calendário), não é. Meu ponto é a oferta orquestrada e a “busca ativa”, registrar está relacionado com isso, mas é consequência, se for possível e razoável que se faça. Acho um falso dilema esse o de ofertar ou não atividades de forma sistematizada, temos que ofertar, é a única escolha que temos, é o que as redes estão fazendo ou farão. Registrar ou não é outro tema, porém, a vedação de qualquer tipo de registro sim, a meu ver, é decisão precipitada em tempo de afastamento imprevisível.
O desafio agora é alcançar, ter contato permanente com quem mais precisa, fator fulcral nas experiências exitosas de ensino remoto em outros países. Pesquisas nos EUA mostraram que 90% dos pais dos estudantes relatam o desejo de acesso mais consistente aos professores por parte dos filhos — necessidade de mais orientação sobre como proceder durante o afastamento.
As experiências da Espanha, México e Uruguai mostram também que esse é um momento de consolidar infraestrutura institucional para responder com qualidade a crises como essa. Não estávamos preparados, ninguém estava, teremos de pensar muito como sistemas de ensino e instituições. Testar e experimentar podem representar aprendizado, qualificam o diagnóstico e amadurecem ferramentas para o futuro.
A etimologia da palavra emergência é do latim emergere que significa “trazer à luz”, subir à superfície. O espírito da minha provocação é fazer com que o poder público se mobilize (ainda mais com a quarentena se alongando). “Registrar aula” (meio) é um efeito da intensidade desse esforço para alcançar os fins, mas não é minha preocupação central.
Gregório Grisa Doutor em Educação e Pós-Doutor em Sociologia pela UFRGS | Professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul
https://medium.com/@gregoriogrisa/a-busca-ativa-na-educa%C3%A7%C3%A3o-66d178650be3