COP26, novas falsas soluções

COP26, novas falsas soluções

COP26: velhas estratégias, novas falsas soluções

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Haja luta para seguir denunciando as falsas soluções, indicando as soluções efetivas para a transformação em busca de um mundo melhor para todes, onde os bens comuns, o direito à terra, ao território e o bem viver sejam o centro da ação climática.

A Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), realizada em Glasgow, na Escócia, era uma das mais aguardadas entre as últimas conferências. No entanto, o resultado final foi a apresentação de velhas estratégias e novas falsas soluções.

O texto final e os desdobramentos dos eventos, dentro do espaço oficial[1], pavimentam o caminho para a “NET ZEROtopia”[2], o surto coletivo de que as emissões globais de carbono — dos países e das empresas — possam ser removidas em sua totalidade, usando a compensação como eixo central. Haja florestas, haja criatividade com os monocultivos de árvores. Haja luta para seguir denunciando as falsas soluções, indicando as soluções efetivas para a transformação em busca de um mundo melhor para todes, onde os bens comuns, o direito à terra e ao território e o bem viver sejam o centro da ação climática.

O grande destaque veio das ruas. Nesta COP a sociedade levantou a voz. Especialmente na Cúpula dos Povos, organizada pela COP26 Coalition, as discussões sobre alternativas mostravam que, sim, é possível caminhar para uma transformação socioecológica real. Uma marcha inédita em número de pessoas, com mais de 100 mil participantes, foi realizada no dia de ação global, com participação expressiva e contundente dos povos indígenas e comunidades tradicionais, assim como dos jovens.

No último dia previsto para a COP26, outra ação pujante foi realizada. Observadores da sociedade civil saíram do espaço oficial da conferência em marcha, para então realizar uma assembleia do lado de fora. A ação foi em protesto contra as restrições promovidas pelo Reino Unido, que limitaram a entrada em Glasgow e na própria conferência. Pelas novas regras impostas, os observadores não conseguiram acompanhar as salas de negociação, tornando a COP26 em uma das menos inclusivas da história.

Do lado das negociações, seus resultados frustraram aqueles que tinham alguma expectativa de respostas mais fortes para atender os alertas de emergência do IPCC e do avanço do aquecimento global para um caminho sem retorno, caso pouca coisa seja feita.

A COP26 tinha o objetivo oficial de fechar o Livro de Regras do Acordo de Paris. O tratado foi assinado em 2015 e entrou em vigor em 2016, mas ainda carecia de fechar normas e diretrizes para sua implementação nos três temas centrais. Quais sejam: o artigo 4 (o único realmente vinculante, que diz respeito a revisão de cinco em cinco anos das Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDCs); o artigo 6 e seus parágrafos, que dizem respeito aos dois “novos” mecanismo e abordagens de mercado de carbono, que flexibilizam as metas voluntárias dos países; e o artigo 13 sobre o quadro geral de transparência, que se relaciona, em grande parte, com os artigos mencionados anteriormente, buscando formas de comparabilidade entre essas NDCs dos países, previsibilidade e transparência.

falsas soluções
(Crédito: Pexels)

Sinal de alerta

Sobre esse objetivo oficial, a COP teve um desfecho bem-sucedido, pois conseguiu consenso[3] — ainda que a duras penas— de forma a fechar os textos e abrir caminho para a implementação desses instrumentos. Contudo, com a amplitude e a aplicação dos mecanismos de mercado de carbono, e sua consequente materialização nas políticas nacionais e nos territórios — em especial na Amazônia, que acaba sendo o foco dessas ações e da visibilidade internacional —, abrem-se as portas para grandes problemas socioambientais. O Brasil saiu na frente tentando aprovar uma série de legislações e decretos de última hora para viabilização desses instrumentos, sem a devida transparência e debate com a sociedade, e sem garantir a pavimentação desse mercado.[4]

A menção no texto final sobre a redução do uso de combustíveis fósseis é um ponto importante, que precisa ser encarado com mais força nas próximas negociações. Cerca de 80% das emissões de gases de efeito estufa surgem da queima desses combustíveis, e 40% das emissões mundiais se referem a Estados Unidos e China. Esse debate levanta questões geopolíticas e econômicas, revelando grandes interesses dos países mais ricos e lobbies de corporações. Enquanto isso, no Sul Global, desnuda a profunda desigualdade Norte-Sul, evidenciando a pobreza e a miséria nas quais ainda vive grande parte da população. Sem um verdadeiro processo de transição, que leve a outro modelo de desenvolvimento e de cooperação, as mudanças reais e urgentes ficarão em segundo plano e os ricos seguirão em seus clubes.

Importante mencionar ainda outras duas pequenas vitórias relativas à exclusão de termos no texto final:  a primeira, diz respeito à tentativa de alguns países em incluir a compensação florestal (offsets) na definição dos ITMOS (sigla em inglês para Resultados de Mitigação Internacionalmente Transferíveis). A abordagem prevista no artigo 6.2 propunha o uso de créditos de redução de emissões como moeda de troca a ser descontada das NDCs de países membros do Acordo. Isso foi retirado do texto. A segunda vitória foi a retirada das menções às Soluções baseadas na Natureza (NbS, na sigla em inglês)[5]. O tema é muito controverso e ainda está sendo discutido e negociado no âmbito da Convenção de Diversidade Biológica (CDB). Tentaram encaixá-lo, como que de contrabando, na decisão final da COP26, para torná-lo fato consumado. Sem sucesso, felizmente. No entanto, ano que vem, seguramente, esses temas voltarão à mesa de negociações, quando começarem a abrir as discussões sobre os planos setoriais do mercado de carbono oficial.

Como previsto, a COP novamente não conseguiu avançar no tema de financiamento. Segue sem concretização a antiga promessa dos 100 bilhões de dólares anuais, que já deveriam estar disponíveis para apoiar os países em desenvolvimento na implementação de suas NDCs. Foi estabelecido um calendário de reuniões ministeriais sobre finanças climáticas para chegar a essa ação em 2027. Da mesma forma, não se avançou no objetivo de adaptação, tema que ficou para a próxima edição da COP, que será em Sharm-El-Sheik, no Egito, e terá adaptação e agricultura como grandes eixos do debate.

 

Maureen Santos é coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da FASE e professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e pesquisadora da Plataforma Socioambiental do BRICS Policy Center.

Letícia Rangel Tura é diretora Executiva Nacional da FASE e mestre em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro-IFCS/UFRJ.

 

[1] Veja análise de Camila Moreno, do Grupo Carta de Belém, sobre os resultados de Glasgow

[2] Veja página dedicada ao tema no site da Climate Land Ambition & Rights Alliance (CLARA).

[3] Ver texto final Glasgow Pact, ainda com edição sem revisão disponível

[4] O Brasil chegou na COP com o objetivo central de não ser novamente o vilão da conferência e buscou de todas as formas mostrar-se flexível e disponível, assinando as muitas declarações aprovadas na reunião de Chefes de Estado e apresentando dados de governos anteriores e maquiagens de resultados de conservação. Sem Bolsonaro por lá e sem Salles, foi mais fácil sair com uma imagem melhor, com um Ministro Joaquim Leite pouco expressivo.

[5] Veja Clima S.A, publicação da FASE lançada durante a COP 26.

 

https://diplomatique.org.br/cop26-velhas-estrategias-novas-falsas-solucoes/ 




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