Cidade educadora
Cidade educadora não humilha professor!
Por que uma das profissões mais essenciais e formadoras de nossa sociedade não é valorizada?
Por que só 7%?
O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) é um conjunto de fundos contábeis formado por recursos dos três níveis da administração pública do Brasil que busca promover o financiamento da educação básica pública do país. Em vigor desde 2007, e regulamentado por intermédio de Projeto de Lei (4372/2020) em 2020, o fundo provém de recursos federais como IPVA, ICMS, e mediante essa arrecadação de impostos, o valor é repassado para os municípios investirem em educação e na valorização de professoras e professores.
Com a nova legislação do Fundeb, foi autorizado que esse montante seja utilizado com profissionais de educação no geral, à exemplo de pessoas que trabalham no ambiente escolar, como psicólogas, assistentes e merendeiras. Atualmente, se permite que esses investimentos sejam pagos por meio do Fundeb, cujo valor total deve ser gasto em no mínimo 70%, ou seja, é possível que um índice superior seja aplicado na Educação. É possível que os gastos sejam maiores.
De acordo com o presidente do Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb (CAPES – Fundeb) e professor do município, Rudimar Gomes, a verba também pode – e deve – ser utilizada para o pagamento do Piso Nacional do Magistério, e caso o município tenha dificuldades financeiras para realizar o investimento, ainda há a possibilidade de pedir recursos para o Governo Federal.
Seguindo essa lógica, não haveria justificativa para o não pagamento do piso dos educadores e educadoras em Passo Fundo. “Considerando os relatórios, e o funcionamento do Fundeb, não existe justificativa para que o reajuste de 33,24% não seja realizado. O que nos foi repassado pelo fundo até hoje, é de que o Governo Federal pode sim dar esse respaldo em caso de falta de recursos”, pontua Gomes.
O Projeto de Lei aprovado em março pelo Legislativo, com quinze votos favoráveis e cinco contra, estabeleceu um reajuste de somente 7% ao magistério e aos servidores municipais, dividido em três vezes e pago nos meses de março (3%), agosto (3%) e setembro (1%).
Segundo o presidente do CAPES, o município pode afirmar que não está conseguindo arcar com as despesas, e dessa forma, o Governo Federal realiza uma nova transferência de valores por meio do VAAT (Valor Aluno Ano Total – monte gasto por estudante anualmente). Assim, é feito um novo cálculo em cima dessa quantia para que a valorização profissional possa acontecer.
CPI do Fundeb
No dia 14 de abril, a vereadora Regina Costa dos Santos (PDT), após motivação do CMP Sindicato, protocolou na Câmara Municipal de Vereadores um pedido para a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as aplicações das verbas do Fundeb em Passo Fundo.
Para Rudimar, a CPI é a melhor forma para se entender onde este dinheiro está sendo utilizado. “Uma CPI nunca vem para incriminar, mas para trazer às claras, explicar. Onde esta verba está sendo colocada? Este dinheiro está chegando? Não está chegando? Está só no papel? Onde está sendo utilizado? Essas não são dúvidas minhas ou do sindicato, são dúvidas de todos os(as) professores(as) do município que esperaram por esse aumento e estão 42% abaixo do piso nacional. A categoria quer transparência”.
É importante lembrar que até 2017 a categoria estava acima e/ou dentro do Piso Nacional do Magistério, mas a partir de 2018, a reposição salarial decaiu. O índice de 42% abaixo do piso que os educadores recebem atualmente é resultado dos anos em que o piso nacional não foi reajustado com a porcentagem indicada. Os 42% são cumulativos. “A culpa nunca foi dos professores”, coloca Rudimar. “A única coisa que nós queremos é uma resposta: onde estão os 33,24%?”.
É atrás desta resposta que o CMP Sindicato está em busca. A instituição está com nova gestão desde outubro de 2021 e diariamente vem lutando pelos direitos do magistério municipal.
Conforme a dirigente Geniane Dutra, iniciar a nova administração durante a pandemia da Covid-19 foi um desafio, já que as metodologias de ensino sofreram grandes mudanças no período, o que exigiu a atualização de toda a classe educadora, inclusive do sindicato. Reorganizar e mobilizar os professores, principalmente de forma presencial, foi desafiador, mas serviu de estímulo e aprendizado para o sindicato.
