Como se tornar um tirano

Como se tornar um tirano

O que a série Como se tornar um tirano pode nos ensinar sobre Bolsonaro

Dividida em 6 capítulos, a produção conta a história de ditadores que comandaram povos ao longo da história

por Sergio Pantolfi    19 de agosto de 2021

Lançada recentemente pela Netflix, a série Como se tornar um tirano consegue criar rapidamente um “manual” que deve ser seguido para se tornar de uma vez por todas um autocrata. Todo esse encadeamento é personificado em figuras ditatoriais da nossa história como Adolf Hitler, Saddam Hussein, Idi Amin, Josef Stalin, Muammar Gaddafi e a Dinastia Kim da Coréia do Norte respectivamente.

Apesar de trazer um conteúdo denso, a série funciona como um Tik Tok da história (o maior episódio tem 30 minutos de duração) de forma positiva, uma vez que é a síntese dentro dos temas é muito bem feita e traz desenhos, artes, especialistas e vídeos antigos que destacam de forma bem clara os personagens. A narração de Peter Dinklage (famoso por seu personagem Tyrion Lannister em Game Of Thrones) ajuda na didática e se complementa com os outros elementos já citados.

O ponto negativo a ser destacado é o fato de, por ser uma produção estadunidense, não existir nenhuma referência às práticas imperialistas e ultrajantes dos líderes norte-americanos, uma vez que o país já se envolveu em diversas guerras no continente asiático por interesses obscuros. Além disso, mais recentemente no governo Trump, o ex-presidente por diversas vezes ameaçou a democracia, iniciou a construção de um muro que divide o México e os EUA e propagou muita fake news fazendo até com que sua conta fosse suspensa no Twitter.

Mas a ideia é justamente fazer uma relação com o manual apresentado pela série e seguido à risca pelos antigos líderes mundiais e fazer análise de semelhança com a atual política do governo Jair Bolsonaro – que também poderia fazer parte da série.

Talvez esse seja o momento mais crítico na relação do presidente brasileiro com as esferas democráticas do país. Bolsonaro constantemente ataca o sistema eleitoral (pelo qual ele foi eleito x vezes) tentando acusar sem provas que a eleição de 2014 foi fraudada, além de dizer que o mesmo irá acontecer em 2022. No dia 10 de agosto, um desfile de blindados das Forças Armadas aconteceu em frente ao palácio do planalto, causando uma discussão sobre a ameaça de intervenção militar.

Por isso, quatro pontos abordados na série, podem ser relacionados com o atual mandatário brasileiro.

Mito do herói e ser um homem do povo – populismo

Para começar, é mostrada a figura centralizadora do herói, da pessoa que pode salvar a nação do caos e das trevas em que está mergulhada. Bolsonaro usou e abusou dessa tática desde antes mesmo de chegar ao poder. Demonizou governos passados e construiu a crença que ele era pessoa certa para que o país fosse rumo aos bons costumes, aos valores cristãos, a “civilidade” e ao governo sem corrupção.

A série mostra bem o caso de Idi Amin, um dos ditadores mais cruéis da história que era considerado um homem “do povão”, andava com um jipe sem capota pelas ruas de Uganda, era ótimo musicista, além de ter retrospecto esportivo admirável enquanto fazia parte do exército, ou seja, o candidato perfeito. Entretanto, seu estilo de governar era arbitrário, seu temperamento excêntrico, vingativo e violento. Expulsava imigrantes, sobretudo asiáticos, dizendo que Deus lhe havia dito para transformar Uganda em um país de homens negros. Expressava também grande admiração por Adolf Hitler.

Atrelado a uma confiança narcisista e megalomaníaca, Bolsonaro foi notado pelos seus discursos politicamente incorretos que eram e são carregados dos mais variados tipos de preconceitos. Tudo isso focado na figura do brasileiro médio que estava “irritado” com a situação do Brasil ou até mesmo o tiozão do churrasco ou o ex-militar. Afinal, todo esse processo de identificação com o povo é necessário.

 

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Cartaz da série (Imagem: Divulgação/ Netflix)

 

Um discurso que vende

Assim como uma marca, um discurso vende muito bem. “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O marketing e os símbolos são essenciais. Por conta desse nacionalismo e identificação, a camisa de futebol da seleção brasileira virou símbolo de apoio ao bolsonarismo. É o senso de unidade.

A facilidade com que o atual presidente da República conseguiu implementar uma ameaça comunista no país é quase bizarra. Segundo os próprios estudiosos do seriado, Hitler dizia que os financiadores de Wall Street e os comunistas russos faziam parte da mesma conspiração judaica e que isso era uma ameaça ao povo alemão. Por mais absurdo que isso pareça, convenceu muitas pessoas. Além disso, com discursos carregados de ódio, o ditador alemão inflamava a população branca, que finalmente poderia dar voz aos seus preconceitos.

Também é bizarro pensar em como Bolsonaro vendeu que o nazismo era de esquerda, a ainda por cima afirmou isso no Memorial do Holocausto, e não importa se os alemães digam que ele está errado. O que vale é a palavra dele e seus seguidores fiéis acreditam.

Ninguém governa sozinho

Muita gente surfou na onda do efeito Bolsonaro. Com um governo recheado de militares, no ano passado, por exemplo, um levantamento do TCU identificou 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo. Isso sem contar com a grande maioria de ministros militares angariados por ele. Agora com o seu governo encaminhando para o final e com a má gestão da pandemia do coronavírus, até mesmo uma grande parte da ala militar já não apoia mais o presidente.

Além disso, seus filhos, Flávio, Eduardo e Carlos funcionam como sua “tropa de choque”, blindando o presidente de qualquer crítica que possa ser feita a ele. Por isso, é possível dizer que Bolsonaro seja um protótipo de tirano, mas que, felizmente, não tem a capacidade e nem o poder para exercer tamanho impacto comparado aos tiranos da série. Isso não tira o fato de o presidente brasileiro adotar uma prática genocida e alheia a população.

Substituir a verdade objetiva por uma verdade útil ao regime

As redes sociais viraram os grandes meios de comunicação dos presidentes pelo mundo. Donald Trump foi um dos primeiros a utilizar o Twitter a seu favor para espalhar mentiras. Seguindo essa linha, a campanha de Bolsonaro foi recheada de fake news, que demonizavam os adversários e criavam o mito de salvador da pátria na figura dele. Recentemente, Jair Bolsonaro foi incluído no inquérito das fake news que investiga os ataques ao sistema eleitoral. Além disso, Bolsonaro usou grupos de Whatsapp, Telegram e Facebook para transmitir informações falsas.

A verdade é que toda a semelhança com governantes atuais não é mera coincidência e não estou falando só do governo brasileiro, mas também do primeiro-ministro húngaro Viktor Orban e vários outros. Tomar o poder, acabar com seus rivais, tornar o povo submisso, recriar um mundo ao seu bel prazer e governar para sempre. Governantes autoritários sempre limitam os direitos da população, limitam o direito de reunião, o direito de ir e vir e a liberdade de expressão. Todos eles seguem o manual. Que fique de recomendação para todos a série Como se Tornar um Tirano e que muitos possam refletir sobre o caráter não só de Bolsonaro, mas de outros ditadores espalhados pelo mundo e pela história.




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