Confisco de aposentados do setor público
É preciso acabar com o confisco de aposentados do setor público
Desde 2003, aposentados e pensionistas do serviço público brasileiro passaram a ter descontados de seus respectivos proventos ou pensões o valor da Contribuição Previdenciária, atualmente no percentual de 14% na esfera federal.
Essa verdadeira aberração passou a constar da Constituição Federal (art. 40, § 18) a partir da aprovação da Emenda Constitucional (EC) 41/2003, com o seguinte texto:
“Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.”
Participei ativamente da luta contra aquela proposta de emenda constitucional, pois atuava como líder sindical em Minas Gerais e, a partir de agosto de 2003, fui eleita presidente do sindicato de auditores fiscais da Receita Federal. Lutamos juntamente com inúmeras lideranças sindicais em nosso país, mas o poder de influência do mercado financeiro venceu. Até mesmo no Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento de uma das primeiras ações de inconstitucionalidade apresentadas contra a cobrança de contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas, o argumento usado para manter essa taxação injustificável foi econômico.
Essa não foi a única aberração daquela Emenda Constitucional, mas neste breve artigo gostaria de focar essa questão, tendo em vista que há 20 (anos) aposentados e pensionistas de todo o país lutam para reverter esse confisco. Sim, confisco! Como justificar a continuidade de cobrança de contribuição previdenciária de quem já se aposentou? Não existe justificativa sustentável, e distintos governos, desde então, justificam essa cobrança sob a justificativa de falacioso déficit no Regime Próprio de Previdência Social, esquecendo-se da obrigação assumida pelo Estado e prevista entre os direitos constitucionais (art. 6º) de garantir aposentaria e pensão a toda a sociedade brasileira.
É interessante ressaltar que os governos passaram a cobrar a contribuição previdenciária de aposentados e pensionistas, porém, nesse caso, o próprio governo não paga a sua parte patronal em dobro, evidentemente, porque não haveria justificativa para essa despesa, tal como não há para a cobrança da contribuição previdenciária de quem já se aposentou ou é beneficiária de uma pensão. Essa cobrança só vem acontecendo por conta da aprovação insana de dispositivo constitucional inserido na EC 41 e votado no STF sob argumento econômico de necessidade dessa receita financeira para o equilíbrio das contas públicas, à revelia dos fundamentos constitucionais.
Será que é verdade mesmo que a receita dessas contribuições previdenciárias cobradas de aposentados é tão relevante assim?
Em primeiro lugar, o falacioso déficit no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) é calculado pelo governo mediante simples conta aritmética que subtrai do montante das contribuições previdenciárias de servidores ativos, aposentados e pensionistas, o valor gasto com o pagamento de benefícios previdenciários. O governo considera apenas essas receitas e despesas em cada ano, desconsiderando que esse resultado é fabricado por diversos fatores relevantes que obviamente levariam a um resultado deficitário:
- Não computam as contribuições históricas, calculadas sobre o salário bruto de todas aquelas pessoas que hoje se encontram aposentadas;
- Calam a boca em relação aos desvios do volume de contribuições recebidas quando o contingente de aposentados ainda era reduzido;
- Não levam em conta o desmonte do Estado, que tem sido implementado constantemente desde o governo Collor, levando à queda do número de servidores ativos contribuintes;
- Não consideram o impacto da criação da arriscada previdência complementar para o setor público (Funpresp), que reduz a arrecadação de contribuição para o RPPS, pois grande parte de suas contribuições vão parar na ciranda do volátil mercado financeiro.
Diante desses fatores, obviamente o número de trabalhadores ativos que contribuem para o RPPS tem caído fortemente, quebrando completamente o princípio de solidariedade entre as gerações. Alegar um déficit fabricado dessa forma é uma total desonestidade intelectual, pois omite mudanças estruturais introduzidas pelos próprios governos.
E, afinal, qual é o valor em jogo? De acordo com dados publicados pelo Tesouro Nacional, o montante de contribuição previdenciária arrecadada pelo governo federal de aposentados e pensionistas do RPPS somou cerca de R$ 6 bilhões em 2023. Para quem paga, esse confisco é extremamente danoso, pois incide sobre pessoas em idade avançada, quando gastos com medicamentos e tratamentos de saúde se avolumam, entre outros, e elas já não têm condições de buscar outras fontes de renda. Todo esse sacrifício absurdo, que afeta negativamente as condições de sobrevivência de quem dedicou várias décadas de suas vidas ao serviço público, corresponde a apenas um dia e algumas horas de pagamento da chamada “dívida pública”!
As contas públicas não precisam dos R$ 6 bilhões confiscados de aposentados e pensionistas para se equilibrarem, mas sim do enfrentamento do Sistema da Dívida, o verdadeiro vilão que leva, todo ano, quase R$ 2 trilhões do orçamento federal, fatia de mais de 40%, destinada a sustentar seus questionáveis mecanismos, juros e amortizações! Essa chamada dívida pública não tem contrapartida em investimentos, como já declarou o Tribunal de Contas da União, e é repleta de ilegitimidades e ilegalidades já comprovadas em diversas investigações realizadas pelo Congresso Nacional e pela Auditoria Cidadã da Dívida.
Até quando vamos aceitar viver no avesso do que o Brasil poderia ser, sugado por uma chamada dívida que impede o atendimento aos direitos sociais e suga recursos orçamentários que deveriam financiar o nosso desenvolvimento socioeconômico, garantindo vida digna em abundância para todas as pessoas? A Campanha Nacional por Direitos Sociais , que está se consolidando e sempre aberta a novas adesões, será um grande passo para sairmos desse avesso.
Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.
FONTE: