Carta aberta ao governador
Carta aberta ao governador e aos deputados do Rio Grande do Sul (por Agapan)
Diante das tragédias ocorridas no Estado, continuarão insistindo em retrocessos ambientais?
Agapan (*) 26 de setembro de 2023
No dia 22 de agosto, em artigo publicado no Jornal do Comércio, sob o título de “O gargalo do licenciamento ambiental”, um deputado do partido Republicanos, que atualmente preside a Comissão de Economia da Assembleia Legislativa, acusa o licenciamento ambiental de causar prejuízos à economia do Estado e insinua que quem defende o meio ambiente seria pertencente a um segmento que quer manter a sociedade na idade da pedra.
O deputado é autor de projetos de lei em tramitação da Assembleia Legislativa que propõem alterações na legislação ambiental, causando retrocessos na proteção. Em síntese, para o presidente da Comissão de Economia, Desenvolvimento Sustentável e do Turismo da Assembleia Legislativa, o meio ambiente preservado é um entrave ao desenvolvimento.
Cabe a pergunta a todos deputados e deputadas: o pensamento desse senhor seria uma voz destoante ou representa a da maioria dos parlamentares? A sociedade gaúcha precisa saber. Afinal, os rumos do Estado passam pela Assembleia Legislativa e as tragédias ambientais estão aí, causando mortes e danos à vida da população. Embora alguns não percebam ou ainda prefiram dar de ombros, as crescentes tragédias já demonstram ser resultados da intensificação da atual crise climática, reforçadas por ações deletérias de alguns setores da sociedade.
A Agapan considera como muito graves os reiterados ataques do deputado à legislação e às estruturas de proteção ao meio ambiente, sintetizados no conteúdo dos seus projetos de lei, no artigo e em manifestações. Assim, viemos a público colocar algumas questões para reflexão dos representantes da população no Legislativo e da sociedade gaúcha, assim como aos eleitores, que definem quem continuará nestes cargos públicos.
Para início de diálogo, é importante todos terem consciência que o que está em debate diz respeito a nós, enquanto sociedade, e isso tem severas consequências. Por coincidência, neste período, o Rio Grande do Sul, lamentavelmente, passa por uma imensa tragédia ambiental. Falamos no desastre que impactou fortemente o Vale do Taquari, principalmente os municípios de Muçum e Roca Sales, entre outros, causando dezenas de mortes, destruição das cidades, bem como perdas econômicas e culturais. Uma verdadeira tragédia anunciada. Também é importante lembrar que, há poucas semanas, houve outro evento, o ciclone extratropical que impactou a região do litoral gaúcho, com perdas econômicas na produção e na vida das famílias que ali residem. O Rio Grande do Sul passou por quatro estiagens nos últimos anos, sendo uma delas a maior em sete décadas.
Há pelo menos 30 anos, deste a conferência do Rio de Janeiro, realizada em 1992, que colocou as mudanças climáticas na pauta mundial, a Ciência tem apontado, com inúmeros estudos, que os potenciais impactos no mundo decorrentes das mudanças climáticas cresceriam em intensidade e frequência caso não se alterasse o modelo de economia predominante. No entanto, desde muito antes, enquanto entidade pioneira no Brasil, estamos buscando ecologizar a nossa sociedade, tarefa árdua da qual nunca abrimos mão e jamais desistiremos, ainda que os comandos dos governos e dos parlamentos se modifiquem.
Infelizmente, os rumos apontam que tem sido para pior.
Atualmente, todas as mídias do mundo mostram, todos os dias, que a mudança do clima já é uma realidade. Negar a emergência climática se torna até vexatório, indício de alienação a respeito da realidade ou má fé com interesses escusos.
Em conjunto com outras entidades ambientalistas, e sempre com base científica, temos alertado para os prejuízos que as alterações na legislação ambiental e na precarização na gestão ambiental provocam para a sociedade. Desde o debate do Código Florestal (em 2012), passando pelo desastre da gestão irresponsável do ex-ministro Ricardo Salles (governo Bolsonaro, 2019-2022) no âmbito nacional, ainda lutamos contra a permissão criminosa do desmatamento da Amazônia e do Cerrado, entre outros biomas. Aqui no Estado, nos opomos às mudanças do Código Estadual de Meio Ambiente, patrocinada pelo governador Eduardo Leite, alertamos para a devastação dos biomas Pampa e Mata Atlântica e a irresponsabilidade do governo na gestão das águas. Nossos cursos d’água estão impactados, poluídos e desprotegidos por pressões comerciais e orientações equivocadas aos nossos pequenos e médios produtores rurais.
