Carta aberta ao secretário Mario Frias
Carta aberta ao sr. secretário Mario Frias
É pedir muito, senhor secretário, que o senhor faça seu trabalho?
Prezado Sr. Secretário Mario Frias
O senhor não me conhece, embora já tenha me bloqueado em suas redes sociais por ter sido inquirido sobre suas funções à frente da Secretaria de Cultura do Governo Federal.
Meu nome é Donny Correia, sou mestre e doutor em Estética e História da Arte, escritor, crítico e – nas horas vagas – cineasta de ocasião (porque sei dos meus limites e, o senhor, como profissional do audiovisual altamente gabaritado, deve saber que cinema é uma empreitada cara). O senhor irá dizer que me dirijo da forma como o faço agora por ter me tornado crítico, repetindo que “crítico é um artista frustrado”. Mas prefiro não entrar no mérito das consequências da frustração artística... pelo menos, aqui não. Bom, talvez nem aqui e nem em lugar nenhum, já que o senhor tem demonstrado que é avesso ao debate (repito, bloquear contribuintes de seu salário nas redes é um ato pouco republicano).
Também não venho aqui pedir emprego, como o senhor fez em maio de 2020, ao vivo, na CNN Brasil, quando comparou a pandemia (então, rumo ao seu ápice da primeira onda) a mais um desafio, como uma Copa do Mundo, como uma Olimpíada... Realmente, desde então, fico plantado em frente à TV quando saem os boletins de números de mortos pela Covid, trajando minha camiseta da seleção, com uma cervejinha em mãos, só esperando para gritar GOL sempre que a mídia dá os números. Temos mais de 500.000 medalhas de ouro na modalidade morte, até o momento.
Mas, sem tergiversar (tergiversar significa encher linguiça, que conste), escrevo ao senhor por duas razões:
1. Li, hoje, nos jornais, que o senhor tomou algum tempo se sua assoberbadíssima (significa “muito ocupada”) agenda para prestar seu apoio ao Sr. Tercio Arnaud Tomaz (quem caralhas é Tercio Arnaud Tomaz, secretário?) que debochou de Jones Manoel em suas redes. Se me permite, gostaria de chamar-lhe à razão para não se misturar com líderes do governo que, na falta de qualquer aptidão para o debate, preferem seguir a cartilha do Dr. Mabuse da Virgínia (o sr. sabe quem é Dr. Mabuse? Sabe quem foi Fritz Lang? Se não sabe, como um artista, o senhor deveria saber) corroborando para que o mundo veja o Brasil como um país de gente mal-educada, soberba e intimidadora. Como o senhor bem diz em seu vídeo de 10 de maio de 2020 no Youtube, para quem quisesse saber por onde andava bastava checar a Wikipedia. Confesso que sou um visitante contumaz (que significa “recorrente”) da Wikipedia, sempre que quero conhecer a cronologia discográfica do Queen ou qual a novela que substituiu a anterior e/ou precedeu a seguinte. Sim, sr. Secretário, sou noveleiro. Estou antenado com sua trajetória, portanto. Dito isto, me pergunto que CARALHAS o secretário de cultura está fazendo em suas atribuições que, ao invés de estar cuidando para salvar a Cinemateca Brasileira, o senhor está na mídia por destilar preconceito? Acaso os meus impostos são pagos para o senhor usar seu expediente para emitir opiniões que ninguém quer saber? Não. Se eu pago meus impostou, exijo que o senhor faça por merecer seu contracheque, cujo demonstrativo usei para cobrar-lhe quando fui silenciado por você, que é meu funcionário.
2. Agora, vamos à Cinemateca. O senhor, que é um renomado ator, músico e modelo, deve saber bem sobre a história das artes que pratica e da existência de um dos maiores repositórios do mundo para filmes, fotos, programas de TV etc, a Cinemateca Brasileira. Pois bem, que CARALHAS o senhor tem feito para preservá-la? A Cinemateca foi trancada e seu arquivo segue alijados dos cuidados necessário para que não entre em combustão (sim, INCÊNCIO). O Banco de Conteúdos Culturais, repositório online, está fora do ar desde junho de 2020, quando uma queda de energia no bairro da Vila Mariana desligou o provedor. Para colocá-lo de volta no ar, bastaria que o senhor emprestasse a chave do prédio ao seu estagiário e o pedisse que fosse até lá para apertar um botão de “Start” e teríamos, ao menos, grande parte dos filmes, comerciais e programas televisivos de volta para consulta. O senhor é artista, não é? Deve saber que num acervo de mais de 200.00 rolos, dormem obras raras à memória de um povo. Estão lá os primeiros registros que o Mal. Cândido Rondon fez dos índios do centro-oeste e do norte do país, em 1914, pela primeira vez na História (eu disse “índios”, mas foque no “Mal.”, por favor). Sim, e ele o fez graças à perícia de seu cinegrafista oficial, o Capitão Thomaz Reis (olha aí... um capitão!). Também repousam na Cinemateca os filmes de José Medina, um dos primeiros cineastas de verdade do nosso cinema; de Humberto Mauro, outro gênio; as chanchadas (não confundir com “pornochanchadas”, que também estão lá e são igualmente tesouros. E, não, o filme da Xuxa não é uma pornochanchada). Enfim, lá estão Carmen Santos, Mário Peixoto, Glauber, Khouri etc etc etc, nomes e obras que espero serem de seu conhecimento e admiração, tanto quanto a que tenho, afinal, somos colegas, não? Creio que cabe ao secretário de cultura fazer um bom serviço pelo Brasil em todos os âmbitos, correto? Então, a Cinemateca será o próximo Museu Nacional? O sr. prefere passar à História como aquele que destruiu o pouco que restou de nossa memória artística quando poderia ter mostrado ao seu “cercadinho” que nós é que estávamos errados ao achincalhá-lo? Eu gostaria de estar errado, sim. Eu e todos e todas os/as colegas das artes. Nós sabemos que “a arte ainda vai salvar o mundo” (procure no Google), assim como a saúde, a educação, a habitação e todos os etcs com os quais deve contar uma nação sem ter de lamber botas de militares sem disciplina. Cabe ao senhor escolher, sr. secretário. Digo, apenas, que neste momento, o futuro nunca ouviu falar em Mario Frias.
