Compra de votos no Brasil

Compra de votos no Brasil

A bilionária compra de votos no Brasil e a gota de água no oceano 

Infelizmente, os R$21,8 milhões apreendidos pela Polícia Federal são uma “gota de água no oceano”, dentro do processo eleitoral.

Milton Pomar (*)   - 10 de outubro de 2024

 

A bilionária compra de votos no Brasil e a gota de água no oceano (por Milton Pomar)

Foto: Isabelle Rieger/Sul21

 

 

Muita gente se surpreendeu com a atuação da Polícia Federal (PF) em setembro e início de outubro, de combate à compra e venda de votos, apreendendo grandes quantidades de dinheiro “vivo”, como resultado de investigações em alguns estados. Em seu pronunciamento dia 6 de outubro, a ministra Carmen Lúcia, presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), relatou que a Polícia Federal registrou 295 ocorrências, com um total de valores apreendidos de R$ 50,3 milhões em bens, dos quais R$ 21,8 milhões em espécie.

Infelizmente, esses R$21,8 milhões apreendidos pela Polícia Federal são uma “gota de água no oceano”, dadas as dimensões da compra de votos para os quase 70 mil cargos, nos 5.569 municípios do Brasil. São 5,6 mil cargos de prefeito(a), 5,6 mil de vice-prefeito(a), e cerca de 58 mil de vereadores e vereadoras. Todos esses cargos resultaram em 441 mil candidatos e candidatas a vereador(a) com registro aprovado pelo TSE e 31,4 mil a prefeito(a) e vice. Ou seja, um universo de 472,4 mil pessoas com interesse em se eleger – prováveis 80% deles a qualquer custo, já que depois o “investimento” realizado na compra voltará de várias maneiras. Na maior parte dos casos, via recursos públicos. 

Esse universo de cargos eletivos municipais é ocupado, em sua grande maioria, graças à compra e venda de votos a cada quatro anos, prática cínica e criminosa há muito naturalizada no Brasil. E quase totalmente impune, graças à omissão/conivência/cumplicidade das polícias militar e civil e dos juízes eleitorais. O TSE, que tanto se orgulha da eficácia das urnas eletrônicas, sempre fez cara de paisagem para a compra e venda massiva de votos em todas as eleições. A compra e venda de votos é a base de funcionamento do sistema político brasileiro. Por isso, muita gente ficou espantada com a atuação da PF esse ano. Foi uma chuva de manchetes sobre compra  de votos, a grande novidade da campanha eleitoral de 2024. E o volume de dinheiro assustou, porque de repente teve gente pega com 500 mil, outros com 5 milhões (em “dinheiro vivo”). ) Muitos casos e muito dinheiro, em vários estados

Considerando-se “por baixo” o preço do voto em R$100,00, e sabendo-se que o “mercado” pode chegar a 100 milhões de eleitores(as), o dinheiro utilizado para compra e venda de votos no Brasil em 2024 pode ter alcançado inacreditáveis R$10 bilhões. Muito dinheiro? – Sim e não: menos de 25% dos 44 bilhões repassados pela União a parlamentares entre 2020 e 2022, via “Orçamento Secreto”, a aberração escandalosa criada pela direita e extrema-direita no Congresso Nacional.

Esse é o sistema político do Brasil “na real”, que inclui o funcionamento do Banco Central a serviço do Sistema Financeiro, e que se beneficia diretamente do Orçamento Geral da União (OGU) todos os anos, ficando com quase metade dos recursos públicos via pagamento da “dívida pública”

 Ou seja, o sistema político funciona movido a muito, muito dinheiro. Com tanto dinheiro em jogo, faz sentido investirem 10 ou 20 bilhões comprando votos para manter o sistema funcionando a seu favor, como sempre foi e continuará sendo enquanto não houver uma ruptura significativa. 

Mas não é só com dinheiro público: muitas empresas sempre doaram – e continuam doando – muito dinheiro para comprar votos, porque depois os “seus” vereadores e vereadoras e prefeitos(as) e vices “devolverão” o dinheiro investido na eleição via contratações, compras, renúncia fiscal e outras formas. Provas dessa afirmação? – São encontradas sempre que a polícia e os outros órgãos responsáveis pela correta aplicação de recursos públicos investigam. Essa relação de causa e efeito ficou evidente em Santa Catarina, com os 28 prefeitos presos, quando houve investigação de uma única questão: a contratação de recolhimento e destinação de lixo. 

Quem se der ao trabalho de pesquisar na Internet encontrará muitas notícias de vereadores (as) e prefeitos(as) presos por “n” formas de “recuperação do investimento realizado” na compra de votos. Sempre pouquíssima gente, em relação às dimensões dessa prática no Brasil. E por que tão poucos presos? – Por falta de investigação. Basta ver as estruturas da Corregedoria Geral da União e dos demais órgãos encarregados de fiscalizar e investigar os legislativos e executivos municipais e se entenderá a razão para tão poucas prisões e condenações – todas essas estruturas têm pouca gente e recursos para investigar. E os processos demoram tanto que alguns prescrevem… 

Acredito que há chance real de mudança do sistema se as polícias federal e dos estados, mais os demais órgãos (Corregedoria Geral da União etc.) entrarem pra valer no combate à corrupção eleitoral e forem atrás da etapa seguinte, da “venda” dos votos comprados. Encontrarão tantas provas e prenderão tanta gente, que o País irá parar, porque a base do sistema político entrará em colapso e muita gente boa se dará conta que a compra e venda de votos não é normal nem natural – ela é corrupção, e, como tal, ela é crime. Podem começar pelos “municípios ricos”, aqueles que recebem muito dinheiro dos estados e União, via transferências constitucionais.

(*) Mestre em “Estado, Governo e Políticas Públicas”, geógrafo, professor. Trabalha em campanhas eleitorais, em vários estados, desde 1982. Publica artigos sobre o tema desde 1999.

 

FONTE:

https://sul21.com.br/opiniao/2024/10/a-bilionaria-compra-de-votos-no-brasil-e-a-gota-de-agua-no-oceano-por-milton-pomar/ 




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