Constituições, esperanças de futuro
Constituições são esperanças de futuro, e a nossa 'é a melhor do mundo', afirma Lenio Streck
20 de abril de 2024 - Uarlen Valerio/CFOAB
Para Lenio Streck, não basta dizer que o Brasil não precisa de uma nova Constituição: “É impossível fazer uma Constituição que possa ser melhor do que esta”.
Em entrevista exclusiva à revista eletrônica Consultor Jurídico, o professor e advogado deu seu parecer sobre uma discussão que volta e meia se levanta no país, que, em vez de aperfeiçoar o conjunto de normas já posto, tenta a cada novo mandato legislativo reinventar a roda.
“Os problemas do Brasil não são causados pela Constituição. E a quem desconfia dela, vamos olhar o Brasil de antes de 1988. O que era a saúde pública, a cobertura social? O Brasil é outro, e cresceu graças à Constituição”, analisa Streck.
No entanto, segundo ele, nenhum problema é resolvido só por ter sido abordado pela Constituição, ou pelas leis. “Não adianta colocar na Constituição a proibição da febre amarela, tem de comunicar os mosquitos. Até o Supremo tentou fazer isso, ao declarar o estado de coisas inconstitucional em relação aos presídios. Não adianta fazer isso.”
A luta, segundo ele, não deve ser para redigir uma nova Constituição, pois a nossa “é a melhor do mundo”. Trata-se, sim, de fazer efetivar uma Constituição como a brasileira.
“Se eu fosse resumir em uma frase, diria que a nossa Constituição visa a desigualar a desigualação. Parece pueril, mas assim é que são as Constituições. As Constituições também são esperanças. São utopias, não distopias. São esperanças para o futuro. Talvez a gente não deva olhar aquilo que ela não está nos dando, mas tenhamos de olhar para o futuro e ver o quanto ela pode nos dar.”
Ele complementa, por fim, que as democracias funcionam quando o Direito e a Constituição não são controlados por quem detém o poder político.
“Na Espanha, na Alemanha, não se vê esse tipo de discurso: ‘Se não dá mais, vamos acabar com esse regime, fazer outra Constituição’. Não, eles estão tentando costurar para ver se aquilo que está no Direito que eles fizeram continua em pé. É uma maravilha.”
Constitucionalização excessiva
Um dos problemas para a efetivação da Constituição está no excesso de expectativas, segundo o advogado e professor. E o outro, no excesso de judicialização.
Em relação às expectativas, Lenio Streck repete uma anedota contada pelo ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal: quando Bernardo Cabral participava da Constituinte, voltava de táxi de um almoço. E o taxista comentou: “Olha, vocês estão discutindo aí essa questão dos indígenas, de tal e tal dentro da Constituição. Tudo bem, tranquilo, mas o doutor não pode incluir lá um espaço para os taxistas?”.
Um reflexo desse excesso de expectativas é o excesso de judicialização. Com um pouco de habilidade e trucagem, questões que são da alçada de um regulamento de condomínio chegam ao Supremo, com o argumento de violação da dignidade da pessoa humana.
“Uma inconstitucionalidade é quando a lei ou o ato normativo bate na trave. Mas tem de ter trave. Se não tem trave, não tem inconstitucionalidade. Nem tudo é inconstitucional e nem tudo está na Constituição. Existem coisas que são resolvidas pelo Código de Posturas do Município”, resume ele.
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