Eu poderia não lhe escrever abertamente, porque não sou afeito ao exibicionismo. Pelo contrário, quero apenas contribuir com a cultura do meu país fazendo minhas pesquisas, dando minhas aulas e escrevendo meus livros e artigos. Mas, como não há meios de chegar ao senhor, pelas razões supracitadas (ou seja, que já falei acima), vamos ver se minha consternação pelas notícias que dão conta de suas atitudes à frente da pasta lhe faz, ao menos, me responder que CARALHAS estão sendo feitas do meu dinheiro e a dos demais que pagam você não para interpretar o papel de pelego alcaguete, mas de defensor da CULTURA. É pedir muito, senhor secretário, que o senhor faça seu trabalho?
Despeço-me, relembrando o senhor. Neste momento, o futuro nem mesmo sabe seu nome.
Respeitosamente,
Donny Correia
https://www.brasil247.com/blog/carta-aberta-ao-sr-secretario-mario-frias
Mário Frias e Jair Bolsonaro (Foto: MARCOS CORRÊA/PR)
A censura agora é às claras
Eric Nepomuceno 16 de julho de 2021
Mário Frias, o canastrinho (nada dele, exceto a estupidez, merece o aumentativo) que ocupa a secretaria especial de Cultura do ministério do Turismo, pouco a pouco vai superando em tudo seus antecessores. Lembrando o que fez Roberto Alvim e a nulidade patética que foi Regina Duarte, convenhamos que a dessa figurinha inexpressiva é uma façanha e tanto.
Em tudo harmoniza perfeitamente com o governo que é, de longe, o mais grotesco e devastador de toda a história da República.
Seu racismo explícito corresponde perfeitamente ao exercido por Sérgio Camargo, o presidente da Fundação Palmares que se insurge contra seus próprios ancestrais que padeceram o horror da escravidão.
Além disso, temos um secretário de Cultura cuja ignorância olímpica o expõe a constrangimentos inéditos, como ir à Bienal de Veneza e não ter ideia de quem era a homenageada, Lina Bo Bardi, com obras que contribuíram para engrandecer a arte brasileira contemporânea.
Como qualquer aspecto que se olhe no Brasil de Jair Messias, as artes e a cultura também sofrem um processo de devastação absoluta. Todos, absolutamente todos os mecanismos e estruturas que desde a retomada da democracia foram criados para incentivar o setor estão sendo destroçados.
Da mesma forma que o governo militarizado de Jair Messias espalhou militares por postos antes ocupados por médicos e funcionários de longa trajetória do ministério da Saúde, na secretaria de Cultura foram espalhados primatas e fanáticos religiosos pertencentes a essas lucrativas empresas batizadas de igreja.
Resultado: um exemplo perfeito de censura veio no veto brutal ao pedido de acolhimento pela Lei Rouanet do Festival de Jazz do Capão, no interior da Bahia, num parecer recheado de citações religiosas.
Outro exemplo: a ANCINE indefere um projeto de filme sobre a trajetória de Fernando Henrique Cardoso, que aliás já tinha sido aprovado, com a justificativa de que “dá margem a inegável promoção da imagem pessoal do ex-presidente da república homenageado no documentário, com notório aproveitamento político, às custas dos cofres públicos”.
Isso, num governo cujo presidente usa grossos punhados retirados dos cofres públicos para se promover de maneira incessante buscando um notório aproveitamento político e eleitoral.
A decisão foi tomada por dois diretores-substitutos, Edilásio Barra, mais conhecido pela alcunha de “Tutuca”, e Mauro Gonçalves de Souza. Os dois disputam a quarta e última vaga aberta na direção colegiada da ANCINE.
“Tutuca” tem uma trajetória obscura em projetos e programas de TV que rondam o ridículo, mas um grande e sólido mérito nesses tempos de treva: se autonomeou pastor.
Aliás, criou uma dessas empresas que lucram com a fé dos pobres, a Igreja Continental do Amor de Jesus, mas até nisso foi um fiasco: o negócio fechou e hoje ele se declara “pastor independente”.
Já Mauro tem qualidades que agradam à família presidencial: foi assessor de um deputado ligado às milícias.
Contra o coronavirus já existem vacinas. Contra o tenebroso Bolsonavirus que devasta o país a cada minuto de cada hora de cada dia, ainda não.
Até quando?