Controversa Revolução Farroupilha
A Controversa Revolução Farroupilha
RAUL CARRION*
Em 20 de setembro de 1835, teve início na então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul a mais longa revolta republicana contra o Império centralizador e escravocrata, hegemonizado pelos grandes proprietários do Vale do Rio Paraíba do Sul que, quando ocorreu a nossa independência impuseram uma monarquia unitária e centralizada, com o objetivo de manter os escravos submissos e submeter as demais províncias aos seus interesses.
A chamada Revolução Farroupilha (ou “Guerra dos Farrapos”) compõe um conjunto de rebeliões que ocorreram no final do século XVIII e na primeira metade do século XIX – como a Conjuração Baiana, a Revolução Republicana de Pernambuco, a Confederação do Equador, a Cabanada, a Cabanagem, a Sabinada, Balaiada, as rebeliões liberais de São Paulo e Minas Gerais e a Revolução Praieira –, que confrontaram o domínio português e a monarquia da Casa dos Bragança, apresentando projetos alternativos, de cunho republicano, federativo e, em alguns casos, abolicionista.
A maioria dessas rebeliões foi sufocada rapidamente. Só a Revolução Farroupilha conseguiu resistir por mais de nove anos ao todo poderosos Império Brasileiro, inclusive constituindo, entre 1836 e 1845, um Estado e um governo republicanos independentes.
Como todo grande acontecimento histórico, ela é até hoje motivo de controvérsias.
Por um lado, temos a tentativa da apropriação ideológica da Revolução Farroupilha pela oligarquia pecuarista, que – através de uma historiografia tradicional, laudatória dos “monarcas das coxilhas” (brancos e ricos) e da “democracia do Pampa” (pretensamente sem explorados e exploradores) – idealiza o espírito “libertário” e “emancipador” dos grandes fazendeiros que dirigiram essa luta contra a monarquia e pela República, mas fecha os olhos às suas divisões e vacilações em relação à escravidão, do que a “Traição de Porongos” foi a expressão mais terrível, e ignora o protagonismo dos despossuídos – negros, índios, mestiços e brancos pobres – na luta.
Por outro lado, em uma reação “espelhar” a essa visão elitista da Revolução Farroupilha, nos deparamos com interpretações simplistas, muitas vezes beirando o panfletarismo, que negam o caráter historicamente progressista da luta pela República e pela Federação e do enfrentamento ao Império centralista e escravocrata, única explicação para a forte adesão dos escravos, negros libertos, mestiços, índios e pobres do campo à luta farroupilha.
As análises que não “enxergam” o sentido progressista da Revolução Farroupilha têm um caráter simplista e anacrônico, reduzindo tudo à direção dessa luta pelos grandes proprietários, desconhecendo o momento e as condições históricas em que ela se deu, que inviabilizavam a hegemonia dos setores populares.
Seria o mesmo que negar o caráter progressista da luta pela independência das colônias inglesas da América do Norte, por ele ter sido dirigida pelos grandes proprietários de terras e pela incipiente burguesia estadunidense. Ou negar o caráter progressista da Revolução Francesa por ela ter sido hegemonizada pelo “Terceiro Estado”, isto é, pela nascente burguesia francesa…
Por outra parte, não conseguem perceber as profundas contradições entre os farroupilhas, materializadas nas posições de uma “maioria” progressista e abolicionista – liderada por Bento Gonçalves, Domingos José de Almeida, Mariano de Mattos, Antônio Souza Neto, Ulhôa Cintra e outros – que se confronta com uma “minoria” reacionária e escravista, capitaneada por Vicente da Fontoura, David Canabarro e Onofre Pires.
Por fim, essas interpretações desqualificadoras da Revolução Farroupilha reproduzem a visão preconceituosa das elites, que não enxergam o povo senão como “massa de manobra”, carente de vontade própria e incapaz de protagonizar a sua própria história.
Ensaio publicado na Revista Princípios 164 (maio/agosto 2022), revisado e ampliado.
*Raul Carrion é Graduado em História pela UFRGS e Pós-Graduado pela FAPA e servidor concursado do Ministério Público Estadual-RS. Foi vereador em Porto Alegre e Deputado Estadual por dois mandatos, sempre pelo PCdoB.
Ilustração da capa: Guilherme Litran, obra “Carga de cavalaria Farroupilha”, acervo do Museu Júlio de Castilhos.
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