Certificação de competências
CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Marise Nogueira Ramos
A ‘certificação de competências’ é um aperfeiçoamento da certificação ocupacional, que surge como um projeto do Centro Interamericano de Investigação e Documentação sobre Formação Profissional da Organização Internacional do Trabalho(Cinterfor/OIT), seguido por diversas iniciativas levadas a cabo em vários países, como resultado do deslocamento do conceito de qualificação para a noção de competência. A idéia central em ambos os casos é distanciar a certificação da concepção acadêmica de credencial, obtida ao concluir estudos com êxito demonstrado por meio de provas, e aproximá-la da descrição de capacidades profissionais reais do trabalhador, independentemente da forma como ele as tenha adquirido. Assim, a ‘certificação de competências’ profissionais pode ser realizada pela instituição de formação profissional em que se tenha cursado programas de formação profissional ou por um organismo criado especialmente para certificar essas competências.
A ‘certificação de competências’ passa a adquirir um valor relacionado com a chamada ‘empregabilidade’ pelo fato de se referir a competências de base ampla, normalizadas em sistemas que facilitem a transferibilidade dos trabalhadores entre diferentes contextos ocupacionais. Admite-se, também, sob a égide da formação continuada e permanente, que o certificado tenha validade limitada, de modo que o trabalhador deva atualizá-lo permanentemente em face do avanço científico-tecnológico. O certificado de competência é expedido com base em normas de competência (ver verbete Avaliação por Competências). Por se referirem a funções produtivas reais, os certificados podem abranger unidades de competências diferentes, de modo que o trabalhador acumule certificados de sucessivas unidades de competência nas quais tenha demonstrado domínio. Acredita-se que, assim, ele pode incrementar suas possibilidades de promoção e de mobilidade profissional. Dependendo da configuração do sistema, um conjunto de certificados que corresponda à totalidade das unidades de competência, correspondente, por sua vez, a uma função, pode receber equivalência à respectiva qualificação.
Um sistema de ‘certificação de competências’ pressupõe a atuação em duas dimensões. De um lado, os componentes institucionais; de outro, os componentes técnicos. Os primeiros referem-se aos diferentes sujeitos sociais que cumprem papéis em diversos níveis. Os segundos são as diferentes fases a se desenvolver no processo de certificação.
Os componentes institucionais dividem-se em três níveis: a direção do sistema, o nível executivo setorial e o nível operativo. O nível diretivo gera acordos necessários para estabelecer a estrutura do sistema; isto é, é responsável pela elaboração da base institucional e do referencial legal. Conta com a representação dos trabalhadores e dos setores empresarial e governamental. O nível setorial é de caráter executivo e é conformado pelos empresários e trabalhadores de um setor ocupacional específico. É nesse nível que se processam a investigação das competências e as respectivas normas sobre as quais se certifica. No nível operativo, figuram as instituições dedicadas à certificação e à formação dos candidatos à certificação.
Um sistema dessa natureza pressupõe que as instituições formadoras desenvolvam seus currículos a partir das normas de competências estabelecidas e institucionalizadas. As entidades certificadoras, por sua vez, encarregam-se de estabelecer que um trabalhador aspirante à certificação é ou não competente. Para isto, desenvolvem os instrumentos de avaliação. Nesse quadro, discute-se sobre a pertinência ou não de a instituição que forma também poder certificar. Algumas visões entendem que isto configura uma maior independência da avaliação e confere à idéia de certificação uma identidade mais clara, separando-a da titulação que se pode obter ao fim de uma ação formativa. Por fim, seria coerente com o princípio segundo o qual a certificação pode ocorrer independentemente de como e onde se aprendeu. Outras visões, particularmente aquelas em que a competência, muito mais do que reconfigurar toda a base da formação profissional, atua como uma nova linguagem entre os sujeitos sociais, consideram que essa separação é inócua, quando não indesejável.
Os componentes técnicos do sistema de certificação são os seguintes: as metodologias de investigação de competências (ver verbete Currículo por Competências), as normas de competências (ver verbete Avaliação por Competências), a formação por competência (ver verbete Currículo por Competências) e a avaliação das competências. Discute-se, ainda, sobre a validade dos certificados e sua coerência com o quadro formalizado da divisão técnica e social do trabalho, normalmente explicitadas em termos de grades de classificação ou catálogos de ocupações. A implantação de um sistema desse tipo acaba exigindo que se reformule e se atualize essa classificação. Este procedimento pode ser formal e pouco perturbador ou compreender mudanças significativas, tanto no plano operacional quanto conceitual. Neste último caso, pode vir a se materializar nos códigos das profissões e do exercício do trabalho. A noção de competência como ordenadora da gestão do trabalho acaba se concretizando na medida em que consegue promover reconfigurações materiais também nos processos formativos.
