Convicta de suas mentiras
A direita está mais convicta de suas mentiras que a esquerda de suas verdades
"Quanto menos instruída a população, mais permeável a ideias de direita ela se torna", escreve Alex Solnik
Por Alex Solnik
Quando eu era mais jovem, a direita não tinha movimento de massa no Brasil. Era formada por senhores sisudos, de terno e gravata pretos e cabelos brancos. Eram da elite intelectual. Orgulhavam-se de não manter qualquer relação com o povão. Gabavam-se de suas bibliotecas. Eram eruditos, como, por exemplo, José Guilherme Merchior, Roberto Campos, Heitor de Aquino, Reis Veloso, tantos outros. Não eram ridículos, nem toscos. Traduziam Shakespeare.
Naqueles tempos de ditadura, a direita era a favor dela e os que eram contra automaticamente estavam na esquerda. Ser de direita era vergonhoso. Era apoiar a tortura. Nenhum jovem era de direita. Ou era de esquerda ou alienado.
Os pobres, esnobados pela elite de direita, eram acolhidos pela esquerda. Sobretudo pela ala progressista da Igreja Católica e pelos partidos comunistas. Não havia igrejas evangélicas, nem, é claro, smartphones.
O que está acontecendo hoje, esse fenômeno da direita como movimento de massa deve-se, principalmente ao aparelho que era apenas telefônico, mas passou a ser o meio de comunicação mais popular do Brasil. Já tem mais celular que gente por aqui. Todo mundo tem, porque se vende em suaves prestações.
Não sei se foi a direita que descobriu essa arma poderosa de lavagem cerebral ou se foi essa arma poderosa que descobriu a direita. O fato é que nasceram um para o outro.
Num país com alta taxa de analfabetismo e semi-analfabetismo, o celular caiu do céu para a direita. Ela viu aí a oportunidade de doutrinação sem intermediários. Sem barreiras. Sem filtros. Seus papas descobriram que através do celular podiam dizer e mostrar o que quisessem e c0nvencer as pessoas do que quisessem, ao estilo do lema nazista: repetir tantas vezes a mentira até virar verdade. Não só com palavras, mas com imagens.
A crédula população brasileira achou divertido aumentar seu cabedal de conhecimentos por meio de um aparelhinho que cabe na sua mão e que carrega no ônibus, no metrô e leva até ao banheiro.
Essa população crédula, sem ter noção de que estava sendo doutrinada por uma ideologia de direita, sem saber na maioria das vezes o que é direita e o que é esquerda, foi sendo convencida a adotar valores de direita sem querer. E sem precisar se intelectualizar para isso. Sem precisar ler, o que é imprescindível para adotar os valores de esquerda.
É muito mais fácil, digamos, assim, ser de direita do que de esquerda para essa população. Para ser de direita, basta ser contra o aborto, contra os bandidos, contra o comunismo e a favor de Deus e da família. Tudo de fácil compreensão.
A direita convence seus seguidores de que melhorar de vida só depende de sua capacidade e de seu esforço pessoal. E, é claro, de sua devoção a Deus. A direita não coloca em questão o capitalismo.
Já a mensagem da esquerda brasileira é mais difícil de ser compreendida e de ser assimilada. A esquerda preconiza que ninguém melhora de vida sozinho, a luta é coletiva e para que os objetivos sejam alcançados os mais pobres têm que se unir.
A esquerda é anticapitalista, mas não deixa claro o que almeja (e como) colocar no lugar. Não diz nada sobre o comunismo que a direita joga no seu colo. Prefere varrer o assunto para debaixo do tapete.
É mais fácil optar pela direita que pela esquerda, porque para ser de esquerda é preciso saber o que ela é, e para isso é preciso ler, estudar, debater. Quanto menos instruída a população, mais permeável a ideias de direita ela se torna.
Além de serem conceitos mais fáceis de entender do que, por exemplo, o conceito esquerdista de que “o homem é o sujeito da história”, os valores e ideais da direita atual são martelados 24 horas por dia através de milhares de replicadores sem deixar margem a dúvidas.
Enquanto a esquerda costuma perder-se em intermináveis discussões muitas vezes estéreis e se afogar num mar de incertezas, a direita espalha suas mentiras com a maior certeza do mundo.
Para os pobres, humilhados e oprimidos, pertencer a esse mundo de certezas é mais confortável. Eles estão na pior, hoje, mas podem melhorar amanhã, basta se esforçar mais e ter muita fé. Ou sorte. E se nada der certo, eles irão para o céu, onde então, sim, serão recompensados.
A esquerda não dá essa solução “confortável”. Acena com a necessidade de lutar, de abrir mão de confortos pessoais, de ser mais tolerante, mais solidário, mais pé no chão.
A direita está mais convicta de suas mentiras que a esquerda de suas verdades. Por isso convence mais. Principalmente àqueles que não têm nada e que são a espinha dorsal de todo movimento de massa.
Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"