Cresce resistência à PEC
Cresce resistência à PEC que ameaça o SUS
Governo quer votar em ritmo de rolo compressor proposta que desobriga Estados e Municípios de investir em Saúde e Educação. Redes da sociedade civil protestam; surge alguma oposição no Congresso. E mais: os tímidos lockdows no Brasil
Publicado 24/02/2021
TRABALHANDO PELO ADIAMENTO
Algumas das principais bancadas do Senado estão tentando adiar a votação da PEC Emergencial para a próxima semana. A movimentação se acirrou depois que Márcio Bittar (MDB-AC) protocolou a versão final de seu relatório, mantendo o fim do gasto mínimo em saúde e educação.
Partiu do próprio MDB, maior bancada da Casa, um apelo no plenário para que o texto seja votado na próxima terça-feira, ao invés de amanhã. Segundo o líder do partido, Eduardo Braga (MDB-AM), é preciso mais tempo para construir um texto “amadurecido e suficientemente negociado”. Pesa contra Bittar o fato de o senador não ter cumprido a promessa de protocolar o relatório na última sexta, mas na antevéspera da votação.
O Partido dos Trabalhadores também entrou em campo, mas nos bastidores. Os senadores Paulo Rocha (PA) e Jean Paul Prates (RN), respectivamente líderes do partido e da minoria, se reuniram com o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (DEM-MG) para solicitar que o item fosse retirado da pauta desta quinta-feira.
Com isso, Pacheco admitiu para jornalistas que a votação pode não acontecer amanhã: “Está na pauta de quinta-feira e se manterá na pauta de quinta-feira. Mas, se será votado na quinta-feira ou se será uma etapa, na quinta, de um debate mais profundo sobre a PEC, pode ser que isso [o adiamento] aconteça”. O martelo sobre a data para a análise da proposta será batido em uma reunião de líderes, prevista para a manhã de quinta, antes da sessão do plenário. “Não haverá prejuízo, se, eventualmente, precisar passar para a terça-feira, não haverá tanto prejuízo assim. Embora a gente tenha lutado muito e estamos lutando para viabilizar o auxílio o mais rapidamente possível”, completou.
Antes, Pacheco já tinha reagido à enxurrada de críticas mirando a manutenção do fim do piso no relatório afirmando que a posição de Bittar – que também é a posição da equipe econômica, como sempre cabe frisar –”não vai ser imposta”. “O que nós vamos propor é que possamos sentar os líderes partidários para entendermos justamente o alcance dessa desvinculação e se ela deve ser mantida ou não no texto“, afirmou o presidente do Senado.
Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) sinalizou que se a PEC chegar antes do dia 4 de março por lá, o tratamento da proposta “será sumaríssimo”. Isso porque a Casa ainda não terá instalado nenhuma comissão. “Se, por acaso, o Senado não entregar esta semana, terá um rito mais longo, irá para a Comissão de Constituição e Justiça e depois vai para a comissão especial”, disse em uma transmissão ao vivo do Valor. Lira também está pensando em fatiar a PEC, aprovando o dispositivo que autoriza a reedição do auxílio emergencial antes das medidas fiscais defendidas por Paulo Guedes.
Ontem, a Frente pela Vida divulgou uma nota contra a desvinculação de recursos do orçamento da saúde e da educação. “Todos sabem que a Constituição mantém como pétreas normas que não podem ser abolidas por emenda constitucional, como as que garantem direitos e garantias individuais, incluídos os direitos sociais considerados fundamentais pelo STF. Assim, saúde e educação são direitos pétreos que não podem ser abolidos sob nenhum pretexto. Isso leva a considerar que normas que dispõem sobre percentuais mínimos de receitas para o financiamento desses direitos também são pétreas dada a sua essencialidade. Sem custeio adequado se estará por via oblíqua abolindo o direito que custa sem o excluir da Constituição”, diz o texto, que denuncia o subfinanciamento do SUS.