O período pandêmico gerou sobrecarga para os professores e professoras, pois houve a necessidade de adaptação ao novo formato de educação. Essa e outras questões, como a do próprio piso do magistério e a precária estrutura das escolas, são pautas levantadas pelo CMP Sindicato em defesa da classe perante ao Executivo e Legislativo, já que muitas vezes os(as) professores(as) sentem receio de brigar diretamente pelos seus direitos e serem mais desvalorizados ainda.
Portas fechadas
No primeiro dia de aula na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Santo Agostinho, uma criança chorava no portão. Queria muito conhecer a escola, mas não poderia entrar. Neurodivergente, com transtorno autista, e sem monitores no ambiente escolar não conseguiria voltar às atividades. Só se acalmou quando a diretora a pegou pela mão, e a apresentou à EMEF Santo Agostinho. Se Guido fosse citar quais foram os momentos mais tristes que vivenciou no espaço escolar durante os dez anos em que trabalha como professor de português, esse seria um deles.
Guido Miguel Lucero, 35 anos, leciona no estado há uma década, e há dois anos passou a atuar também no município, em três escolas: as EMEFs Arlindo Luiz Osório, Cohab Secchi e Santo Agostinho. Ele pontua o excesso de trabalho cobrado na rede municipal, ao mesmo tempo em que não ocorre a devida valorização salarial em comparação tanto ao estado quanto ao reajuste federal.
Enquanto no estado ele precisa apresentar um plano anual de ensino, no município fica sobrecarregado com roteiros semanais, quinzenais, mensais e ainda trimestrais, já que cada escola tem sua própria organização. Isso sem contar a falta de monitores para alunos com algum tipo de dificuldade e/ou deficiência, que exige a atenção extra dos professores, e que ainda assim não é suficiente.
Como se não bastasse, ainda veio a pandemia, que mudou diversos processos de trabalho usados até hoje, como a plataforma online Classroom, do Google. As atividades de sábados letivos são disponibilizadas remotamente aos alunos por meio do canal digital, ao mesmo tempo em que os professores exercem outras funções presencialmente nas escolas, além de outra atividade extra que deve ser postada pelo menos uma vez ao mês.
Com todos esses processos, Guido sente a desvalorização da classe municipal tendo em vista a sobrecarga que sofre e o abismo entre seu salário e o piso nacional. Hoje ele trabalha 20 horas no estado e 40 horas no município, totalizando uma jornada de trabalho de 60 horas semanais. Devido à inflação, sentiu seu poder de compra diminuir, motivo pelo qual ele faz a jornada atual. “Eu percebo sim o poder de compra menor, mas eu tive que aumentar minha carga horária justamente por causa desse fator da inflação” conta Guigo. Segundo ele, tal sobrecarga diminui a qualidade das suas aulas, e ele não identifica as dificuldades individuais de cada estudante, já que leciona para mais de 1000 alunos: “[…] eu nem os conheço direito por nome assim, eu conheço rostos, é isso que eu consigo fazer”.
O professor também pontua a falta de estrutura nas escolas. Na EMEF Cohab Secchi os notebooks para realização de diversas atividades com os alunos foram recebidos, porém o local não possui internet para a realização dos trabalhos, defasando o ensino. Já na EMEF Santo Agostinho, sequer foram recebidos tais notebooks, que dirá a internet no ambiente. Ele reconhece a importância de ações para melhorar o ensino, como a monitoria para alunos com algum tipo de dificuldade e/ou deficiência, porém diz que não há contrapartida para a efetiva realização de tais projetos.
A desvalorização dos professores e professoras municipais não justifica toda essa cobrança de afazeres e atualizações. A jornada de trabalho aumenta, porém o salário não! Com isso, Guido pensa em mudar sua área de atuação tendo em vista o cenário atual, que só tende a piorar levando em consideração o reajuste 42% abaixo do piso nacional.
E a situação fica pior…
Enquanto no ensino fundamental a situação está ruim, no infantil o cenário só piora. Quando a EMEI Estrela da Manhã, no bairro Dona Elisa, trabalhava com o seu limite de crianças, que é de 220, existiam sete assistentes para atendê-las. Hoje em dia são 204 alunos, e existem apenas quatro assistentes, ou seja, enquanto as matrículas diminuíram somente 7%, a quantidade de assistentes foi cortada pela metade!
