Cancelamento Generalizado

Cancelamento Generalizado

CANCELAMENTO GENERALIZADO

Fabrício Carpinejar

As pessoas não se despedem, cancelam amores, cancelam de modo unilateral.

Experimentamos a triste época do cancelamento, o que explica a preguiça no momento de terminar a relação. Ninguém pretende se incomodar em oferecer um adeus. Ninguém deseja o trabalho de discutir o que deu errado.

Não há um último encontro para explicar o que aconteceu, não há a coragem de olhar nos olhos, de avisar que lamenta muito, de prestar uma homenagem ao período vivido junto, de ceder espaço ao contraponto, de amadurecer com as lágrimas, de entregar as chaves com desolação, de sentir o peso da porta fechada pela última vez, de virar o rosto antes de embarcar para uma nova vida.

Abandona-se a cena com displicência. As fotos são apagadas na hora, não existe nem como provar que não foi uma loucura de sua parte.

Os relacionamentos não morrem mais, são cancelados. Com a indiferença do egoísmo.

Como um evento é cancelado. Como uma reunião é cancelada. Como um perfil nas redes sociais é cancelado. Da noite para o dia.

Emprega-se apenas um dedo para um clique, não todos os dedos para acenar.

Isso se percebia antes da pandemia e continuará sendo depois.

O cancelamento atingiu a nossa intimidade. Descarta-se o outro, após ter sido usado. Fica-se junto até gostar, até preencher a carência, depois joga-se fora.

Não há a paciência mínima para o remorso, para o arrependimento. Não se sofre mais com a ruptura. Cadê a fossa, cadê a canção brega no escuro da sala, cadê a dor de cotovelo, cadê o luto?

Não existe nem o propósito de se manter uma amizade, ainda que seja difícil.

Cancelar uma vida é desumano, é se desligar simplesmente.

A utilidade vem substituindo a ressignificação.

Onde estão o respeito e a honestidade do passado em comum?

Não se telefona para suportar a resposta, para enfrentar a resposta.

Cancela-se alguém como se não fosse nada, como se não representasse mais nada. Silenciosamente. Sem anestesia.

Como um bagaço de uma fruta. Não, pior que um bagaço de fruta que ainda é capaz de adubar o solo.

Manda-se uma mensagem impessoal no WhatsApp dizendo apenas que acabou. E depois o contato é bloqueado para evitar o constrangimento de ler o que não se quer.

Imagina perder tempo com quem não nos serve mais, com quem não desperta mais interesse.

Só na partida revelamos o nosso caráter.

Quem cancela jamais amou.




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