Entidades do setor privadoda saúde também se posicionaram contra a desvinculação. “Concordamos que precisamos de mecanismos para lidar com emergências. O pagamento do auxílio é importante e mantém a sociedade estável, mas que seja a partir do corte de outras despesas. O piso foi uma conquista do SUS. Acabar seria um erro”, disse Bruno Sobral, secretário-executivo da Confederação Nacional de Saúde à Folha.
O PRIMEIRO REGISTRO
A Anvisa aprovou ontem o registro definitivo da vacina da Pfizer/BioNTech, cujo nome comercial é Cominarty. É o primeiro imunizante contra a covid-19 a consegui-lo no Brasil: a CoronaVac e a vacina de Oxford/AstraZeneca têm apenas autorização para uso emergencial.
A principal consequência disso, obviamente, é o aumento da pressão sobre o governo federal para comprar a vacina. Segundo informações da CNN (não confirmadas pela Pfizer) a última oferta da empresa ao Brasil envolve 100 milhões de doses, sendo nove milhões até junho, 35 milhões até setembro e as demais até o fim do ano. Isso, claro, dependeria de não haver atrasos como os que tiraram o sono dos governos europeus e do Canadá.
Mas há também implicações para o mercado privado. É que, enquanto a autorização emergencial só permite a aquisição pelo governo federal e o uso no programa de imunizações do SUS, o registro permite a compra por estados, municípios e clínicas particulares.
Essa possibilidade, no entanto, ainda é muito remota. A empresa voltou a se posicionar quanto a isso ontem, afirmando que “só vai negociar com o governo federal“.
FERVILHANDO
Como temos visto nos últimos dias, o que não falta são propostas para permitir que a iniciativa privada compre vacinas, inclusive as que só tenham autorização emergencial. A ideia pode até não vingar quando se trata de empresas que estão restringindo suas negociações ao poder público, como a Pfizer e a AstraZeneca, mas deve encontrar terreno mais fértil com a Sputnik V e a Covaxin, por exemplo.
Ontem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cumpriu o prometido e apresentou um projeto de lei que trata dessa permissão. O texto, porém, diz que todas as doses conseguidas pelas empresas privadas devem ser doadas ao SUS enquanto a vacinação dos grupos prioritários não tiver terminado. Depois disso, elas estariam liberadas para venda ou uso nas empresas. “O empresário dificilmente vai querer comprar para o SUS. Ele tem que vacinar sua massa laboral. Nós temos que criar alternativas e acelerar a vacina no braço do povo”, reclamou o líder do PSD na Casa, Nelsinho Trad (MS); ele tem um projeto distinto que exige a doação ao SUS de apenas metade das doses. Nada está fechado. Segundo o Estadão, essas duas propostas podem ser discutidas em uma só ou incorporadas na discussão de uma medida provisória.
Enquanto isso, a Câmara votou a MP 1026, que na prática acaba com a necessidade de avaliação técnica da Anvisa para aprovação de imunizantes autorizados em vários outros países. Mas o trecho do parecer que permitia a compra de vacinas por empresas foi retirado.
EVITAR O CAMAROTE
Certamente ainda vamos ouvir falar muito sobre a movimentação de empresários rumo à aquisição de imunizantes – uma ideia que pode gerar o que o ex-ministro Alexandre Padilha chamou de “camarote da vacina“, com um fura-fila oficial. Em tese, o fenômeno pode ser evitado, como explica o advogado Daniel Dourado, no G1: o poder público pode usar a requisição administrativa, o mesmo mecanismo que prevê o uso de leitos privados pelo SUS durante a emergência de saúde pública.
Nesse caso, a rede privada seria indenizada. “Imagina que um laboratório privado da Bahia consiga comprar a vacina da Pfizer antes de o governo do estado conseguir. O governo pode requisitar. Os governos estaduais e municipais que quiserem podem fazê-lo. Eu acho que eles não têm essa escolha – enquanto houver escassez de vacinas, eles são obrigados a requisitar“, diz ele, afirmando que a obrigação do Estado é incorporar ao PNI qualquer vacina que entre no território brasileiro.