No Brasil, a instituição da ‘certificação de competências’ foi introduzida pelo Decreto n. 2.208/97, com finalidades mais voltadas para o sistema educacional do que para as relações de trabalho. A determinação, nesse sentido, exigia que os sistemas federal e estaduais de ensino implementassem, por meio de exames, a ‘certificação de competências’, que possibilitaria tanto a dispensa de disciplinas e módulos em cursos de habilitação do ensino técnico quanto a equivalência entre o conjunto de certificados de competência e respectivas disciplinas e/ou módulos que integram uma habilitação, conferindo o diploma correspondente. Tal determinação teve como base o artigo 41 da Lei n. 9.396/96 (LDB), que reconhece a possibilidade de avaliar, reconhecer e certificar, para prosseguimento ou conclusão de estudos, o conhecimento adquirido na educação profissional, inclusive no trabalho. Sob esta ótica, a ‘certificação de competências’ torna-se-ia um instrumento a mais na estrutura da educação profissional, mas não eliminaria ou substituiria os títulos relativos às qualificações profissionais.
Argumentos a favor da ‘certificação de competências’ são apresentados em duas perspectivas. Sob a primeira, destaca-se a importância de valorizar a experiência profissional e o autodidatismo dos trabalhadores, considerado como um potencial humano que tem permanecido oculto e que precisa ser adequadamente identificado, avaliado, reconhecido, aproveitado e certificado (Parecer CEB/CNE, n. 17/97). Sob a segunda perspectiva, a ‘certificação de competências’ permitiria tanto um atendimento mais flexível e rápido das necessidades do mercado de trabalho quanto uma constante atualização de perfis profissionais e respectivas formas de avaliação de competências em face das constantes inovações tecnológicas e organizacionais do mundo do trabalho. Com base nesses argumentos, a ‘certificação de competências’ constituiria mais um instrumento para a democratização da educação profissional, por abrir possibilidades de formação inicial, continuada e técnica de trabalhadores, empregados ou não. A certificação complementaria e, em determinados casos, dispensaria, freqüência a cursos e programas de educação profissional. Por outro lado, o reconhecimento do saber tácito do trabalhador corresponderia a um direito importante no âmbito da educação de jovens e adultos trabalhadores.
A Resolução CNE/CEB n. 4, de 1999, em seu artigo 16, disciplinou que o MEC, em conjunto aos demais órgãos federais das áreas pertinentes, ouvido o Conselho Nacional de Educação, organizaria um sistema nacional de certificação profissional baseado em competências. Previa, ainda, que desse sistema participariam representantes dos trabalhadores, dos empregadores e da comunidade educacional.
A institucionalização de um sistema de certificação profissionalexige um debate aprofundado sobre a ameaça de este se constituir como um dispositivo não democrático, mas sim excludente para os trabalhadores. De fato, uma das referências teórico-metodológicas de um sistema desta natureza visa gerar novos instrumentos técnicos com uma funcionalidade voltada para resolver problemas de competitividade, oportunidades e hierarquias sociais, desvalorizando os títulos profissionais em nome de competências flexíveis e renováveis permanentemente. Neste caso, a certificação não proporcionaria o reconhecimento dos conhecimentos dos trabalhadores, assegurando-lhes o direito ao acesso ao sistema educacional e à negociação trabalhista a partir de seus saberes. Ao contrário, os certificados corresponderiam a mecanismos de classificação, seleção e exclusão do mercado de trabalho.
PARA SABER MAIS
BRASIL. CNE/CEB. Resolução n. 04/99.Institui as diretrizes curriculares nacionais para a educação profissional de nível técnico. Brasília, 1999.
BRASIL. CNE/CEB. Parecer n. 17/97. Dispõe sobre as diretrizes operacionais para a educação profissional de nível técnico. Brasília, 1997.
RAMOS, M. N. A Pedagogia das Competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez, 2001.
http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/cercom.html