Certidão antecedentes criminais de professores
Apesar de sanção, regra que exige certidão de antecedentes criminais de professores não tem data para ser implementada no RS
Obrigatoriedade está prevista em lei, mas redes de ensino ainda têm dúvidas a respeito
12/02/2024 ISABELLA SANDER
Prevista em lei sancionada pelo governo federal em janeiro, a exigência de certidão de antecedentes criminais para professores e funcionários não tem data para acontecer nas escolas gaúchas. Apesar de muitas das redes do RS já pedirem a apresentação do documento na hora do ingresso no sistema de ensino, ainda não é demandada a atualização dessa informação a cada seis meses, conforme previsto na nova legislação.
A normativa envolve uma alteração no Estatuto da Criança e do Adolescente. O texto de seu artigo 59-A agora estabelece que instituições sociais públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes e que recebam recursos públicos “passem a exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores”, a serem atualizadas a cada seis meses.
Mesmo estabelecimentos educacionais que não recebem recursos públicos “deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores”, mas, nesse caso, não é definido um período específico para essa atualização.
A mudança é apenas uma entre diversas modificações em legislações ligadas a crianças e adolescentes reunidas na Lei 14.811/2024, que prevê a criação da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente. Muito abrangente, o novo regramento tem causado dúvidas nas redes de ensino sobre qual o prazo para sua implementação.
No caso das instituições estaduais de ensino, o governo do Estado já exige essa negativa para ingresso no serviço público, mas não a sua atualização regular. Atualmente, a Casa Civil do Rio Grande do Sul estuda as medidas previstas na nova legislação e diz que “as fará de acordo e em construção nos colegiados apropriados”. O órgão entende que a política “será elaborada no âmbito de conferência nacional a ser organizada e executada por órgão federal competente”.
A rede municipal de Porto Alegre já exige, também, a certidão negativa no momento do ingresso do candidato aprovado, mas não a sua renovação ou revisão. Em nota, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) informou que “atua junto aos órgãos responsáveis na prefeitura para sistematizar o novo padrão”. Ainda está sendo definida qual equipe fará esse trabalho e não há um prazo estabelecido para a implementação dessa mudança.
Entre as escolas particulares gaúchas, a expectativa é de que uma regulamentação da lei traga mais orientações sobre o assunto. O Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe) observou, em nota, que “a legislação tem vários pontos que geram dúvidas sobre a sua implementação”, como, por exemplo, quais as “impropriedades consignadas” numa certidão que podem justificar medidas que vão até a rescisão do contrato de um colaborador.
Procurado pela reportagem de GZH, o Ministério da Educação (MEC) não informou, até o momento, se a normativa passará por uma regulamentação, ou se apenas a política nacional prevista depende da realização de uma conferência.
Nota de repúdio
A exigência de apresentação de antecedentes criminais regularmente foi motivo de divulgação de uma nota de repúdio por parte do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN). No texto, a entidade aponta que a medida “avança no sentido da criminalização e no amordaçamento” de educadores, em especial aqueles “pertencentes a grupos oprimidos que historicamente são estigmatizados e criminalizados pelo Estado”.
O grupo defende que pessoas negras, indígenas, quilombolas e outros setores da classe trabalhadora tendem a ser mais discriminados por esse dispositivo de lei “de todo inconstitucional”. Pontua, ainda, que as mudanças previstas na legislação “alimentam o clima de perseguição política de docentes criado por movimentos e organizações de extrema direita que tentam transformar educadoras e educadores em 'inimigos internos' que devem ser patrulhados, criminalizado(a)s e cerceado(a)s”.
Em nível regional, o Cpers/Sindicato foi procurado, mas não informou sobre se já tem uma avaliação sobre o novo regramento. O Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS) terá uma reunião de seu colegiado na próxima sexta-feira (16), quando o assunto deve entrar em pauta.
Confira o que muda com a Lei 14.811/2024:
- Fica definido que as medidas de prevenção e combate à violência contra crianças e adolescentes em estabelecimentos educacionais ou similares, públicos ou privados, devem ser implementadas pelos municípios, em cooperação com os Estados e a União.
- O poder público local deve desenvolver, em conjunto com os órgãos de segurança pública e de saúde e com a participação da comunidade escolar, protocolos para estabelecer medidas de proteção a crianças e adolescentes contra qualquer violência no âmbito escolar.
- Os estabelecimentos educacionais deverão prever capacitação continuada do corpo docente, integrada à informação da comunidade escolar e da vizinhança em torno do estabelecimento escolar sobre os protocolos de proteção.
- A Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente será elaborada no âmbito de conferência nacional a ser organizada e executada pelo órgão federal competente, e será reavaliada a cada 10 anos.
- As políticas públicas de prevenção e de combate ao abuso e à exploração sexual da criança e do adolescente não poderão se restringir às vítimas e devem considerar o contexto social amplo das famílias e das comunidades. Também deverão prever a capacitação continuada de todos os agentes públicos que atuam com essa população em situação de violência sexual.
- Os conselhos de direitos da criança e do adolescente, organizações da sociedade civil e representantes do Ministério Público deverão fazer avaliações a cada três anos, em conjunto com o poder público, sobre a implementação dos Planos de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente.
- A pena para quem matar alguém menos de 14 anos será aumentada em dois terços, quando o crime acontecer em uma escola.
- A pena para quem induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça será dobrada, em casos no qual o autor é líder, coordenador ou administrador de um grupo, comunidade ou rede virtual, ou por estes é responsável.
- São tipificados no Código Penal os crimes de intimidação sistemática (bullying), com pena de multa, em casos menos graves, e intimidação sistemática virtual (cyberbullying), com pena de reclusão de dois a quatro anos e multa, em casos menos graves.
- São definidos como crimes hediondos o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizados por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real; o sequestro e cárcere privado cometido contra uma pessoa com menos de 18 anos; e o tráfico de pessoas cometido contra criança ou adolescente.
- Também ficam definidos como crimes hediondos produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente, além de adquirir, possuir ou armazenar esses materiais. Receberá a mesma pena quem agencia, facilita, recruta, coage ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas, ou, ainda, quem com esses contracena, bem como quem exibe, transmite, auxilia ou facilita a exibição ou transmissão, em tempo real, por qualquer meio ou ambiente digital, de cena de sexo explícito ou pornográfica com a participação de criança ou adolescente.
- Paga multa de três a 20 salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência, quem divulga, sem autorização, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a uma criança ou adolescente a que se atribua ato infracional. Recebe a mesma pena quem exibe ou transmite imagem, vídeo ou corrente de vídeo de criança ou adolescente envolvido em ato infracional ou em outro ato ilícito que lhe seja atribuído, de forma a permitir sua identificação.
- Instituições sociais públicas ou privadas que desenvolvam atividades com crianças e adolescentes e que recebam recursos públicos deverão exigir e manter certidões de antecedentes criminais de todos os seus colaboradores, as quais deverão ser atualizadas a cada seis meses. Estabelecimentos educacionais e similares, públicos ou privados, que desenvolvem atividades com crianças e adolescentes, independentemente de recebimento de recursos públicos, deverão manter fichas cadastrais e certidões de antecedentes criminais atualizadas de todos os seus colaboradores.
- Pai, mãe ou responsável legal que não comunicar à autoridade pública o desaparecimento de uma criança ou adolescente receberá pena de reclusão de dois a quatro anos, além de multa.