Crise financeira nas IES de pequeno porte

Crise financeira nas IES de pequeno porte

Às pequenas, nicho e mercado regional

Crise financeira, concorrência acirrada e necessidade de investimentos em ferramentas tecnológicas para cursos EAD pavimentam o fechar de portas das IES de pequeno porte

Publicado em 02/10/2023

 

Edição 278 | Mercado

Nicho e atuação regional são diretrizes para as pequenas IES

   

Os grandes grupos educacionais, de capital aberto e listados na B3, tiveram avanços significativos em suas operações durante a pandemia e o mercado concentrou-se ainda mais nas mãos de poucas instituições. Na rede privada, as IES de pequeno porte representam 82,5% das instituições; na rede pública, 36% e, juntas, ficaram com apenas 10,3% das matrículas em 2021, de acordo com o Mapa do Ensino Superior. As gigantes, com mais de 20 mil alunos, constituem um setor percentualmente pequeno, de 3,1% da rede privada e 15,4% da rede pública. Juntas, obtiveram 62,5% das matrículas.

No pós-pandemia, há uma boa porção de gente endividada, que deixou os planos de cursar uma faculdade para tempos melhores. Crise financeira, concorrência acirrada e necessidade de investimentos em ferramentas tecnológicas para cursos EAD pavimentam o fechar de portas das IES de pequeno porte.

Jaime Romero

Jaime Romero (Foto: divulgação/Unileão)

Gestores acreditam que esses grupos consolidadores continuarão avançando. “As mantenedoras de grande porte têm ampliado sua presença no ensino superior, e esse movimento deve continuar baseado em aquisições”, diz Jaime Romero, reitor da Unileão, em Juazeiro do Norte, Ceará, IES de médio porte com seis mil alunos. Na sua análise, os grupos educacionais se consolidaram nos grandes centros urbanos, mas esse mercado já está saturado e “vemos agora um movimento de interiorização”.

Nas cidades menores, o impacto na economia local é preocupante. “A recente incursão dessas grandes instituições no EAD, combinada a práticas de precificação agressiva e dumping, ameaça a viabilidade das instituições menores, geradoras de empregos e de desenvolvimento local. Ainda mais alarmante é a tendência de alguns grandes consolidadores em priorizar um conceito mínimo suficiente de qualidade. Essas abordagens, embora eficazes para reduzir custos em escala, podem comprometer a excelência educacional e ter impactos adversos nas economias locais”, detalha Romero.

Outra preocupação de Romero é a “homogeneização da educação”, sem a sintonia com as necessidades específicas das cidades do interior dos estados. “Instituições locais, com sua abordagem mais personalizada e contextualizada, tendem a compreender e responder de maneira mais sensível às demandas regionais.”

Duas IES de pequeno porte fecharam recentemente no Rio Grande do Sul, conta Daniel Quintana Sperb, da Atitus, sediada em Porto Alegre e Passo Fundo, também com seis mil alunos. “E isso vai acontecer a granel agora”, dispara. “Os grandes grupos dominam o setor com posicionamento de massa, comprando instituições atrativas, não é qualquer uma, são bem localizadas e com muitos alunos.” A concorrência é forte. No Sul, em especial em Santa Catarina, sofrem também as instituições comunitárias, que perdem alunos. Com a crise financeira, as pequenas IES “sangraram”, diz Sperb, e com a concorrência podem minguar de vez.

 

José Vicente

José Vicente (foto: divulgação)

O crescimento é intenso por meio das aquisições e o domínio do mercado é certo, de acordo com José Vicente, da Faculdade Zumbi dos Palmares, instituição comunitária com 1.700 alunos, na capital paulista. “Cada vez mais, as infraestruturas de acesso à formação educacional estarão subordinadas às redes tecnológicas, de comunicação, de ensino a distância. É uma estrutura pesada que para funcionar é preciso muito recurso econômico- financeiro”, detalha. Às IES pequenas, sobram poucas saídas. “Vai precisar criar caminhos alternativos, eles existem, mas é uma briga de Davi contra Golias. Às vezes, as alternativas são vender ou vender”, diz Vicente.

Por outro lado, Vicente reflete acerca da tarefa que o país ainda não cumpriu. “Do ponto de vista da demanda reprimida, o Brasil precisa fazer uma lição de casa muito profunda, que é ampliar extraordinariamente a presença de jovens no ensino superior.” Sob a perspectiva de estar diante de uma sociedade que se tornará altamente tecnológica, esses jovens precisam de capacitação. “Como? Colocando acesso à educação onde o povo está.” O EAD permite esse acesso. Entretanto, assim como Romero, Vicente enfatiza a necessidade de qualidade. “É preciso dar conta de trazer essa demanda para dentro do ambiente educacional superior e ter mecanismos para que os estudantes acessem e recebam qualidade e entregas significativas. Mais do que necessário, é imperativo para o avanço do país nos anos que virão.”

Quem sobreviverá?

Já no começo dos anos 2000 especialistas previam o domínio de cinco ou seis grupos consolidadores do ensino superior. “Eles acertaram. E também previam que iriam sobreviver as IES com gestão profissionalizada e de nicho”, afirma Sperb. “Essas IES nichadas nunca terão 30 mil alunos, terão entre 3 mil e 5 mil, mas é o seguinte: ticket lá em cima e uma receita muitas vezes maior do que as que têm 30 mil.”

Para Romero, a manutenção e aperfeiçoamento do Fies tornam-se cruciais para a sobrevivência das IES menores, “especialmente aquelas em regiões de alta necessidade social”. No entanto, apenas sobreviver não é suficiente. Ele afirma que as IES têm uma oportunidade única de reafirmar seu valor. “Elas devem também buscar prosperar, ampliando sua contribuição para as demandas regionais. Isso exige um comprometimento profundo com a inovação e a elevação da qualidade educacional, garantindo que atendam às necessidades do mercado e, ao mesmo tempo, fortaleçam suas comunidades.”

A Zumbi dos Palmares, para jovens negros e negras, “cumpre uma missão histórica, é uma intervenção muito forte na agenda de inclusão e empoderamento dos jovens negros. Por conta disso, ela fica fora dessa perspectiva; ela não esteve, não está e nunca estará à venda. É um patrimônio da comunidade”, diz Vicente.

Mas precisa ter lucro, pagar suas contas, e a concorrência é grande, “contundente”, adjetiva Vicente. A saída, no caso da Zumbi, é perseverar em seus valores. Quando essa concentração no mercado se estabelece, por sua própria natureza, se transforma num processo abstrato, diz Vicente. “Tira a alma da educação, tudo vira números.” Nesse contexto, valores muito bem definidos, que vão além das dimensões do mercado, são, então, um diferencial relevante. “Muitos estudantes querem justamente essa relação e integração comunitária, valores compartilhados. As pessoas estão mais interessadas numa experiência intensa, sobretudo dentro desses valores da cidadania e no combate às intolerâncias de toda natureza.”

Vicente leva em conta, também, que os jovens periféricos, sobretudo negros e negras, estão buscando o ensino superior e os espaços que valorizem todas as dimensões de seu pertencimento. “Estar numa universidade por cotas ou EAD, mesmo que tenha bolsa para estudantes negros e negras, é diferente de estar dentro de uma instituição que se fundamenta nos valores da Zumbi dos Palmares. Aqui, o jovem se sente mais abraçado, a vivência é mais autêntica.”

 

FONTE:

https://revistaensinosuperior.com.br/2023/10/02/as-pequenas-nicho-e-mercado-regional/?utm_smid=10862501-1-1 

 




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