No mesmo sentido, alertamos para a necessidade de abandonar as fontes fósseis de energia. Defendemos banir o uso do carvão – por meio da participação ativa no Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande – e acelerar a transição energética para fontes renováveis, com o incentivo a processos de instalações que respeitem o meio ambiente em sua totalidade, o que inclui a fauna, a flora e as comunidades tradicionais. A Agapan, há 52 anos, coloca esses temas na pauta do Estado, que é precursor do ambientalismo, bem como do Brasil e do mundo, através de suas participações nos mais variados fóruns, conselhos e coletivos de meio ambiente.
As alterações nas legislações e visão como a apresentada no artigo e ações do deputado são motivadas por pressões de setores econômicos e pensamentos egoístas e retrógrados que somente pensam em lucros e vantagens imediatistas, mas que transferem o ônus e as consequências para toda a população, que posteriormente paga a conta, inclusive com vidas, incluindo as futuras gerações, para quem pouco ou nada restará a não ser lutar para sobreviver em meio a eventos extremos. Posturas negacionistas, irresponsáveis e lesivas à proteção ambiental prejudicam a sociedade porque comprometem o futuro, a qualidade de vida e mesmo a segurança das populações, expondo as pessoas a riscos e tragédias.
O Governo do Estado do Rio Grande do Sul e a Assembleia Legislativa devem assumir a realidade da emergência climática e construir um pacto para não permitir mais retrocessos ambientais. Além disso, devem assumir o compromisso de tomar a frente em vultuosas campanhas e investimentos em recuperação de vegetação nativa, na proteção das áreas de preservação permanente, energias renováveis e sistemas de produção com uma economia industrial, comercial e agrícola de baixa emissão de carbono e em bases sustentáveis. Sem um novo modelo social, com base na sabedoria do pensamento ecológico, não há futuro.
Diante dessas considerações, solicitamos que:
Os seguintes Projetos de Lei sejam RETIRADOS de tramitação na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul por se caracterizarem por retrocessos ambientais: PL 218/2023; PL 268/2023; PL 151/2023; PL 204/2023; PL 433/2021; PL 97/2018.
Os temas Mudanças Climáticas e Transição Energética sejam colocados como prioridade da pauta da Assembleia Legislativa e do Governo Estadual.
Não se admitam mais projetos que reduzam cobertura de vegetação nativa, ampliando as unidades de conservação no Estado.
A legislação dos recursos hídricos seja totalmente implementada, impedindo que a água seja domínio de setores econômicos (sejam produtores rurais, energia ou indústria), garantindo-a como bem público de uso de todos, com prioridades e gestão sustentável.
Os instrumentos de gestão ambiental como Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) e outros instrumentos de gestão ambiental sejam implementados e aperfeiçoados para que a produção não destrua mais o meio ambiente, com garantia de participação plena da sociedade e dos movimentos socioambientais interessados na proteção da vida natural.
A Secretaria de Meio Ambiente volte a ter órgão independente da Infraestrutura, por ser inaceitável que o órgão central da gestão ambiental esteja subordinado a quem estimula projetos de mineração e infraestrutura, que sabidamente são impactantes para o ambiente natural. Essa junção é lesiva à gestão ambiental e deve ser revertida.
A Casa do Povo se abra à participação e ao debate público, atuando decisivamente para a proteção do meio ambiente. As decisões da Assembleia Legislativa têm impactos na vida da população e podem ser as responsáveis por tragédias.
Estamos consternados e solidários com as famílias que foram diretamente impactadas pelas recentes enchentes. No entanto, resta saber quem de fato em nosso Estado assumirá compromissos verdadeiros para que tragédias ambientais assim não se repitam.
A sociedade gaúcha espera do governador Eduardo Leite um pedido de desculpas sinceras por ter tomado decisões tão erradas na gestão ambiental, e que daqui em diante haja de forma diferente, que ouça os alertas da Ciência, em especial dos especialistas em Meteorologia e Clima. Nós, ambientalistas, que sempre nos dedicamos voluntariamente no RS para ajudar a preparar um futuro melhor para todos, continuamos dispostos a colaborar. Entendemos que o Estado deveria perceber e valorizar a trajetória que construímos, reconhecida internacionalmente, e abra espaço para somarmos em prol de nossa sociedade.
(*) Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural -A Vida Sempre em Primeiro Lugar – Desde 1971
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