Convulsão social no Brasil
Boaventura: "Brasil será o próximo país a ter convulsão social"
Em visita ao Brasil para a reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, de 78 anos, afirmou que a gestão Jair Bolsonaro (PSL), “um neofacista”, é a “pior possível”. A tal ponto que o País se tornou “objeto de risada internacional”. Em entrevista ao jornal O Globo, Boaventura diz que as políticas neoliberais do governo de extrema-direita já fazem o Brasil se aproximar de uma “convulsão social”, como acontece no Chile e no Equador.
O sociólogo acaba de lançar O Fim do Império Cognitivo (Editora Autêntica, 2019). No livro, além de criticar “um conhecimento que é todo produzido na Europa, EUA e Canadá, e reproduzido por autores do Sul”, o autor defende a inclusão da sabedoria de “indígenas, afroquilombolas, mulheres e camponeses” na educação – para que todos “se sintam parte da escola”.
Leia trechos de sua entrevista:
O Globo: O que é o “império cognitivo" e por que chegou ao fim?
Boaventura de Sousa Santos: É o fim das epistemologias do Norte, de um conhecimento que é todo produzido na Europa, EUA e Canadá, e reproduzido por autores do Sul. Ele está em crise porque a própria Europa está em crise de exaustão. O capitalismo global está em uma fase de exaustão. Os jovens, de 15 e 16 anos, como a Greta [Thunberg, jovem ambientalista], na Suécia, estão numa situação que conseguem imaginar o fim do mundo mais fácil, por causa da crise ecológica, do que o fim do capitalismo. Isso os deixa desesperados. O capitalismo é uma coisa histórica. Teve um princípio e terá um fim. Agora, não há planeta B. Os jovens estão desesperados por não haver nem uma melhoria nesse sistema. Estamos a falar de um pós-capitalista que só fica pior, no qual a concentração de riqueza só aumenta.
O Globo: O que são as “epistemologias do Sul” que o senhor aponta como alternativa à escola?
BSS: Os movimentos indígena, camponês, de mulheres, afroquilombola produzem conhecimento extraordinário e nos seriam absolutamente preciosos quando enfrentamos, por exemplo, a crise ecológica. A concepção dos povos indígenas nos parece a única que pode nos salvar o planeta. A educação desconhece todo esse conhecimento por não o considerar valoroso. Acabei de vir da África do Sul. Lá, os estudantes negros chegam às escolas, mas elas continuam a ensinar uma cultura branca que os alienam, os tiram do sistema, os levam ao suicídio e à depressão. Se sentem na escola, mas não se sentem parte da escola. No Brasil, muitas populações sentem o mesmo. As “epistemologias do Sul” são esforços para que todos os jovens no sistema educativo se sintam em casa porque ele também reproduz o seu conhecimento.
O Globo: Como esses conhecimentos entrariam na escola?
BSS: Primeiro através dos alunos que vêm dessas culturas. No Brasil, durante muito tempo, eles não entraram na educação. Foi preciso o Prouni e outras leis que permitiram que a juventude negra e indígena começasse a entrar na universidade. Hoje, eles têm uma presença muito razoável, mas não no pessoal docente – e sim no discente. E também, em geral, não no currículo. No Brasil, porém, temos experiências pioneiras, que não são muito conhecidas. Na faculdade de Medicina de Manaus, médicos tradicionais de medicina ribeirinha vão à faculdade explicar seus conhecimentos aos alunos, sobretudo depois que a OMS disse que essas medicinas tradicionais eram muito importante para as condições crônicas. Não é um movimento anticiência. Se quero ir à Lua, preciso de conhecimento científico. Mas, se eu quiser conhecer a biodiversidade da Amazônia, tenho de ir às populações indígenas. Para diferentes objetivos, precisamos de diferentes tipos de conhecimento.
O Globo: Como vê o ambiente para a pesquisa científica no Brasil?
BSS: O Brasil é, em termos de pesquisa, uma país de desenvolvimento intermediário que fez avanços tecnológicos nas ciências e, especialmente nas ciências aplicadas, altamente reconhecidos. A UFF, por exemplo, tem avanços tecnológicos na área da física absolutamente notáveis de nível mundial. Também não é por acaso que a Embraer era um dos três grandes fabricantes de aviões. Nos EUA, nas ligações regionais, só andamos de aviões da Embraer. Da mesma forma, a indústria de petróleo é absolutamente de primeira linha, mas que está sendo sucateada.
O Globo: O senhor foi consultor da Constituição do Equador, de 2008. O que é possível se aprender com os indígenas neste momento histórico?
BSS: Se aprende bastante. A Constituição de 2008 pela primeira vez acolhe, dentro de um texto eurocêntrico, moderno, conceitos indígenas. Como os direitos da natureza. Para nós, na nossa cultura ocidental, no tal império cognitivo, é inovação. Porque os direitos humanos é dos humanos – a natureza não é humana e não pode ter direitos. Mas, para os indígenas, não pode ser assim. Essa é a grande inovação que o Equador nos deu. O que aconteceu agora, obviamente, é que o texto da Constituição é muito bonito, mas não se aplicou. E o resultado está aí. O país está em chamas, arrasado. O continente está a mostrar que o neoliberalismo chegou ao fim. Os portugueses, a partir de 2016, fizeram uma descoberta de que o neoliberalismo é uma mentira. Não cria boa imagem para o país, não cria paz social e não cria investimento. E o Brasil, em breve, será o próximo. Quando as pessoas começarem a sentir no bolso das famílias a consequências dessas políticas neoliberais, vai haver consequências que, eventualmente, se traduzirão em convulsão social.
O Globo: Como você vê a gestão do presidente Jair Bolsonaro?
BSS: Pior possível. Para mim é um neofacista. É um homem que não estava preparado para dirigir um país, nem sequer para dirigir uma empresa, ao contrário do Trump, que pode dirigir uma empresa. E penso que Bolsonaro tem causado um dano extraordinário ao Brasil porque veio legitimar tudo aquilo que havíamos pensado que havia sido superado. Ele está fazendo com que o Brasil seja um objeto de risada internacional nesse momento. O Brasil é ridicularizado em todo lado. Muitas vezes, europeus mais oficializados não podem rir porque precisam respeitar o País, e é preciso respeitar o povo, mas não se respeita o presidente deste país. Mas não penso que ele é estúpido. Isso é uma estratégia.
Com informações do O Globo