Clima total de impunidade
Le Monde culpa Bolsonaro pelo “clima total de impunidade” que explica desaparecimentos na Amazônia
Bolsonaro "permitiu que se instalasse um clima de total impunidade que pode explicar o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira", diz jornal francês
Foto: Alan Santos/PR
O jornal frânces Le Monde publicou um editorial nesta terça, 14, creditando a Jair Bolsonaro a “responsabilidade” pelo “desastre” que acontece na Amazônia. O “clima total de impunidade”, criado artificialmente a partir de decisões tomadas pelo governo Bolsonaro, explicam, na visão do jornal, o desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, vistos pela última vez no dia 5 de junho.
A região do Vale do Javari é do tamanho da Ucrânia e a dificuldade de penetração tem retardado o desfecho das buscas por Dom e Bruno. Le Monde destacou uma série de crimes que têm acontecido na região, envolvendo desde garimpo ilegal a tráfico de drogas, com vistas grossas do governo Bolsonaro. Na visão do jornal, o presidente brasileiro é autor de decisões que abrem espaço para a criminalidade. Além disso, ele encarou o desaparecimento com um “distanciamento culposo” e só enviou ajuda depois de muita pressão.
“Tudo sugere que eles [Dom e Brunp] poderiam ter sido vítimas do que a Amazônia se tornou hoje: uma área de ilegalidade onde o crime prospera em todas as suas formas, ambientais e sociais, com trabalho forçado, prostituição, hanseníase por drogas e crimes de sangue. Este é o cotidiano, no local, de jornalistas e defensores do meio ambiente, bem como de suas famílias”, anotou o Le Monde.
O jornal ainda criticou a visão de “desenvolvimento” que Bolsonaro tem para a Amazônia, que ameaça a vida e a natureza local. “Jair Bolsonaro também cortou os orçamentos das instituições responsáveis por garantir a proteção da natureza e das pessoas e permitiu que se instalasse um clima de total impunidade que pode explicar o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira. À medida que seu mandato chega ao fim, ele deve ser responsável por esse desastre”, advertiu.
Leia o editorial completo abaixo:
Amazônia: dois desaparecimentos e um desastre
O desaparecimento de um jornalista e pesquisador lembra as ameaças que pairam sobre os “pulmões” do planeta e as populações isoladas que ali vivem, entre garimpo, agricultura agressiva, tráfico de drogas e a visão “desenvolvimentista” do presidente Bolsonaro.
O que aconteceu com Dom Phillips e Bruno Pereira? Os dois homens estão desaparecidos há mais de dez dias no Vale do Javari, à beira do Amazonas, próximo à fronteira que separa o Brasil do Peru. As pessoas próximas a esse emérito jornalista freelance ligado à proteção do meio ambiente e a esse renomado pesquisador, engajado defensor dos povos indígenas, temem o pior. Bem Nomeado.
Do tamanho da Áustria, o Vale do Javari é uma região de difícil acesso. Há a maior concentração de povos isolados, sem nenhum contato com o mundo exterior. Seu número é estimado entre 300 a 500 pessoas segundo especialistas, o que significa que pesam pouco contra a máquina destrutiva que está devastando o “pulmão” do planeta, cujo destino é, no entanto, essencial na luta contra o aquecimento global.
Ao concentrar todos os males da Amazônia, o Vale do Javari tornou-se de fato uma linha de frente. Está ameaçada, como toda esta imensa região, por caçadores e pescadores ilegais, por garimpeiros e agricultura agressiva, até por missionários evangélicos determinados a converter por todos os meios os últimos representantes desses povos isolados.
Uma zona de ilegalidade
Soma-se a isso a sombra do narcotráfico. Atravessada por comboios fortemente armados, a área tornou-se um centro de cocaína do Peru e da Colômbia, com destino ao Brasil. Esta situação crítica explica porque Dom Phillips e Bruno Pereira, ambos particularmente experientes, se arriscaram a lá ir: testemunhar incansavelmente a ameaça que paira sobre os últimos agrimensores deste paraíso perdido, bem como sobre uma biodiversidade única.
Tudo sugere que eles poderiam ter sido vítimas do que a Amazônia se tornou hoje: uma área de ilegalidade onde o crime prospera em todas as suas formas, ambientais e sociais, com trabalho forçado, prostituição, hanseníase por drogas e crimes de sangue. Este é o cotidiano, no local, de jornalistas e defensores do meio ambiente, bem como de suas famílias.
O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, inicialmente reagiu a esses dois desaparecimentos com distanciamento culposo. “É uma aventura que não é recomendada. Tudo pode acontecer ”, declarou, antes de se resignar, sob pressão, a mobilizar o exército.
Desmatamento e garimpo de ouro
O presidente de fato não é estranho ao que pesa na Amazônia. Ele nunca negou sua visão de uma região que deve ser explorada sem piedade, custe o que custar para seus nativos ou nosso futuro climático. “O interesse da Amazônia não são os índios ou as malditas árvores, mas o minério! “ , disse ele sem rodeios em 2019.
Essa visão “desenvolvimentista” também é paranóica. De fato, o presidente constantemente suspeita que organizações não governamentais estrangeiras e povos indígenas sejam agentes de grandes potências que gostariam de colocar as mãos nas riquezas do Brasil e impedir seu desenvolvimento.
Desde sua chegada aos negócios, o desmatamento e a extração de ouro explodiram, e a monocultura da soja, sinônimo de empobrecimento dramático da terra, está corroendo a floresta. Jair Bolsonaro também cortou os orçamentos das instituições responsáveis por garantir a proteção da natureza e das pessoas e permitiu que se instalasse um clima de total impunidade que pode explicar o desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira. À medida que seu mandato chega ao fim, ele deve ser responsável por esse desastre.