Viviane do Prado, a atual diretora da escola, comenta que tal quantidade de assistentes é sem dúvida pouca, porém se torna um privilégio em comparação às outras EMEIs do município, onde em alguns casos nem existem profissionais destinados à função.
No momento a escola possui doze turmas, compostas por berçário, maternal e pré-escola, em que a diretora salienta a importância da assistência no aprendizado dos pequenos, já que auxilia as professoras em diversas funções, para que eles desempenhem da melhor forma possível seu papel de educar: “Além da questão das trocas, da higiene das crianças e de auxiliar na alimentação, as meninas também fazem os intervalos dos professores e fazem a hora-atividade desses professores”.
Conforme a Resolução 21/2014 do Conselho Municipal de Educação de Passo Fundo, para turmas de berçário (0 a 1 ano, com até 8 alunos) é destinada um(a) professor(a) e um(a) assistente fixo(a), enquanto para as outras turmas de maternal 1 (2 anos, com até 10 alunos), maternal 2 (3 anos, com até 15 alunos) e pré-escola (4 e 5 anos, com até 20 alunos), se destina um(a) assistente volante, que pode atender mais que uma turma, respeitando o limite máximo de 30 alunos por assistente. Porém essa não é a realidade na Estrela da Manhã e em muitas outras escolas em situações inclusive piores.
Tudo isso ocasiona tanto risco físico, como acidentes, quanto risco educacional para as crianças. “Tu consegue mais cuidar eles do que trabalhar pedagogicamente com eles, porque você não tem ninguém pra te auxiliar”, afirma Viviane.
Por meio do Projeto de Lei Complementar Nº 13/2021 aprovado em 1º de dezembro do ano passado, o cargo de Assistente de Educação Infantil foi extinguido do quadro de servidores municipais com a justificativa de economia para os cofres públicos, sendo acordada a terceirização de tais profissionais. Logo no dia seguinte ao PLC, a vereadora Regina Costa dos Santos solicitou, por intermédio da Indicação 725/2021 ao Executivo, a agilidade na contratação das assistentes, porém até hoje nenhuma atitude foi tomada.
Quanto aos alunos com algum tipo de deficiência, a diretora conta que a escola tem uma monitora, que consegue atender duas crianças. Porém existe a demanda por mais uma profissional, já que existe mais um aluno que não está recebendo a devida monitoria. Ambos os três são autistas. Apesar de já existir um formato de contratação para estes profissionais por meio da prefeitura, as escolas carecem do auxílio. Viviane conta que é inviável uma única professora atender toda uma turma e prestar atenção em um aluno especial: “Por melhor que seja a prô, por mais dedicada, por mais que ela se empenhe, alguém vai sair prejudicado”.
Além da sobrecarga por conta da falta de assistentes e monitores na escola, outro fator que acentua a desvalorização dos professores é a falta de promoções. O processo funciona por níveis de números e letras, em que se situa em nível 1 os profissionais com ensino médio (magistério), em nível 2 quem tem graduação, e em nível 3 professores com pós-graduação.
Para a educação infantil já fazem cerca de dez anos que o incentivo não é concedido. Somente na Estrela da Manhã, das 14 professoras que trabalham na escola, 13 aguardam elevação de nível. Elas investiram dinheiro em suas formações, porém não obtiveram retorno nos seus trabalhos. Viviane possui especialização, mestrado e atualmente cursa doutorado, por outro lado ainda nem subiu para o nível 3. “Nem existe previsão de mudança de nível pro meu nível de formação, e eu sou nível 2”, comenta a diretora.
Em suma… desvalorização.
Após tantas dificuldades e desrespeito pela categoria, o CMP Sindicato continua lutando pela valorização da classe municipal. É indignante o não pagamento do piso do magistério pelo Executivo de Passo Fundo enquanto outras cidades já reajustaram os salários de seus educadores. Para onde está indo o dinheiro do Fundeb? Por que não instaurar uma CPI? Por que uma das profissões mais essenciais e formadoras de nossa sociedade não é valorizada?
CIDADE EDUCADORA NÃO HUMILHA PROFESSOR!
Créditos matéria: João Lucas da Silva e Andressa dos Santos Wentz
Autor: CMP SINDICATO
Edição: Alexsandro Rosset