Confesso que o editorial do Estadão me incomodou. Não por discordar — mas pela inversão de valores que ele representa. Dizem que Lula “subiu no salto”. Eu diria que ele apenas cansou de pisar em ovos diante de um Congresso que insiste em agir contra o povo. Resolvi escrever este texto para colocar as coisas no devido lugar.

Não foi Lula quem rebaixou a Presidência — foi o Congresso que rebaixou o Brasil.

Quando o Estadão publicou o editorial “Lula sobe no salto e rebaixa a Presidência”, não fez um juízo político — fez um desvio de ótica. Lula não rebaixou a Presidência; apenas expôs, sem subterfúgios, o que está à vista há três anos: um Congresso que, na prática, vem agindo contra os objetivos fundamentais do Estado brasileiro.

Há três anos, Lula tenta construir pontes, dialogar, oferecer o que a política tem de mais nobre: o acordo em favor do país. Em troca, o que recebeu foram derrotas acachapantes, concessões distorcidas e sabotagens calculadas. E, diante disso, quando o presidente aponta o óbvio, dizem que ele “subiu no salto”. Ora, o que esperam? Que sorria enquanto o Parlamento trabalha contra os objetivos fundamentais do próprio Estado brasileiro?

A Constituição é clara. No artigo 3º, ela define que o Brasil deve construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades. No artigo 145, determina que os tributos devem respeitar a capacidade de cada um contribuir — quem tem mais, paga mais. No artigo 153, autoriza a União a tributar rendas e lucros para financiar o país. E no artigo 170, afirma que a economia deve servir à dignidade humana, não ao lucro de poucos.

Agora veja o que o Congresso tem feito na prática.

Rejeitou a tributação de aplicações financeiras que beneficiam apenas o topo da pirâmide. Derrubou a proposta de taxar as apostas online, as famosas bets, que movimentam bilhões sem devolver quase nada ao Estado. Picotou a isenção do imposto de renda até cinco mil reais, travando por meses um projeto que devolveria dignidade a quem vive do salário. E, quando o governo apresentou formas de compensar essas medidas — para que não causassem rombo fiscal —, os mesmos parlamentares que pregam responsabilidade rejeitaram as compensações.

É o velho truque de Brasília: gritam por corte de gastos, mas aprovam despesas novas; falam em equilíbrio fiscal, mas derrubam fontes de receita; e, entre um voto e outro, mantêm privilégios fiscais pornográficos para os que já têm demais. O resultado é simples: o país anda para trás enquanto os mesmos discursos se repetem, revestidos de moralidade de vitrine.

O presidente, neste contexto, não pode e não deve passar pano. Sua função não é agradar o Congresso, mas proteger o Estado. Se há um poder que insiste em agir contra o espírito da Constituição, é dever do chefe de Estado expor isso com todas as letras — porque calar é ser cúmplice.

Lula não afronta o Congresso quando denuncia seus abusos. Apenas cumpre o papel que a Constituição lhe impõe: o de guardião da República.

Não se trata de vaidade política, mas de responsabilidade histórica. O Congresso tem trabalhado contra a realização dos objetivos que a própria Constituição mandou cumprir — e o presidente, ao dizer isso em voz alta, apenas revela o que já está escancarado para quem quiser ver.

O Brasil precisa de uma política que olhe para a maioria, não para as exceções de luxo. Se o presidente baixasse a cabeça, seria ele o verdadeiro rebaixador da Presidência. Ao contrário: ao erguer a voz contra um parlamento que age como se fosse uma assembleia de corporações privadas, Lula dignifica o cargo.

O que o Estadão chamou de “salto” é, na verdade, a postura reta de quem se recusa a compactuar com a deformação moral da política. E quem ainda não percebeu isso talvez tenha se acostumado demais com a mediocridade.

O país não precisa de um presidente de joelhos. Precisa de um presidente que, de pé, diga a verdade — mesmo quando a verdade incomoda os donos do poder.

Por Carlito de Souza

FONTE:

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