Na avaliação de Dourado, a compra direta por estados e municípios também pode ser problemática, porque os entes mais ricos vão imunizar suas populações primeiro. “Não é de interesse da federação ter uma unidade federativa com a população toda imunizada e outra, não. Por isso que, em um país federativo, é preciso ter uma articulação em um nível federal, para que as vacinas cheguem de forma harmonizada nos estados”. É o Ministério da Saúde quem pode adquirir e distribuir as doses aos estados segundo a necessidade. Só precisa realmente fazê-lo…
Quanto a isso, o STF autorizou, por unanimidade, que governadores e prefeitos comprem vacinas por conta própria, caso o governo federal descumpra o Plano Nacional de Vacinação ou se o cronograma da União não for suficiente para imunizar a população de determinada região. Os ministros também afirmaram a legalidade da importação de vacinas aprovadas por agências reguladoras dos EUA, Europa, Japão ou China (mas não da Índia, por exemplo).
EM CIMA DO MURO
Mais uma vez, uma reunião na Organização Mundial do Comércio (OMC) discutiu a quebra temporária de patentes para aumentar a produção de vacinas durante a pandemia. E, mais uma vez, nada ficou decidido.
O Brasil começou esse debate ao lado da indústria farmacêutica e dos países ricos, posicionando-se contra a proposta encabeçada por Índia e África do Sul. Mas agora parou de se manifestar contra ou a favor. Ontem, ficou em silêncio. Segundo o colunista do UOL Jamil Chade, diplomatas estrangeiros interpretam a mudança como um gesto para evitar mal-estar com a Índia. Como nota a matéria do Valor, a cautela começou junto com a demanda brasileira por vacinas produzidas naquele país.
COMBATE MEIA BOCA
Circulou ontem em oito jornais do país, entre eles a Folha e O Globo, um informe publicitário de médicos que defendem o falso “tratamento precoce” contra a covid-19. No texto, que recebeu o absurdo título de “Manifesto pela Vida”, o grupo advoga o uso de cloroquina, ivermectina, zinco e vitamina D. O caso repercutiu muito nas redes sociais por expor uma contradição bem incômoda do jornalismo, já que alguns dos veículos que aceitaram a publicidade se vendem como parte de uma rede de combate às notícias falsas, mostrando que quando o assunto é a política comercial as coisas mudam de figura… Discussões deontológicas à parte, a Lupa rebate ponto por ponto do tal “manifesto” aqui.
Falando nisso… Em meio ao colapso do sistema de saúde de Natal, onde pacientes já começaram a ser transferidos para UTIs de outras cidades, como Mossoró, o prefeito Álvaro Dias (PSDB) afirmou que “a grande saída” da crise é a ivermectina. Detalhe: Dias é pediatra de formação.
ADESÃO CRESCENTE
Cresce a adesão ao toque de recolher entre governos municipais e estaduais. Hoje, São Paulo pode anunciar o seu, que valeria entre 22h e 5h para todos os comércios. A decisão deve sair depois de uma reunião de João Doria (PSDB) com seu secretariado. Após atingir a lotação máxima de leitos de UTI, a cidade de Campinas adotou ontem medida parecida, das 21h às 5h. Vale até 1º de março.
Hoje começa o toque de recolher para cidades da Paraíba que, na avaliação epidemiológica, estão nas bandeiras vermelha e laranja. Também vale de 22h às 5h. Durante o dia, porém, serviços como salões de beleza e academias de ginástica continuam liberados.
No Piauí também foram anunciadas medidas de isolamento social. A partir de hoje, o comércio só pode funcionar até as 17h e será estabelecido um toque de recolher entre 23h e 5h. Segundo o governador Wellington Dias (PT), haverá lockdown no final de semana, com funcionamento apenas dos serviços essenciais. As medidas estão enfrentando resistência de parte da população, particularmente de empresários que fizeram carreata ontem. Também ontem, a ocupação de UTIs em Teresina atingiu 100%.
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