Conhecimento técnico

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‘Conhecimento técnico não é suficiente’, diz professor que estará no Educação 360 Steam

Marco Aurélio Canônico

Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Edson Prestes, o impacto das tecnologias para o ser humano não depende simplesmente de conhecimento técnico. Além das ciências exatas, ele acredita que será preciso ensinar empatia às crianças. De acordo com o membro do Painel de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Digital e da Sociedade de Robótica e Automação do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos, dos Estados Unidos, só a habilidade de se colocar no lugar do outro poderá fazer com que as futuras ferramentas sejam adequadas às diferentes realidades e garantir melhoria de qualidade de vida. Prestes estará no próximo dia 26 no Museu do Amanhã, no encontro Educação 360 STEAM, uma realização dos jornais EXTRA e O Globo, com patrocínio Sesi, Instituto Unibanco, colégio pH e Fundação Telefônica Vivo, além de apoio da L'Oréal Brasil e apoio institucional de revista Galileu, site TechTudo, TV Globo, Canal Futura, Unicef e Unesco.

Sua apresentação será centrada na importância de ensinar empatia. Por que isso é importante?

Desenvolver as habilidades nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática é muito importante, mas não é suficiente. Temos que estimular as crianças a terem habilidades sociais, interpessoais. Isso é dado através da empatia. Defendo o estímulo à empatia, compaixão e altruísmo. As tecnologias que serão desenvolvidas podem levar a sérios problemas éticos. Para mitigá-los, temos de pensar no ponto de vista humano. Será que a tecnologia vai impactar negativamente a vida de alguém? Se o fizer, como resolver isso? Isso só será possível quando nos colocarmos no lugar da pessoa que vai ser usuária da tecnologia.

Mas como se ensina empatia?

Existem movimentos, como o “Roots of empathy” (Raízes da empatia), que ensinam na prática. O professor é um bebê. Ele é colocado dentro de uma sala com crianças, que tentam compreender quais são as emoções daquele bebê, o que ele está sentindo. Também é possível utilizar realidade virtual para colocar a pessoa no ponto de vista de outras. Existe um experimento, “Clouds over Sidra” (Nuvens sobre Sidra), que mostra a vida de uma refugiada de 12 anos, permitindo que você compreenda as necessidades dela. A partir do momento em que você se coloca no lugar de outra pessoa, tenta compreender a posição dela. Por exemplo, se eu desenvolvo um sistema que vai interagir com estudantes do Rio ou de São Paulo, será que ele vai ser adequado para a Amazônia? Existem variações culturais associadas a qualquer tipo de tecnologia que devem ser levadas em consideração. Uma solução que não leva em conta aspectos culturais não vai ter impacto positivo. E isso só se aprende quando a gente se coloca na posição de quem vai usar a tecnologia.

Sistemas de inteligência artificial e de robótica vão permear nossas vidas cada vez mais. Quais as implicações do uso deles no nosso cotidiano?

As tecnologias vão ser cada vez mais centradas no ser humano. Há uma discussão ética grande hoje no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial e robótica. Quem desenvolve esses sistemas são pessoas com uma formação forte na área de ciência e tecnologia, então, os sistemas não são pensados colocando as pessoas em primeiro lugar. Quando você começa a estudar a empatia, entende a necessidade das outras pessoas, passa a ter um relacionamento humano-humano. Hoje, temos um relacionamento humano-objeto. Nas mídias sociais, as pessoas falam o que bem entendem porque não estão interessadas no sentimento de quem vai receber aquela mensagem. Elas não veem o receptor como um humano, mas um objeto.

No Brasil, o aprendizado das competências Steam (sigla em inglês para Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) é muito falha. É possível acrescentar o ensino de empatia?

Se pensarmos daqui a dez, 20 anos, observamos que virá a automação de uma série muito grande de profissões. Vários relatórios indicam que, para sobreviver a essa transformação, somente conhecimento técnico não vai ser suficiente. Será preciso desenvolver as habilidades criativas e as sociais. Elas serão o diferencial dos profissionais do futuro. Infelizmente, nosso país está muito atrasado.

O brasileiro tende a se ver como alguém muito criativo, não?

É isso que me entristece. O brasileiro é um dos povos mais criativos do mundo, mas nosso potencial está sendo subutilizado. Poderíamos ser uma potência na área de inovação, que demanda criatividade. Mas nossa educação é falha, nossos sistemas são burocráticos. Aqui, educação é vista como gasto, não como investimento.

O que nos falta?

Compreender a realidade da população. Será que alguém que olha para uma universidade caindo aos pedaços acha que alguém ali tem a mesma oportunidade dos alunos da USP, Unicamp, UFRJ, UFRGS? Alguém que mora numa palafita na Amazônia vai ter a mesma condição de alguém que mora numa cobertura na Barra? Por isso, é importante empatia, especialmente de quem está em posição de poder. E isso depende de ação governamental. É preciso saber onde investir os recursos, que ações devem ser desenvolvidas. Um país que não consegue compreender a potencialidade de seus habitantes e fazer uma distribuição adequada de recursos para que todos tenham boa qualidade de vida é um país fracassado.

O Brasil tem lacunas não apenas na educação, mas também em infraestrutura. É possível implantar a educação Steam nesse cenário?

É algo que estamos discutindo no painel da ONU: como capacitar as pessoas para a era tecnológica. Temos de ter a infraestrutura adequada, o que significa internet de alta velocidade, confiável, material educacional culturalmente adaptado à realidade local. Num país da dimensão do Brasil, não podemos pensar em solução única para todos os estados. Aí vem, novamente, a empatia, temos de compreender a cultura local para desenvolver modelos adaptados a ela.

O senhor é membro do Painel de Alto Nível da ONU sobre Cooperação Digital. Qual é o papel dele?

Ele discute a forma de nos prepararmos para o futuro digital. Quais são os possíveis problemas, como resolvê-los, como tirar proveito do que vai surgir, em termos de negócios, de inclusão, de melhoria da qualidade de vida. Vamos elaborar um documento que deve ser publicado no primeiro semestre do ano que vem, com um conjunto de recomendações.

O senhor acredita que a tecnologia pode criar uma sociedade mais igualitária?

Sim, acredito no ser humano e no poder transformador da tecnologia. Ela pode nos beneficiar de inúmeras maneiras. Pode criar novos negócios, melhorar diagnósticos médicos, deixar a educação mais inclusiva, minimizar o impacto ambiental. Estou envolvido em várias iniciativas internacionais, com grandes lideranças, e todos estão pensando na mesma direção: como usar a tecnologia para melhorar o bem-estar do ser humano.

 

https://extra.globo.com/noticias/educacao/educacao-360/conhecimento-tecnico-nao-suficiente-diz-professor-que-estara-no-educacao-360-steam-23240431.html




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